Defesa de Cid alude a Código Penal Militar; ocorre que caso tramita no STF


Reinaldo Azevedo
Colunista do UOL
Tique-taque, tique-taque, tique-taque... Tá chegando a hora
Tique-taque, tique-taque, tique-taque... Tá chegando a hora Imagem: Reprodução

Pode até ser que na, digamos assim, "estruturação do grupo bolsonarista" — ocorre-lhes outro nome, certo? — Mauro Cid fosse um "empreendedor individual", que atuava sem o conhecimento do chefe... Mas, convenham, dados estilo e natureza de Jair Bolsonaro, é difícil de acreditar. Há a conhecida fidelidade do militar ao superior, que pode estar trincando, e os vínculos familiares. Até o Cid pai — general da reserva Mauro César Lourena Cid — entrou na dança, que rima com lambança. A defesa do tenente-coronel está a nos dizer: "Ele só cumpria ordens". Vá lá... Ocorre que ele não está sendo julgado por crimes militares. Ainda volto ao ponto.

MAIS DINHEIRO
Estão de posse da CPI dados que apontam que, entre 2020 e 2022, Mauro Cid movimentou a fabulosa quantia de R$ 8,4 milhões: entraram em suas contas R$ 4,5 milhões, e saíram R$ 3,8 milhões, informa reportagem do Estadão. Atenção! Esses valores não se confundem com os R$ 2,3 milhões que ele operou, no período, como procurador de Bolsonaro: créditos de R$ 1,1 milhão e débitos de R$ 1,2 milhão.

A quebra de sigilo revelou ainda que, só entre maio e agosto de 2022, na reta final da eleição, o chefe da Ajudância recebeu R$ 1,2 milhão em suas contas. Nos três anos em que foram depositados aqueles R$ 4,5 milhões, ele teve rendimentos tributáveis de R$ 318 mil ao ano.

O departamento que Mauro Cid chefiava era mesmo um caso a desafiar os sábios. Como já havia informado o G1, as respectivas contas de subordinados de Cid também eram um portento. Nesse caso, o período considerado vai de janeiro de 2022 a maio deste ano. Vejam as movimentações consideradas atípicas pelo Coaf (Conselho de Controle de Atividade Financeira). Abaixo do nome e valor movimentado em menos de um ano meio, vai o rendimento mensal de cada um:
- Luis Marcos dos Reis: R$ 3.341.779

R$ 13.346,79 + R$ 10.710,94 (de um cargo comissionado);

- Luiz Antonio Gonçalves de Oliveira: R$ 582.666;
R$ 4.563,58;

- Osmar Crivelatti: R$ 508.224;
R$ 18.625,64;

- Jairo Moreira da Silva: R$ 453.295;
R$ 11.179,87;

- Adriano Alves Teperino: R$ 268.031
R$ 15.191,19

O próprio Cid, para lembrar, recebia R$ 21.319,53. Será que essa dinheirama toda seria destinada a arcar com o custo das viagens de Bolsonaro e assessores? Não. Para isso, existe o cartão corporativo.


NOVO ADVOGADO E CÓDIGO PENAL MILITAR
Cid está com um novo advogado: o criminalista Cezar Roberto Bittencourt. Bernardo Fenelon deixou a causa depois da Operação "Lucas 12:2", que pôs seu então cliente no centro de uma traficância para a venda ilegal de joias que pertenciam ao país. Papel de defensor é defender. E a nós cumpre tentar entender o caminho escolhido.

Bittencourt sustenta que seu cliente está sendo injustiçado porque, sendo ele um militar, cumpre mesmo as "ordens ilegais e injustas" em razão da "obediência hierárquica".

Bem, de saída, destaque-se que o doutor está a nos dizer, sem meias-palavras, que todos os atos de Cid no exercício de sua função foram determinações de seu chefe: Jair Bolsonaro.

Em entrevista à GloboNews, o advogado afirmou:
"Essa obediência hierárquica para um militar é muito séria e muito grave. Exatamente essa obediência a um superior militar é o que há de afastar a culpabilidade dele. Ordem ilegal, militar cumpre também. Ordem injusta, cumpre. Acho que não pode cumprir é ordem criminosa".

Ele está evocando, mesmo sem citar, o Artigo 38 do Código Penal Militar, a saber:
Art. 38. Não é culpado quem comete o crime:
Coação irresistível
a) sob coação irresistível ou que lhe suprima a faculdade de agir segundo a própria vontade;
Obediência hierárquica
b) em estrita obediência a ordem direta de superior hierárquico, em matéria de serviços.
§ 1° Responde pelo crime o autor da coação ou da ordem.
§ 2° Se a ordem do superior tem por objeto a prática de ato 
manifestamente criminoso, ou há excesso nos atos ou na forma da execução, é punível também o inferior.

Atentem para a expressão "manifestamente criminoso". Parece mesmo ser esta a escolha do defensor:
- Cid cumpria ordens;
- não tinha consciência de que os atos pudessem ser criminosos.


Só que há um "porém". Isso vale para crimes militares — e, por isso mesmo, tal artigo está no Código Penal Militar. Cid está sendo investigado por crimes comuns, e o foro é o Supremo Tribunal Federal, não o Superior Tribunal Militar. Assim, não lhe cabe a licença de alegar ignorância da lei. Mais: na condição de um servidor público, só pode fazer o que tem estrita determinação legal. Caso tivesse se negado a cumprir uma ordem ilegal do então presidente, poderia até ter sido demitido da função, mas não punido pelo Exército.

Há mais: trechos que vieram a público de diálogos mantidos por Mauro Cid com terceiros evidenciam uma pessoa articulada, com plena consciência do que fazia, além de ideologicamente engajada. Isso, por si, não é crime, mas parece excluir a hipótese de alguém que aja sob coação ou que ignore que a subtração de um bem público por servidor tem nome: "peculato". No caso da fraude dos registros de vacina, envolveu a própria família.

WASSEF
Ontem à noite, o advogado Frederik Wassef foi surpreendido pela Polícia Federal num restaurante, em São Paulo, ainda em desdobramento da Operação "Lucas 12:2". Quando se realizou o mandado de busca e apreensão, ele não foi encontrado, e a PF não havia conseguido ainda apreender o seu celular, o que fez nesta quarta.

Sei lá se este senhor padece da "Síndrome do Holofote" ou se o desejo de servir a Bolsonaro lhe paralisou o juízo. Isso é lá com ele. No domingo, divulgou uma nota indignada negando que tivesse qualquer vínculo com a recompra do tal Rolex. Sabia, àquela altura — e todos sabíamos — que as evidências em contrário já estavam com a PF.

Nesta quarta, admitiu que comprou, sim, o dito-cujo, mas ter agido por conta própria, com o seu dinheiro. Bolsonaro, segundo afirmou, não sabia de nada. Como se nota, Cid apela à obediência devida, e Wassef, à servidão voluntária. Tenho a impressão de que os dois estão encalacrados.

Talvez devessem ler a Lei 12.850, que tem a seguinte rubrica: "Define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal". Ela dispõe largamente sobre a delação premiada. Mas as pessoas são livres, é certo, para escolher a "fidelidade castigada". Não será o Código Penal Militar a livrar a cara de Mauro Cid no Supremo. Veste-se toga por ali, não uniforme.


Tique-taque, tique-taque, tique-taque...

Opinião

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