Lula responde aos europeus, retira oferta de Bolsonaro e reabre negociação

 

Jamil Chade
Colunista do UOL
12.06.23 - O presidente Lula e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, em encontro no Palácio do Planalto
12.06.23 - O presidente Lula e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, em encontro no Palácio do Planalto Imagem: Ricardo Stuckert

Depois de semanas de debates internos no governo e entre os parceiros do Mercosul, o bloco sul-americano apresentou aos europeus as primeiras respostas e reações em relação ao projeto de acordo comercial com a UE.

A contraoferta vai ser examinada por Bruxelas e, no dia 15 de setembro, o Brasil irá sediar a primeira rodada de negociações entre os dois blocos, em Brasília. O encontro marca a retomada do processo, paralisado desde 2019.

O Itamaraty explicou que, num primeiro momento, apenas linhas gerais da proposta foram indicadas no documento entregue aos europeus e o detalhamento do que o Mercosul exige e está disposto a oferecer ocorrerá apenas quando os negociadores estiverem cara a cara.

Barulho causado por fala de Lula é irresponsável

Em março, a UE havia apresentado seu projeto, considerado como inaceitável pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Agora, superados os impasses entre so diferentes ministérios e setores no país, o governo consolidou sua estratégia negociadora.

A posição brasileira é a seguinte;

O governo retira de sua lista de concessões de abertura comercial a possibilidade de que europeus possam competir de igual para igual em compras governamentais em setores estratégicos e principalmente relacionadas às licitações que envolvem o SUS. O objetivo é o de garantir que haja espaço para o fortalecimento da indústria nacional de remédios. A abertura havia sido oferecida por Jair Bolsonaro, causando revolta em certos segmentos.


Um segundo ponto é tambémk a retirada da oferta inicialmente feita pelo governo anterior, permitindo que os europeus competissem por contratos em programas sociais liderados pelo estado brasileiro.

A oferta ainda afirma categoricamente que o Brasil se recusa a aceitar os termos estabelecidos pelos europeus, nos quais barreiras poderiam ser impostas se o país não cumprir metas ambientais.

O governo quer exigir que o tratado comercial entre o Mercosul e a União Europeia conte com regras claras para a revisão das concessões e cobranças de tarifas de importação. O mecanismo poderia ser acionado caso os europeus optem por adotar medidas comerciais protecionistas contra os produtos agrícolas do bloco sul-americano.

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O que o Brasil quer garantir é que o tratado futuro preveja a possibilidade de que, num eventual caso de novas barreiras estabelecidas contra os produtos nacionais, uma revisão das concessões e do próprio acordo poderia ser acionada.

Na visão do governo brasileiro, de nada adianta negociar cotas ou tarifas mais baixas ao longo de anos para certos produtos e, com um único decreto, ver esse acesso ser desmontado da noite para o dia por parte dos europeus.

O Itamaraty ainda estima que essa exigência brasileira é apenas uma resposta à ameaça que representa uma nova legislação europeia, que liga questões ambientais e comerciais. Barreiras poderiam ser impostas aos produtos agrícolas brasileiros, caso tenham causado desmatamento.

O principal temor brasileiro é de que o argumento ambiental seja usado como novo recurso para justificar medidas protecionistas contra as exportações agrícolas nacionais.

O problema não se limita ao mercado europeu. O Itamaraty aponta que, se as medidas forem adotadas contra um produto brasileiro, o risco seria de que aquele item tenha sua imagem afetada em todo o mercado internacional e que acabasse barrado também de entrar em outras economias.

Europa já rejeitou ideia parecida


A proposta, porém, promete causar um debate acalorado. Nos últimos anos, os europeus já tinham rejeitado qualquer sinalização de incluir, no tratado, a possibilidade de uma revisão das condições de vendas de um produto ou de que suas medidas unilaterais pudessem ser alvo de questionamento.

Em Bruxelas, negociadores admitem que o projeto pode causar um impasse e arrastar as negociações.

Mas, para uma ala da diplomacia brasileira, a proposta pode ser usada como um elemento de barganha. O Brasil aceitaria retirar ou amenizar sua proposta se, do lado europeu, as exigências ambientais fossem reavaliadas.

Há, ainda, um grupo que desconfia que o acordo está fadado a não ocorrer e, que, nos próximos meses, parte do debate será o de avaliar quem ficará com a culpa pelo fracasso.

Mais de duas décadas de negociação

O acordo vem sendo negociado desde 1999, criando o que seria a maior área de livre comércio do mundo e estabelecendo uma aliança estratégica diante do risco de uma divisão no mundo entre um polo com base nos EUA e outro na China.

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Em 2019, no primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro, o acordo foi finalmente fechado. Mas, para que entrasse em vigor, todos os parlamentares precisariam ratificar. No caso europeu, a falta

de compromisso do ex-presidente com temas climáticos levou o processo a ser suspenso.

Com a vitória de Lula, a esperança era de que o acordo seria retomado e o brasileiro chegou a falar em fechar um acordo até meados de 2023. Mas as exigências ambientais feitas pelos europeus, em março, enterraram a perspectiva de um acerto rápido.

O Itamaraty, ao longo dos últimos meses, comandou uma resposta do Mercosul ao projeto europeu e, agora, a oferta está praticamente pronta. Segundo diplomatas, o lado brasileiro e o documento precisa apenas passar por uma revisão dos sócios sul-americanos para, então, chegar aos europeus.

Apesar de uma pressão forte de uma parcela do governo para que as cotas dadas pelos europeus para os produtos agrícolas nacionais fossem questionadas, a opção final foi por manter o pacote que tinha sido acordado em 2019.

Naquele momento, a UE ofereceu abrir seu mercado para carnes e açúcar brasileiro em uma quantidade limitada. Uma ala do governo Lula insistiu que as cotas eram insuficientes e que sequer fariam diferença, no médio prazo, na balança comercial do país.

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Mas outros temiam que, ao reabrir essa negociação, o Brasil também seria obrigado a fazer novas concessões, abrindo seu mercado de bens industrializados. Num momento em que o governo quer promover uma reindustrialização do país, o cenário foi considerado como inviável.

A alternativa encontrada pelo governo Lula foi a de propor a criação de um mecanismo de revisão.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.


JAMIL CHADE

Todo sábado, Jamil escreve sobre temas sociais para uma personalidade com base em sua carreira de correspondente. 

https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2023/09/06/lula-responde-aos-europeus-retira-oferta-de-bolsonaro-e-reabre-negociacao.htm

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