'É preciso um trabalho de educação no Brasil para se perceber que o melhor jeito de ser feliz é a justiça social', avalia o colunista Miguel Paiva

 

O tal camelo no buraco da agulha - Miguel Paiva


(Foto: Miguel Paiva)

Havia uma piada nos meus tempos de adolescente que contava de um sheik árabe, magnata do petróleo que sendo informado que um décimo de sua fortuna diária se usada para a fome no mundo resolveria o problema. Após ser informado disso, ele refletiu e lascou: “Não estou interessado”. Não havia ainda nenhum preconceito por ser árabe e sim por ser rico, muito rico.


Hoje a situação permanece. Os ricos parecem que são venerados e protegidos por todos, quase todos. Quem quer taxar as grandes fortunas é olhado de modo esquisito. As diferenças sociais só crescem, mas ai de você se quiser tocar nos ricos. Aos olhos do povo os ricos têm uma áurea de talento, esperteza e benção divina. Os pobres são os maiores defensores dos ricos. Não roubar é o mandamento mais temido e a propriedade privada um dogma indiscutível.

Os ricos podem até não entrar no reino dos céus como disse Jesus na parábola do buraco da agulha porque, no fundo eles nem precisam. Estão no reino dos céus aqui mesmo na terra. Também na minha adolescência, nas primeiras lições de marxismo ouvia que toda riqueza significava alguma pobreza. Para alguém ser rico muitos precisavam ser pobres. Continua sendo verdade apesar das condições sociais terem mudado, a duras penas. Sindicatos que tanto fizeram para isso foram praticamente extintos. Impostos tentaram ajustar as diferenças mesmo que só um pouco, mas assim mesmo a distância ainda é muito grande. 


Os países europeus que chegaram a um padrão de desenvolvimento social grande passaram por transformações que tentaram equilibrar as diferenças. A previdência, as condições de trabalho, os salários e sobretudo os impostos. Rico paga mais porque tem mais. Me parece elementar. Mas aqui não é assim. Rico não paga imposto e o Congresso, apesar de pouco admirado pelo povo pesquisado pelo Datafolha, dá a maior força para isso. Repito que falar de taxar grandes fortunas é pecado mortal. Parece que lá no fundo todo mundo, mesmo pobre, acha que um dia pode virar rico e aí vai sobrar pra ele quando chega a hora dele. É a total falta de consciência política e de coletividade. 

Estive agora nas praias do litoral norte de São Paulo, terra dos ricos que apesar disso viu sua população mais pobre sofrer com as chuvas do verão passado. Entre as grandes mansões de frente para o mar dentro dos condomínios protegidos estreitas servidões levam as pessoas mais simples até a praia. Direito sagrado, mas que essa gente quer acabar. Me disseram que havia um projeto que implantaria uma ciclovia de um lado da estrada e do outro continuaria sendo proibido estacionar. Parece piada, mas acho que não é. Eles tentam de tudo para que as pessoas não possam acessar as praias. E olha que foram contra as ciclovias que Haddad mandou construir na capital. Muda o interesse, mudam as escolhas. Claro que um projeto assim não passa, mas eles tentam. Tentaram por um pouco de tempo limitar o acesso do povo às praias de fronte a um resort no Nordeste. Não deu. Assim seria demais, mas é pouco. 


O mundo continua sendo o reino dos céus para os ricos e fazendo um paralelo com o sheik árabe, a taxação das grandes fortunas seria um mínimo diante do que eles ganham. E ganham aqui no Brasil. Para mudar a posição dos ricos é preciso, além dos impostos, um trabalho de educação na população para se perceber que o melhor jeito de ser feliz e facilitar o acesso a essa felicidade para todos é a justiça social. Melhor se juntar ao seu vizinho do que pisar nele para subir na vida.

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