Lula resgata Maduro, mas cobra democracia; brasileiro exagera na saudação

 

Reinaldo Azevedo - 

Colunista do UOL

29/05/2023 18h13

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, não veio ao Brasil num evento isolado. Está aqui no âmbito da Cúpula Sul-Americana. Acabou a patacoada Juan Guaidó, que presidente nunca foi porque eleito por ninguém. A própria direita venezuelana, que também não chega a ser exatamente iluminada se desentendeu. O Brasil não é bedel do continente e não tem de escolher o regime dos demais países para estabelecer ou não relação com eles. Os bolsonaristas estão babando em razão da presença de Maduro no Brasil. É, obviamente, hipocrisia. Uma pergunta basta para desmoralizar esses caras: só gostam de ditadores que presenteiam com diamantes os candidatos a tiranos?

Assim, não há nada de errado com a presença de Maduro no Brasil. 

Os EUA, por exemplo, autorizaram a Chevron a explorar petróleo no país e a importar óleo e derivados. As conversações entre o governo e a oposição foram retomadas.

Lula acerta ao retomar relações com o país vizinho. 

Mas o excesso de afagos é um erro e uma imprudência. A razão é simples: no discurso, ele empresta o seu prestígio a um dirigente que ainda é um ditador. Querem um exemplo? 

Ao passar a palavra ao dirigente venezuelano, o brasileiro o convidou a falar à imprensa livre "do Brasil e do seu país". De fato, a imprensa é livre aqui, mas não é livre lá. 

Enquanto a oposição a Maduro não puder se organizar livremente, o sucessor de Chávez não pode ser tratado como se fosse um democrata.

O líder petista é bem mais astuto do que muitos supõem. 

Quando convida o visitante a falar à imprensa livre, ele lembra o jogo que se joga aqui e convida o outro a fazer o mesmo. Mas ainda se está muito distante desse padrão.

Na resposta a uma jornalista de seu país, Maduro afirmou:
"Não podemos deixar que as ideologias intolerantes se imponham: as ideologias extremistas, excludentes: ou você pensa como eu ou você vai embora daqui. (...) E, sobre essa base, nós jamais poderemos construir uma união necessária frente à diversidade na nossa América. O sonho libertador de Simón Bolívar e de outros libertadores, que era fazer com que nossa grande América se torne um grande corpo político que participe da construção de um grande corpo político".

Pois é...

É preciso que Maduro concorde com a diversidade em sua própria pátria, não é mesmo?

Insisto: essa é uma questão que deve ser resolvida pelos venezuelanos. Mas não é aceitável que um governante intolerante, truculento, que esmagou a pluralidade, fale como se fosse um exemplo de democrata.

LULA E A AMBIGUIDADE
Lula afirmou, num dado momento, que as reações negativas à Venezuela decorrem de "narrativas". Detesto essa palavra porque muito empregada pela direita para negar obviedades. 

Querem um exemplo? Os bolsonaristas dizem não passar de uma mera "narrativa" a tentativa de seu chefe político dar um golpe? E o 8 de janeiro? Eles tentam construir a "narrativa" de que foi uma tramoia engendrada pelo PT.

A ditadura venezuelana não é uma narrativa, mas um fato.

 As pessoas que morreram em protestos contra o regime ou nas cadeias evidenciam que não. Há vídeos inequívocos sobre a atuação de milícias armadas.

Mas, ao mesmo tempo, Lula convida Maduro a mudar de rumo:
"Cabe à Venezuela mostrar a sua narrativa para que possa efetivamente fazer pessoas mudar de opinião (...) Eu vou a lugares em que as pessoas nem sabem onde fica a Venezuela, mas sabem que a Venezuela tem problema de democracia. Então [falando com Maduro], é preciso que você construa a sua narrativa, e eu acho que, por tudo o que nós conversamos, a sua narrativa vai ser infinitamente melhor do que a narrativa que eles têm contado contra você. É efetivamente inexplicável um pais de 900 sanções porque um outro país não gosta dele (...) Então eu acho que está nas suas mãos, companheiro, construir a sua narrativa e virar esse jogo para que a gente possa vencer definitivamente, e a Venezuela voltar a ser um país soberano, onde somente o seu povo, através de votação live, diga quem é que vai governar aquele país".

Uma pessoa atenta notou que Lula disse a Maduro que lhe cabe agir se quer que o vejam de outro modo. 

Se passa a mão na cabeça, alegando que há preconceito e desinformação, também defende a mudança de rumo. Destaque-se a pregação da "votação livre", o que hoje inexiste por lá.

Mas, então, Reinaldo, onde está o erro de Lula?

É claro que ele releva excessivamente o fato de o país vizinho ser ainda uma ditadura e de Maduro, ser, pois, um ditador, que só abriu diálogo com a oposição muito recentemente.

É do interesse do Brasil trazer a Venezuela para o concerto democrático. Penso, no entanto, que se deveria fazê-lo com menos pompa, até para não ficar dando capim ao gado de extrema-direita.

PARA LEMBRAR
Países pensam em seus interesses. Muamar Khadafi, então um ex-terrorista, foi recebido com honras em Paris em 2007 e em Roma em 2010. Em fevereiro de 2009, foi eleito presidente da União Africana. 

Nesse mesmo ano, durante a reunião do G8 na Itália, Obama apertou a mão de Khadafi. Quando começou a revolta contra ele na Líbia, cujo desfecho é conhecido, era considerado um aliado na luta contra o terrorismo.

As narrativas mudam, muitas vezes, porque a história muda. Lula acerta em buscar a integração sul-americana. Faltou comedimento.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL 

https://noticias.uol.com.br/colunas/reinaldo-azevedo/2023/05/29/lula-resgata-maduro-mas-cobra-democracia-brasileiro-exagera-na-saudacao.htm

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