Época Negócios: Em crise, setor imobiliário deve ter recuperação lenta
Nos últimos anos,
as vendas caíram devido à queda da demanda por imóveis. Aliado ao
excesso de lançamentos, o resultado foi redução dos preços. [...] A
situação econômica do país se deteriorou com rapidez a partir de 2015 .
Além do desemprego, inflação alta, juros elevados, e a consequente
perda de poder aquisitivo contribuíram para a paralisação do mercado
imobiliário
Um dos setores afetados fortemente pela crise econômica pela qual passa o
Brasil, o mercado imobiliário ainda deve demorar para se recuperar e a retomada
deve ser longa e lenta. A expectativa, tanto do empresariado quanto da equipe
econômica do governo, é de que o início da recuperação da economia está
próximo. Contudo, no mercado de imóveis, a retomada é sempre mais lenta e
depende de sinais concretos — em especial, do nível de emprego. Nesse cenário
de incerteza, não há consenso entre os economistas sobre como serão os próximos
meses.
Nos últimos anos, as vendas caíram devido à queda da demanda por imóveis.
Aliado ao excesso de lançamentos, o resultado foi redução dos preços. Na região
metropolitana de São Paulo, o valor dos imóveis residenciais novos postos à
venda (VGV) foi de R$ 12,615 bilhões nos 12 meses encerrados em julho deste
ano. Em 2010, o valor, atualizado pelo IPCA, foi de R$ 30,17 bilhões, segundo
cálculos de Alberto Ajzental, professor da Escola de Economia de São Paulo
(FGV/EESP), com base em dados do Secovi-SP (Sindicato da Habitação). “O mercado
caiu para praticamente um terço do que era em 2010,”, diz o professor.
O economista Bruno Oliva, pesquisador da Fundação Instituto de Pesquisas
Econômicas (Fipe), diz que “os sinais são de melhora, mas é um movimento ainda
muito tímido e que deve demorar”. Segundo ele, o principal fator que deve
dificultar uma melhora no setor imobiliário é o mercado de trabalho. O emprego
é um dos principais impulsionadores do setor imobiliário, porque, para alguém
se comprometer com uma dívida de 20 a 30 anos — duração de muitos dos
financiamentos imobiliários —, é preciso ter estabilidade de renda.
A situação econômica do país se deteriorou com rapidez a partir de 2015 .
Além do desemprego, inflação alta, juros elevados, e a consequente perda de
poder aquisitivo contribuíram para a paralisação do mercado imobiliário. A
restrição de crédito também limita a retomada do setor, tanto na oferta quanto
na demanda. Na prática, os juros elevados encarecem a parcela do financiamento
— o que faz muitos consumidores postergarem a decisão de compra. Do lado das
construtoras, aumenta o custo financeiro dos empreendimentos, reduzindo a
margem de lucro em um momento de estagnação de preço. “O mercado imobiliário
demanda muito dinheiro — e por isso depende de crédito tanto para quem produz
quanto para quem compra a unidade”, afirma Alberto Ajzental, da FGV.
“O que temos visto nos últimos meses é o reflexo do que o país vive, com a
questão política afetando a economia e levando à paralisação dos negócios em
praticamente todos os segmentos”, afirma Luiz Fernando Moura, diretor da
Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc). “Agora, a gente
começa a ver uma melhora em alguns indicadores, principalmente na confiança dos
empresários”, diz ele. Moura opina que “no curto prazo, a situação deve começar
a melhorar. Nós já sentimos um aumento de consultas por parte de possíveis
compradores”.
“Em 2017, dificilmente haverá recuperação para o setor imobiliário"
Moura, da Abrainc, lembra, contudo, que apesar do otimismo, todos no
mercado observam com cuidado os movimentos do novo governo do presidente Michel
Temer, que “precisa implementar medidas para que a economia e o mercado
imobiliário voltem a crescer”.
“Toda a indústria que integra o setor imobiliário — concreto, aço,
alumínio, vidro, madeira, cerâmica — parou, e a retomada não deve ocorrer tão
rápido, tão cedo e nem de forma tão acentuada como foi a queda”, diz Ajzental,
da FGV. Ele afirma também que outros setores da economia devem se recuperar
antes do imobiliário. “Em 2017, dificilmente haverá recuperação para o setor
imobiliário. Antes, devemos ver outros setores melhorando. Primeiro,
supermercado. Depois, semidurável ou vestuário, depois automobilístico. Aí será
a vez dos imóveis”.
Oliva, da Fipe, tem uma visão similar: “Ainda não vejo uma recuperação
muito forte para 2017 ou 2018. Vai depender muito de como a economia vai
reagir. O cenário político ainda é incerto, e o econômico mais incerto ainda” e
depende de quanto o governo Temer conseguirá implementar das reformas
propostas.
É hora de comprar?
Este é um ponto polêmico entre os especialistas. De fato, o custo dos
imóveis está em queda. O índice Fipe Zap, que acompanha os preços anunciados,
mostra estabilidade, com uma ligera queda nos últimos 12 meses até
agosto. Considerando a inflação medida pelo IPCA de 8,97% no período, houve, na
prática, uma redução considerável de preços.
Segundo Flavio Amary, presidente do Secovi-SP (Sindicato da Habitação),
não é possível prever quando os preços vão começar a subir. “Para aquela pessoa
que está empregada, tem necessidade habitacional e uma pequena poupança, este é
um excelente momento, porque ainda é possível encontrar ótimas oportunidades no
mercado”, afirma.
Já Ajzental, da FGV, pondera que o cenário ainda não é favorável para
fazer novas dívidas. E lembra que o crédito imobiliário está com juros elevados
no momento. “Não acho saudável ter um super endividamento. O ideal é esperar
para que as condições econômicas se estabilizem”.
Com a expectativa de aumento da demanda, Amary afirma que a tendência é de
que os preços subam. “O setor precisa de um período de tempo longo para a
produção [aumento da oferta], então vai existir, em algum momento, um
descasamento entre oferta e demanda”.
Estoque
“Considerando o número de unidades em estoque e observando a velocidade de
vendas, seria possível abastecer o mercado por mais 12 meses, o que é uma
posição saudável”, afirma Moura, da Abrainc, lembrando que o número chegou a
ser maior, de 16 meses. Segundo o diretor da associação, o próprio mercado se
ajustou à menor demanda, reduzindo o número de lançamentos. Entre janeiro e
julho deste ano, foram lançadas 12.072 unidades na região metropolitana de São
Paulo, segundo o Secovi. Em igual período de 2010, os lançamentos somaram
31.279 unidades.
Bruno Oliva, da Fipe, concorda que o nível está “relativamente saudável” e
afirma que chegar aos 12 meses de estoque indica uma melhora. “Mostra que as
incorporadoras estão assimilando o novo cenário econômico e ajustaram a
produção de acordo com esse cenário”, diz. Preocupante, na visão dele, seria se
as empresas estivessem lançando muitos novos imóveis em um cenário de baixa.
Imóveis comerciais
No segmento de imóveis comerciais, a situação parece ainda mais difícil do
que no caso dos residenciais. Enquanto os preços dos residenciais se mantiveram
praticamente estáveis, os dos imóveis comerciais caíram de forma mais
acentuada. Não são apenas as pessoas físicas que estão sofrendo com a crise, as
empresas também estão sendo bastante afetadas, afirma Ajzental, da FGV. “O
cenário geral não é de investimento, é de retração, de demissão. A última coisa
que as companhias vão fazer agora é ampliar espaço de escritório”, diz ele.
O que está acontecendo na prática é uma redução dos preços dos aluguéis.
“Imagine um imóvel na Faria Lima, onde o aluguel era de R$ 150 por metro
quadrado há três anos. Se a empresa locatária do imóvel fala que vai sair, o
proprietário acaba reduzindo o preço para R$ 90, R$ 80, R$ 70/m²”, afirma o
professor. Isso porque o proprietário entende que não conseguirá encontrar
outro locatário e que é melhor garantir o pagamento do IPTU e do condomínio,
mesmo que recebendo um valor mais baixo.
A queda dos preços nos imóveis comerciais, inclusive, veio antes, afirmou
Oliva. “Os lançamentos de imóveis comerciais seguiam muito de perto o
crescimento do número de pequenas empresas e serviços”, diz. No entanto, os
imóveis são entregues cerca de três anos e meio depois do lançamento. Portanto,
quando esses produtos de fato chegaram ao mercado, a situação da economia
brasileira era outra — de uma demanda muito menor por imóveis comerciais. “Esse
é um problema típico do mercado imobiliário”, afirma o economista.
No segmento comercial, a tendência é de recuperação ainda mais lenta,
afirma Moura. “A ociosidade é maior do que nos imóveis residenciais, e não há
necessidade tão grande”, diz. “No residencial, você tem situações extremas”,
completa, como pessoas que casam e precisam sair do apartamento dos pais, ou
uma família que precisa de um imóvel com mais quartos.
(Época Negócios - Economia - Notícia - 10/10/2016)
http://observadordomercado.blogspot.com.br/