Valor: Distratos e rescisões por atraso nas obras agravam a crise imobiliária
A MRV tem 22.894 processos cíveis, que incluem a discussão de temas como distratos e atraso na entrega de obras. [...] A
PDG tem R$ 479,6 milhões apartados para ações cíveis cuja perda a
empresa considera provável. O volume, equivalente a 64% das vendas
brutas da companhia no primeiro semestre deste ano, é 30,75% superior às
reservas que existiam no fim do ano passado
Um velho problema para as incorporadoras imobiliárias, as desistências da
compra de imóveis na planta - os chamados distratos - ganharam contornos ainda
mais preocupantes para as empresas do setor. Uma avalanche de processos judiciais
movidos por consumidores que buscam ressarcimentos acima do previsto em contratos
tem agravado a situação financeira já frágil das companhias.
"Os resultados das empresas estão sendo muito machucados por decisões
relacionadas a ações de consumidores", diz ,Maria Fernanda Menin T. de
Souza Maia, diretora jurídica da MRV Engenharia. "As incorporadoras têm
dificuldade de tratar contingências por causa da imprevisibilidade."
Pelos cálculos do setor, para cada dois imóveis vendidos pelas
incorporadoras, praticamente um foi devolvido em junho. Um ano atrás, o índice
ia de 30% a 35%. A escalada tem dois motivos. Um deles é o aprofundamento da crise
econômica no bolso do consumidor, que opta pela devolução e, muitas vezes, pela
via judicial. Esses imóveis também foram comprados em um período de crédito
abundante, quando as vendas das incorporadoras estavam em alta. Agora é que essas
obras estão sendo entregues.
Não existem números precisos sobre essas ações, mas alguns dados ilustram
o tamanho do problema. A MRV tem 22.894 processos cíveis, que incluem a
discussão de temas como distratos e atraso na entrega de obras. Se cada ação
corresponder a um imóvel vendido, esse volume é 38% superior ao número de
apartamentos vendidos no primeiro semestre deste ano. Desse total, a empresa
considera que pode perder 5.018 processos, para os quais já reservou em seu
balanço R$ 64,5 milhões.
Para fazer frente às ações que se avolumam, as companhias têm separado
mais recursos. A PDG tem R$ 479,6 milhões apartados para ações cíveis cuja
perda a empresa considera provável. O volume, equivalente a 64% das vendas
brutas da companhia no primeiro semestre deste ano, é 30,75% superior às
reservas que existiam no fim do ano passado. Rossi e Viver também fizeram
reforços de 20,8% e 40%, respectivamente.
"As ações dos consumidores têm peso para todo o mercado, porque
cortam receita de forma importante e geram um passivo enorme", afirma o
advogado Eduardo Takemi Kataoka, sócio do escritório Galdino, Coelho, Mendes
Advogados, que está à frente da recuperação judicial da Viver.
Quando adquire um imóvel, o comprador assina um contrato que já traz a
previsão de reembolso em caso de devolução do apartamento à incorporadora.
Descontentes, porém, com o valor do ressarcimento, muitos consumidores optam
pela via judicial, na tentativa de engordar a cifra devolvida.
Guerra judicial
Segundo Marcelo Tapai, advogado que se especializou no direito imobiliário
do consumidor, os valores de reembolso variam muito, com retenções por parte
das incorporadoras que vão de 20% a 50% do valor pago. "As cláusulas são
abusivas. O que pedimos é uma retenção de, no máximo, 10% a 15%." Em seu
escritório, Tapai cuida de 4.000 ações em São Paulo. Aberto em 2015, o escritório
do Rio tem outros 350 casos.
Para fisgar o comprador que quer devolver o imóvel, a Associação dos Mutuários
de São Paulo e Adjacências (Amspa) criou em seu site um vídeo que explica
didaticamente o que ele pedir na Justiça.
Como é de se esperar, a atuação dessas firmas especializadas nas causas de
consumidores recebe críticas das incorporadoras. Estas, por sua vez, também
consideram os contratos abusivos. Conforme relatos ouvidos pelo Valor, os advogados
têm ido buscar potenciais clientes em visitas a condomínios e canteiros de obra.
Tapai e Amspa negaram esse tipo de ação.
O argumento das incorporadoras contra as decisões judiciais que mudam os
contratos é que as penalizações financeiras servem para que os valores retidos
façam frente às despesas com a obra.
Nos últimos dois anos, diz Maria Fernanda, da MRV, houve crescimento no
número de ações de duas naturezas: distratos e por atrasos da obra. Em
determinado momento, o setor como um todo sofreu com problemas de escassez de
mão de obra e de insumos por causa do excesso de projetos em execução, o que
levou ao não cumprimento dos cronogramas previstos em diferentes projetos.
Distrato entrou no cardápio do investidor
No caso dos distratos, explica o diretor-geral da Alvarez & Marsal,
Luis de Lucio, há o efeito da crise no bolso do consumidor, que deixa de ter
liquidez para honrar o compromisso assumido. Mas a figura do investidor também
está presente nos números relatados pelas incorporadoras. No passado, comprar
imóveis na planta para vendê-los depois da entrega podia gerar ganhos
expressivos. Com a mudança de cenário econômico, a opção pelo distrato entrou
no cardápio do investidor.
Há outros fatores que têm pressionado o caixa das incorporadoras. A venda
de ativos para cobrir passivos financeiros em geral tem ocorrido a preços que
não são adequados. O presidente de uma incorporadora de grande porte afirmou ao
Valor que tem vendido imóveis a preço de custo para fazer frente às dívidas
financeiras. Além disso, empresas que já estão em situação delicada e buscam
renegociar sua dívida não têm conseguido estabelecer bons termos com os bancos.
Para De Lucio, a rescisão deve seguir em alta. "Hoje, o distrato é o
que mais incomoda, mas ele é mais uma consequência da crise."
(Valor Online - Empresas - 05/10/2016)
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