Pacificar o Brasil passa pela punição dos que atacaram a democracia
Ricardo Noblat

Há dois anos e quase sete meses, o mundo assistiu, estarrecido, ao vivo e a cores como se dizia antigamente, a invasão do prédio do Congresso dos Estados Unidos, incentivada pelo então presidente republicano Donald Trump, derrotado pelo democrata Joe Biden.
Fazia muito frio em Washington naquele 6 de janeiro de 2021.
Os católicos celebravam o Dia de Reis, data em que, segundo a tradição cristã, os Três Reis Magos visitaram o recém-nascido Jesus de Nazaré.
Trump disse que a eleição lhe fora roubada.
Dali a 14 dias. Biden, o segundo presidente católico do país (o primeiro foi John Kennedy), tomaria posse, e era isso que Trump e seus seguidores brancos da extrema-direita queriam impedir.
Fracassaram. Nem por isso a democracia por lá está segura.
O país de 2021 quase rachado ao meio está da mesma forma.
E Trump, apesar de responder na justiça a 37 acusações por sete crimes, é o nome dos republicanos com mais chances de disputar as eleições presidenciais do próximo ano, outra vez contra Biden.
O governo Biden está perto do fim sem que ele tenha conseguido pacificar os Estados Unidos.
Tentou e continua tentando, mas não depende só dele.
O país segue aos pedaços, sem dar sinais de paz. E pela lei, Trump poderá ser eleito e governar mesmo preso.
Aqui, Bolsonaro ficou inelegível até 2030.
O prazo poderá se estender se for condenado em mais um dos 15 processos que ainda responde.
É provável que seja. Não é que acabe preso. Mesmo depostos, Fernando Collor de Mello e Dilma não foram presos.
Michel Temer foi por poucos dias. Lula, por 580 dias.
Prender Bolsonaro por alguns meses ou mais de um ano seria transformá-lo em mártir da extrema-direita, e de parte da direita que, por vergonha do que de fato é, apresenta-se como direita civilizada.
O golpe do 8 de janeiro, em breve, completará sete meses, apenas.
Ainda não foi desvendado de todo. Demorará a ser.
Nos Estados Unidos, alguns golpistas foram condenados e presos, mas restam muitos a ser julgados.
Aqui, restam quase todos.
O ideal de pacificação do país deve ser perseguido como ideal, mesmo contra todas as evidências de que não será alcançado tão cedo – se é que um dia será.
A extrema-direita avança em quase todas as partes do mundo, especialmente na Europa.
Na Espanha, o Partido Popular, de direita, tem tudo para vencer a eleição deste domingo, mas para que governe vai depender do Vox, partido da extrema-direita.
Os dois, juntos, já governam regiões autônomas da Espanha onde a liberdade está sendo minada.
É irrealista cobrar de Lula que suavize ou mude seu discurso sobre o perigo que a democracia correu nos últimos quatro anos e, especialmente, no 8 de janeiro; e da justiça, que encerre logo os inquéritos abertos para apurar e punir os golpistas.
A justiça é lenta, como se sabe, mas sempre foi assim. Não é necessariamente ruim que seja. Uma justiça apressada produz muitas vítimas inocentes.
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