Militar não fiscaliza eleição, e TSE não vistoria os quartéis. Parece justo

 

Reinaldo Azevedo
Colunista do UOL
Alexandre de Moraes, ministro do STF e presideente do TSE, que relatou a nova resolução, aprovada por unanimidade pela corte eleitoral
Alexandre de Moraes, ministro do STF e presideente do TSE, que relatou a nova resolução, aprovada por unanimidade pela corte eleitoral Imagem: Antonio Augusto/Secom/TSE

O TSE alterou, por unanimidade, a lista das entidades que podem fiscalizar o código-fonte das eleições. Saem as Forças Armadas, para alívios dos respectivos altos comandos, e também o Supremo, que já conta com três dos sete ministros do tribunal eleitoral e é o último recurso, com raras exceções, em questões que dizem respeito também às urnas. Um ente tornou-se, no governo Bolsonaro, fonte de dor de cabeça e instabilidade; o outro já é o desaguadouro de todas as demandas. De saída, é preciso corrigir uma informação: atribui-se a Roberto Barroso, quando presidente da Corte Eleitoral, a responsabilidade por ter metido soldado como fiscal de eleição. Não é verdade. Já chego lá. Antes, aos fatos.

Informa o site oficial:
Por unanimidade, o Plenário do Tribunal Superior Eleitoral aprovou na sessão desta terça-feira (26) uma alteração na Resolução nº 23.673/2021, que atualiza a lista de entidades legitimadas a fiscalizar o processo eleitoral brasileiro. Com as mudanças, o STF e as Forças Armadas deixaram de integrar o rol de instituições autorizadas a acompanhar as fases de auditoria das urnas e dos sistemas eleitorais. O presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, foi o relator da instrução.

Além dessa modificação, os ministros também incluíram o Teste de Integridade com Biometria na norma, que define as regras para a realização dos procedimentos de fiscalização do sistema eletrônico de votação.

Moraes lembrou que, como guardião da Constituição e órgão máximo do Poder Judiciário, cabe ao STF a análise de eventuais ações e recursos propostos contra decisões do TSE. Não havendo, portanto, a necessidade de integrar o rol das entidades fiscalizadoras.

Na sessão de hoje, o relator ressaltou que a participação das Forças Armadas como entidade fiscalizadora não se mostrou necessária e é incompatível com as funções constitucionais da instituição. Ele reforçou, porém, que as eleições só são possíveis graças à parceria da Justiça Eleitoral com as FFAAs, responsáveis pelo transporte das urnas a locais de difícil acesso.

"Os números das Eleições Gerais de 2022 demonstram a indispensável atuação das Forças Armadas junto à Justiça Eleitoral. No segundo turno das eleições, contamos com o apoio logístico em 119 localidades, além da sua atuação em 578 locais, garantindo a realização das eleições em todo território nacional", disse o ministro.


RETOMO
Admite-se, pois, que os militares são fundamentais para fazer a urna chegar a todos os cantos do país. Mas é um despropósito que fiscalizem o processo, ainda que compondo um grupo ampliado.

O que parecia uma boa ideia se tornou fonte constante de desgaste para a Justiça Eleitoral. Quando surgiu no horizonte a chance concreta de "o incumbente", como dizem os especialistas, perder a disputa, ele deu início a uma campanha estúpida nas redes acusando a insegurança do sistema de votação. O golpista desenvolveu a tese de que, sendo ele o comandante das Forças Armadas, o representante das ditas-cujas na comissão haveria de fazer a sua vontade. O resto da história é conhecida.

FOI MESMO BARROSO?
Foi mesmo o Barroso, que está assumindo a Presidência do Supremo, que teve a ideia de ter os uniformizados como fiscais? Não.


Eles já aparecem com essa atribuição no Artigo 5º da Resolução 23.603, Inciso XIII, que é de 12 de dezembro de 2019Transcrevo:
"Art. 5º Para efeito dos procedimentos previstos nesta Resolução, salvo disposição específica, são consideradas entidades fiscalizadoras, legitimadas a participar das etapas do processo de fiscalização:
I - Partidos políticos e coligações;
II - Ordem dos Advogados do Brasil;
III - Ministério Público;
IV - Congresso Nacional;
V - Supremo Tribunal Federal;
VI - Controladoria-Geral da União;
VII - Polícia Federal;
VIII - Sociedade Brasileira de Computação;
IX - Conselho Federal de Engenharia e Agronomia;
X - Conselho Nacional de Justiça;
XI - Conselho Nacional do Ministério Público;
XII - Tribunal de Contas da União;
XIII - Forças Armadas;
XIV - Entidades privadas brasileiras, sem fins lucrativos, com notória atuação em fiscalização e transparência da gestão pública, credenciadas junto ao Tribunal Superior Eleitoral; e
XV - Departamentos de tecnologia da informação de universidades credenciadas junto ao Tribunal Superior Eleitoral."

Aconteceu que, nessa data, a presidente da Casa era Rosa Weber, que exerceu a função entre 14 de agosto de 2018 e 25 de maio de 2020. O ministro assumiu o posto em seguida, até 22 de fevereiro de 2022. E de onde vem a confusão?

OUTRA RESOLUÇÃO
A resolução existia, estava em vigor, e era preciso colocá-la em prática. Observem que, quando se aprovou o texto no mandato de Rosa, o pleito de 2018 já havia acontecido.

No dia 14 de dezembro de 2021, já no mandato de Barroso, veio à luz uma nova resolução, a 23.673, que atualizava a anterior. O Artigo 5º daquela virou o Artigo 6º desta, com um Inciso a mais. Transcrevo de novo:
Art. 6º Para efeito dos procedimentos previstos nesta Resolução, salvo disposição específica, são consideradas entidades fiscalizadoras, legitimadas a participar das etapas do processo de fiscalização:
I - partidos políticos, federações e coligações;
II - Ordem dos Advogados do Brasil;
III - Ministério Público;
IV - Congresso Nacional;
V - Supremo Tribunal Federal;
VI - Controladoria-Geral da União;
VII - Polícia Federal;
VIII - Sociedade Brasileira de Computação;
IX - Conselho Federal de Engenharia e Agronomia;
X - Conselho Nacional de Justiça;
XI - Conselho Nacional do Ministério Público;
XII - Tribunal de Contas da União;
XIII - Forças Armadas;
XIV - Confederação Nacional da Indústria, demais integrantes do Sistema Indústria e entidades corporativas pertencentes ao Sistema S;
XV - entidades privadas brasileiras, sem fins lucrativos, com notória atuação em fiscalização e transparência da gestão pública, credenciadas junto ao TSE; e
XVI - departamentos de tecnologia da informação de universidades credenciadas junto ao TSE.

Se cotejarem, a única diferença está neste acréscimo, que aparece como Inciso XIV: "Confederação Nacional da Indústria, demais integrantes do Sistema Indústria e entidades corporativas pertencentes ao Sistema S".

Barroso não tentou, como dizem por aí, "fazer média" com os fardados, chamando-os para integrar a lista de entes de fiscalização. Também não foi uma tentativa desastrada de cooptação. Cumpriu a resolução. "Está culpando Rosa?" Não estou culpando ninguém. Apenas informo como as coisas se deram e forneço os links para que verifiquem os documentos originais.


FOI UMA BOA IDEIA?
"Foi uma boa ideia incluir as Forças Armadas na lista? Foi péssima. Note-se, no entanto, que todas as pessoas envolvidas nessa decisão atuaram de boa-fé. Como havia em certos setores, geralmente ligados à direita e à extrema-direita, uma certa desconfiança sobre a segurança do sistema e como esses nichos costumam confiar nas Forças Armadas, pareceu lógico que fossem chamadas justamente para atestar a higidez e a segurança do modelo.

Acontece que inexistem ciência, fato ou evidência (ou a falta dela) que resistam à má-fé e ao pânico de quem se vê como derrotado e é incapaz de conviver com o contraditório.

No dia 11 de julho do ano passado, conversando com a sua turma no tal cercadinho, o então presidente da República expressou o seu entendimento sobre a participação dos militares:
"O TSE convidou as Forças Armadas para participar de uma Comissão de Transparência Eleitoral, mas acho que eles não entenderam?não sabiam, que o chefe supremo das Forças sou eu. Eu determinei que se fizesse o processo que deveria ser feito no TSE. Nós apresentamos as sugestões, mas o TSE. na pessoa do [Edson] Fachin, era do [Roberto] Barroso antes, não aceita que nosso pessoal técnico converse com os técnicos deles. Ontem o Fachin disse que não tem mais conversa. Acho que ele já se intitulou o ditador. Quem age dessa maneira não tem qualquer compromisso com a democracia."

Vale dizer: o arruaceiro queria fazer do militar da comissão instrumento para abalroar a eleição. E agora já sabemos que as "graves questões" apontando supostas vulnerabilidades eram só um roteiro que tinha sido escrito por Walter Delgatti. Cumpre notar que todos os outros entes, inclusive os técnicos, não viram irregularidade nenhuma. Na norma atualizada, eles permanecem aptos para a fiscalização.

DECISÃO HOSTIL?
As Forças Armadas reagiram mal à mudança? Ao contrário, A sensação é de alívio. Queriam tirar esse encargo dos ombros. Os que entendem do riscado, e os há, sempre souberam que não havia nem sinal de fraude. Bolsonaro, no entanto, malbaratava a disciplina: "Vocês são meus subordinados e representam as Forças das quais sou a 'autoridade suprema', como está na Constituição. Tratem de fazer o que eu mando!" Confundiu uma comissão de fiscalização, que tem de ser livre, com um quartel.

Bem, essa fonte de perturbação acabou. Ao menos essa. Os militares não tentarão ensinar o TSE a fazer eleição, e este, por seu turno, promete não se meter em exercícios militares. Parece justo.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.


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