O STF e os réus da tentativa de golpe: julgamento ou revanche?


Wálter Maierovitch
Colunista do UOL
Os ministros Alexandre de Moraes e Roberto Barroso durante a sessão plenária do STF que julgou primeiros réus do 8/1
Os ministros Alexandre de Moraes e Roberto Barroso durante a sessão plenária do STF que julgou primeiros réus do 8/1 Imagem: Rosinei Coutinho/SCO/STF

Sem hipocrisias. 

No 8 de janeiro tivemos uma tentativa de planejado golpe de matriz trumpista. 

Nenhuma originalidade no plano, só adaptações tupiniquins. O assalto ao Capitólio foi imitado pelos bolsonaristas.

A macaquice bolsonarista contou com o fundamental apoio castrense. Os permitidos e protegidos acampamentos instalados nas portas de quartéis do Exército nacional representaram, como mostra a prova obtida pela Polícia judiciária federal em inquérito, fundamentais pontos de apoios aos golpistas, com arregimentações de militantes fanatizados pelas redes sociais bolsonaristas.

E também pelos discursos de Jair Bolsonaro e pelo gabinete do ódio, noticiado como tendo sido gerido pelo filho Carlos Bolsonaro, vereador no Rio de Janeiro que esteve instalado no Palácio do Planalto.

A formada 'infantaria golpista' recebeu ordens para as invasões, com liberdade para danificar os bens públicos tomados de assalto. Segundo a prova, muitos dos transportados a Brasília tomaram refeições e armazenaram energia física no acampamento em funcionamento na porta do QG (quartel general do Exército).

Um dos condenados informou sobre ônibus pinga-pinga. Mencionou um que saiu de Penápolis (SP), com paradas em várias cidades até a chegada a São José do Rio Preto (SP), onde havia um acampamento defronte ao quartel do Exército. Nesse acampamento os arregimentados eram alimentados, orientados e descansavam para a viagem a Brasília.

Todas as barracas ficavam dentro de áreas consideradas, por força de lei especial, de segurança nacional. Nem o comandante do QG do Exército deu o exemplo, por meio de ordem, para a desocupação imediata das áreas proibidas.


Muitos dos militares comandantes de quartéis sustentaram — dois deles em declarações à imprensa — tratarem-se de manifestações garantidas pela Constituição: falaram em liberdade de expressão e de reunião.

Só míopes e medrosos sustentam não haver ocorrido apoio de militares do Exército — nenhum deles denunciado pela Procuradoria-geral da República, comandada por Augusto Aras.

Dois objetivos foram perseguidos na tentativa de golpe e estão bem descritos nas denúncias julgadas pelo STF. Essas metas estão tipificadas na legislação que substituiu a Lei de Segurança Nacional, acomodada no nosso Código Penal. São dois os tipos fundamentais: (1) abolição do Estado democrático para impedir o exercício dos Poderes estabelecidos na Constituição; (2) deposição do governo legitimamente eleito, ou seja, lograr um golpe de Estado.


Dispensável rememorar o golpismo de Bolsonaro, no curso do seu mandato presidencial. Seu sonho de se tornar autocrata aparece nas suas diárias manifestações, até no "cercadinho".

Os manuais de direito penal e de criminologia forense recomendam, diante de uma situação contextualizada, não deixar de se apurar a responsabilidade criminal da pessoa beneficiada com as condutas criminosas.

O ministro Gilmar Mendes, no primeiro julgamento, frisou não se poder perder de vista o contexto. Mas o contexto passou despercebido por Augusto Aras, e Jair Bolsonaro ainda não foi denunciado, ou melhor, ainda não foi proposta a ação penal.

A hipocrisia suprema

Alguns fanáticos da 'infantaria golpista bolsonarista' foram presos em flagrante e três deles levados a julgamento pelo STF na quinta-feira (13), com advogados provocadores a confundir ampla defesa com permissão, por fatos estranhos às acusações, para ofender a Corte excelsa e alguns ministros.

Os da 'infantaria golpista bolsonarista', que no popular são os "bagrinhos", receberam denúncias e processos criminais. Militares, nem pensar, até o momento.


Até agora, nem poderosos e nem potentes foram indiciados, denunciados e processados.

Para ficar claro e como ensina a doutrina penal italiana, poderosos são órgãos de poder, como, por exemplo, deputados, senadores, governadores, prefeitos, juízes etc. Potentes são os detentores de respeitáveis reservas financeiras e influências.

Mais ainda. Nem militares, nem poderosos e potentes tiveram prisões preventivas ou temporárias impostas. Muitos "bagrinhos" tiveram a prisão em flagrante transformada em prisão preventiva.

Mais uma vez, a Justiça brasileira demonstra ser coisa de ricos e poderosos, com raras exceções. Atenção: não se está a sustentar a impunidade para os da infantaria golpista bolsonarista.

Da Constituição consta o princípio republicano da igualdade. Uma radiografia mostra o contrário: cárceres lotados de ladrões e pequenos traficantes. Os envolvidos na delinquência financeira, lavagem de dinheiro e corrupção não sofrem os rigores penais. Por exemplo, nem se cogita a prisão cautelar dos donos das Lojas Americanas.

E temos até o ministro Dias Tóffoli a extrapolar o pedido formulado e anular prova-provada de corrução. E a salvar até a Odebrecht, uma organização criminosa, com estabilidade e permanência, cujo antigo chefão, Marcelo Odebrecht, disse ser Tóffoli "o amigo do amigo do meu pai".


Até o notório tucano Paulo Preto, engenheiro responsável pelas obras do apelidado "Roubo Anel Viário" de São Paulo, beneficiou-se, pelo efeito cascata, com a decisão de Tóffoli.

Por outro lado, Aécio Lúcio Costa Pereira, o primeiro condenado pelo golpismo de 8 de janeiro, recebeu, já preso, a pesadíssima pena de 17 anos, exageradamente individualizada, pois era réu primário e sem antecedentes criminais.

Como sabem bem os aprovados em concurso público de ingresso à Magistratura, o jurista Francisco Campos escreveu, quando ministro da Justiça da ditadura Vargas, não ser o processo criminal lugar para se "espiolhar nugas", ou seja, catar quinquilharias para o fim de se anular provas. Tóffoli não foi apresentado ao escrito por Francisco Campos.

Na exposição de motivos do Código de Processo Penal, escreveu Francisco Campos, apelidado de Chico Ciência, sobre o projeto transformado em Código de Processo Penal: "O projeto não deixa respiradouro para o frívolo curialismo que se compraz em espiolhar nulidades".

A contabilidade informatizada mantida pela Odebrecht com relação àqueles que a empresa corrompia com propinas foi dada como imprestável por Tóffoli, que condenou o golpista Aécio à pena de 17 anos de encarceramento.

A reprovável conduta dos três condenados acabou valendo para o STF mostrar músculos. Vista como decisão exemplar, com conteúdo de alerta aos futuros golpistas, tem a marca de sempre: a intimidação aos "bagrinhos", no caso, aos colocados na linha de frente do golpe.

Hipocrisia e fancaria

No direito penal moderno, o regime fechado deve ser reservado aos criminosos perigosos. Socialmente perigosos são os financiadores e planejadores dos atentados contra a democracia e o Estado de direito. O beneficiário e autocrata a ser ungido pelo golpismo, como regra um populista, é o mais perigoso.

O risco de momento é a Justiça brasileira contentar-se com os "bagrinhos". Mantê-los em regime fechado para servirem de exemplo. A propósito e constitucionalmente, não temos no Brasil, felizmente, pena de morte ou perpétua. Claro está, à luz da Constituição, ter a pena a finalidade ética de ressocialização e de emenda.

Os cárceres brasileiros não emendam. Os golpistas condenados frequentarão, até os primários e de bons antecedentes, o inferno das penitenciárias que não irão educá-los à legalidade democrática. Para eles, as penas terão apenas o efeito de punição.

Quando se fala em cárcere, a maioria está sob controle de associações delinquenciais, como PCC, Comando Vermelho etc.

Na nossa lei penal, apenas se considera uma associação delinquencial, armada ou não, quando possui estabilidade. Também precisa ser permanente e atuar com habitualidade. Vamos pensar no PCC, a tútulo de exemplo.


Nos três casos julgados nesta semana pelo STF, os crimes de atentado ao Estado democrático e de golpe de Estado estavam provados de forma induvidosa. Idem os danos ao patrimônio comum e ao tombado da União.

O reconhecimento de associação delinquencial, no entanto, foi incorreto. Os golpistas juntaram-se para tentar dar golpe de Estado e para tentar abolir o Estado democrático. Não agiram para dar vida a uma associação estável e permanente. Era um grupo manejado por cordéis, cujos operadores, poderosos e potentes, permanecem ocultos e impunes.

Com as merecidas condenações de três integrantes da infantaria golpista, a Justiça brasileira, pelo STF, assume a cara de não dar tratamento igualitário. Dá aparência de punição a golpistas com penas exageradas, mal individualizadas, mas, na verdade, usa "bagrinhos". Gente que só serve para dar aparência de se fazer justiça.

Na individualização trifásica e quando das chamadas circunstâncias judiciais (exame da culpabilidade, conduta social, personalidade, circunstancias e consequências), a jurisprudência dá particular peso à primariedade, aos bons antecedentes.

No caso da individualização dos três golpistas, não se passou da primeira fase. E não se deu o devido peso à primariedade.

Num pano rápido, foi a dosimetria chamada jocosamente de "pau nos réus". Não houve revanche, pois crimes graves foram consumados. Nada de revanche, mas penas exageradas e tipo penal mal aceito.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.


OLHAR APURADO

Uma curadoria diária com as opiniões dos colunistas do UOL sobre os principais assuntos do noticiário. https://noticias.uol.com.br/colunas/walter-maierovitch/2023/09/17/stf-julgamento-ou-revanche.htm

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