A república inacabada – O Bastidor
A cerimônia de posse de Alexandre de Moraes como presidente do TSE serviu ao seu propósito: conferir amplo apoio institucional ao sistema eleitoral, em especial às urnas eletrônicas.
Todos os atores políticos relevantes do país estiveram no evento.
Como esperado, Moraes usou seu discurso para marretar o presidente Jair Bolsonaro, que compareceu à posse de cara feia.
(Lula também foi.) O novo presidente do TSE, lembre-se, relata investigações inquisitoriais, sem a devida presença da Procuradoria-Geral da República, acerca de crimes contra a ordem democrática cometidos por bolsonaristas.
O contexto de ameaça golpista, por óbvio, é essencial para entender a razão de existir das palavras duras proferidas pelo ministro.
O novo presidente do TSE, que coordenará a Justiça Eleitoral no pleito mais radicalizado da nova República, falou para ser aplaudido - e aplaudido foi.
Mas as palavras de Moraes, em sua definição estreita e mínima de liberdade de expressão, traem uma visão autoritária sobre um princípio que deveria ser mais valioso num estado democrático de direito. “Liberdade de expressão não é liberdade de agressão” é um slogan vazio. Expressa um tipo de pensamento que, historicamente e em termos práticos, conduz a abusos estatais.
Vale lembrar a distorção institucional vigente, que permite a normalização de inquéritos inquisitoriais, ao arrepio do estado democrático de direito que se diz querer proteger. Não se trata de formalismo. Nosso sistema é acusatório; exige a participação do Ministério Público num processo penal e, não menos importante, a expectativa de um juiz independente e imparcial. Muitos do que aplaudiram sabem disso.
Do ponto de vista institucional, não é fácil lidar com Jair Bolsonaro e seus assaques incessantes contra o estado democrático de direito.
Muito menos lidar com as novas dificuldades da liberdade de expressão na era digital. Não é simples criar tipos penais sem criar, ao mesmo tempo, juízes da verdade.
A história ensina que a questão é mais difícil e complexa do que slogans fazem supor.
A verdadeira defesa de uma democracia substantiva passa por um debate vigoroso acerca da primazia concreta da liberdade de expressão e da centralidade dela num Estado de Direito - da igualdade de todos perante a lei; da observância permanente e indiferente a casuísmos dos princípios que norteiam a vida em sociedade.
Aplausos fáceis não constroem uma República que, como dizia Raymundo Faoro ainda nos tempos da Constituinte de 1988, teima em ser inacabada.