Pacheco dá resposta salomônica e resolve, de fato, dividir criança ao meio

 



Reinaldo Azevedo

Colunista do UOL

05/07/2022 17h26

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) buscou uma solução salomônica

Só que, nesse caso, a criancinha morre ao ser dividida ao meio para contemplar os litigantes. 

Vale dizer: a prevalecer o que foi decidido, não haverá CPI nenhuma. 

A comissão de inquérito de que se trata aqui leva o nome de "parlamentar" — e o Parlamento é uma instância política — justamente porque é um instrumento que tem a minoria contra eventuais abusos perpetrados pela maioria. 

Querer retirar de uma CPI seu caráter político — seja ou não em período eleitoral — é querer, a um só tempo, negar uma prerrogativa do Congresso e da oposição.

Com o apoio do Colégio de Líderes — exceções feitas a MDB, PT e Rede —, Pacheco disse que fará a leitura dos requerimentos de CPIs que estão na sua mesa (já falo a respeito), mas as comissões só começariam a funcionar depois da eleição.

 A leitura pode ser feita nesta quarta.

 Randolfe Rodrigues (Rede-AP), líder da minoria, disse que recorrerá ao STF caso isso não aconteça. 

Vamos ver. 

Uma nota: o oposicionista PDT de Ciro Gomes, também fechou com o governo em favor do adiamento da comissão.

E se Pacheco não ler? Bem, já existe jurisprudência no Supremo a respeito, a exemplo do que se viu com a CPI da Covid. 

O Parágrafo 3º do Artigo 58 da Constituição estabelece apenas três critérios para a instalação da CPI:
- um terço da assinatura da Casa em que se daria a investigação (ou de cada Casa, se mista):
- fato determinado;
- prazo definido.

Não cabe arbitragem ao presidente da Câmara ou do Senado. 

Mas há outro óbice, e parece que é nisto que apostam os governistas: é preciso que os partidos indiquem os membros da comissão. E se não indicarem?

Eis o busílis. 

Em 2005, por nove votos a um — houve uma ausência —, o STF determinou que o presidente do Senado fizesse a indicação dos membros da CPI dos Bingos se os partidos insistissem em não fazer eles próprios as indicações. 

Só Eros Grau votou contra.

 Manifestaram-se a favor da indicação compulsória Marco Aurélio, Ayres Britto, Sepúlveda Pertence, Joaquim Barbosa, Cezar Peluso, Carlos Velloso, Nelson Jobim e Gilmar Mendes — único que integra a atual composição do tribunal.

Assim, em situações distintas, como se vê, no passado, o Supremo atuou para garantir a CPI: no caso da CPI da Covid, determinou a leitura do requerimento para a instalação da comissão; no caso da dos Bingos, há 17 anos, decidiu que, cumpridas as exigências para a instalação, a indicação de membros era obrigatória.

Isso significa que a atual composição do Supremo tomaria a mesma decisão? Não necessariamente.

OUTRAS COMISSÕES
Pacheco decidiu que lerá também o requerimento sobre obras paralisadas do MEC em governos passados -- leia-se: do PT --, o que é uma aberração. 

Não porque o PT não possa ser investigado, mas porque não há fato determinado. 

E há ainda os pedidos para que se investiguem as ONGs que atuam na Amazônia e crime organizado no Norte e no Nordeste.

Vejam que coisa: a Amazônia e o Pantanal ardem em chamas, mas o governo transforma em alvos as ONGs que atuam em defesa do meio ambiente.

 Uma quadrilha de pastores atua no MEC, mas o bolsonarismo quer investigar governos passados

A tal CPI sobre crime organizado no Norte e no Nordeste é um despropósito. 

Área de abrangência: 16 Estados. Nada menos de 63,25% do território brasileiro. É uma piada. 

A atuação do narcotráfico no Vale do Javari, onde Dom Phllips e Bruno Araújo Pereira foram executados, pediria apuração própria.

Pacheco, na prática, decidiu não decidir e largou a batata quente na mão do Supremo caso Randolfe (ou outro senador) resolva recorrer ao tribunal, seja para garantir a leitura do requerimento, seja para que haja a indicação de membros da CPI do MEC.

Quanto às demais "investigações", dizer o quê? Mais uma vez, apele-se à Constituição: ferem a carta porque lhes falta fato determinado — aqueles mesmos que sobram na comissão que tem de investigar Milton Ribeiro, Gilmar Santos e Arilton Moura, entre outros. Os amigos de Jair Bolsonaro

https://noticias.uol.com.br/colunas/reinaldo-azevedo/2022/07/05/pacheco-da-resposta-salomonica-e-resolve-de-fato-dividir-crianca-ao-meio.htm

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