Bolsonaro cria novo modelo de enriquecimento: 'Pixcaretagem'

Josias de Souza 
 Colunista do UOL
Atualizada em
29.jul.2023 - Jair 'invade' evento de Michelle em SC
29.jul.2023 - Jair 'invade' evento de Michelle em SC Imagem: Reprodução/Youtube/PL/29.jul.2023

Estufando o peito como uma segunda barriga, Bolsonaro agradeceu neste sábado os depósitos de R$ 17,2 milhões que recebeu dos seus devotos. "Muito obrigado a todos aqueles que colaboraram comigo no Pix há poucas semanas", disse ele, realçando que "quase um milhão de pessoas colaboraram".

capitão apareceu de surpresa num encontro de mulheres presidido por Michelle Bolsonaro, em Florianópolis. Entre risos, saboreou o resultado da coleta: "Dá para pagar todas as minhas contas e ainda sobra dinheiro para tomar um caldo de cana e comer um pastel com dona Michelle".

Ficou entendido que aquela conversa toda, o patriotismo transbordante, a defesa incondicional da família, a ânsia por liberdade, a entrega altruísta ao bem público, tudo isso é impulsionado pela mesma invariável mola sedutora: o dinheiro.


Os críticos ficam aí falando mal de Bolsonaro. Mas, na verdade, o personagem só merece pena. 

Sofre uma perseguição judiciária implacável. Está certo, dá dinheiro. Dá muito dinheiro. Dá dinheiro demais. E essa é uma de suas misérias, porque se o mito não mantiver a engrenagem política que lhe rende lucros exorbitantes será um fracasso.

Muitos políticos vivem com lucros exagerados. Mas Bolsonaro é prisioneiro do exorbitante. Defensor ardoroso do patriotismo e da instituição familiar, o capitão uniu o inútil ao agradável. Ensinou aos seus garotos, desde o berço, o valor do amor à pátria. Assim que cresceram, os rapazes seguiram o exemplo do pai.

Casaram-se com a pátria e foram morar no déficit público. De rachadinha em rachadinha, os Bolsonaro enriqueceram convertendo o erário numa prótese de suas residências. A inelegibilidade criou uma oportunidade para que o patriarca exercitasse sua criatividade empreendedora.

O histórico de Bolsonaro não combina com o normal. Ele não pode se dar ao luxo da normalidade. É como os portadores de doenças raras, que não podem respirar oxigênio. O mito pertence à categoria dos políticos obrigados a viver dentro de bolhas que os preservem da atmosfera convencional. Ele precisa de um suprimento regular da sua substância vital: a exorbitância.

Todas as multas impostas pelo Judiciário a Bolsonaro por não usar máscara em suas aparições públicas em São Paulo durante a pandemia somam R$ 936.839,70. 

Por enquanto, o infrator não pagou um mísero tostão. Com a conta bancária tisnada pela exorbitância, o beneficiário das doações viu-se submetido ao inconveniente de aplicar o excedente.

Relatório do Coaf informa que os recursos foram abrigados em títulos de Certificado de Depósito Bancário (CDB) e Recibo de Depósito Bancário (RDB), modalidades de investimentos de renda fixa. Submetida à rentabilidade proporcionada pela taxa de juros anual de 13,75% a exorbitância torna-se um pouco mais exorbitante.


A pedido do jornal O Globo, o economista Paulo Henrique Pêgas, professor de Ciências Contábeis do Ibmec-RJ, contabilizou o rendimento líquido do capitão. Descontado o Imposto de Renda, as aplicações renderiam algo como R$ 147 mil mensais — ou mais de R$ 4 mil por dia. Estão assegurados o caldo de cana e os pasteis.

Ás da rachadinha, uma perversão cujo diminutivo atenua a sonoridade de um crime que o Código Penal batiza de peculato, Flávio Bolsonaro realçou a magnitude da rachadona das doações: "Sabe o que assusta?", indagou o primogênito. "O tamanho da vaquinha espontânea feita por milhões de brasileiros ao presidente mais popular do país para ajudá-lo a pagar multas milionárias por estar na linha de frente na pandemia salvando vidas e empregos".

O patriarca, com os botões saltando da camisa, capricha na retórica da vitimização. "Triste é o país em que as autoridades do Judiciário punem os seus cidadãos não pelos seus erros, mas pelas suas virtudes. Me tiraram o direito político, mas isso não nos abala, temos milhares de sementes pelo Brasil e essa nova força que aparece com vontade de vencer é muito grande".

Os advogados Paulo da Cunha Bueno, Daniel Tesser e Fábio Wajngarten divulgaram nota para atestar a legalidade da ração regular que alimenta a bolha em que vive a vítima de perseguição. Criminosa é a divulgação da seiva pegajosa, não o melado. "A ampla publicização nos veículos de imprensa de tais informações consiste em insólita, inaceitável e criminosa violação de sigilo bancário, espécie, da qual é gênero, o direito à intimidade, protegido pela Constituição Federal no capítulo das garantias individuais do cidadão", anotaram os defensores.

A nota prossegue: "Para que não se levantem suspeitas levianas e infundadas sobre a origem dos valores divulgados, a defesa informa que estes são provenientes de milhares de doações efetuadas via Pix por seus apoiadores, tendo, portanto, origem absolutamente lícita".

Seria injusto também chamar de tolos os colaboradores de Bolsonaro. Seus devotos estão apenas realizando um trabalho humanitário. Socorrem um político que, de tanto viver no universo paralelo da bolha, exibe uma incapacidade congênita de lidar com a realidade.


Ao dar a Bolsonaro tudo o que ele pede, os bolsonaristas se comportam como uma mãe que socorre o filho débil. Combinando-se a debilidade crônica do capitão com a generosidade incontida dos seus súditos, criou-se no Brasil um novo modelo de enriquecimento "lícito": a "Pixcaretagem".

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.


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