Com pedido de Dino, STF alcança maioria para julgamento sobre Lei da Anistia a crimes permanentes

Com pedido de Dino, STF alcança maioria para julgamento sobre Lei da Anistia a crimes permanentes


Decisão pode levar à revogação ampla da lei que favoreceu militares responsáveis por sequestros e ocultação de cadáveres na ditadura 



Por Alice Andersen
Escrito  BRASIL  12/2/2025 · 07:19 hs

Após o pedido apresentado pelo ministro Flávio Dino, o Supremo Tribunal Federal (STF) vai avaliar a extensão da Lei de Anistia de 1979 para crimes iniciados durante a ditadura militar e que persistem até o presente, como a ocultação de cadáveres. A maioria dos ministros já reconheceu a repercussão geral do tema, indicando a necessidade de debater a questão constitucional envolvida e aplicar a decisão a todos os casos semelhantes no país.

O caso em discussão foi levado ao STF por recurso do Ministério Público Federal, que busca a condenação dos militares Lício Maciel e Sebastião Curió ("Major Curió") pelos crimes de homicídio qualificado e ocultação de cadáver durante a Guerrilha do Araguaia, na ditadura militar. Curió morreu em 2022. 

Flávio Dino argumentou à Corte que a ocultação de cadáveres, privando as famílias do direito ao sepultamento, constitui um crime contínuo e, portanto, não passível de perdão. No dia 15 de dezembro, durante sua argumentação, Dino fez referência ao filme "Ainda Estou Aqui", que retrata o sofrimento da família de Rubens Paiva, assassinado pela ditadura em 1971, com seu corpo ainda desaparecido. 

"O filme tem comovido milhões de brasileiros e estrangeiros. A história do desaparecimento de Rubens Paiva sublinha a dor imprescritível de milhares de famílias que nunca puderam velar e sepultar seus entes queridos", declarou Dino. Até o momento, Luiz Fux, Luís Roberto Barroso, Cármen Lúcia, Alexandre de Moraes e Edson Fachin manifestaram seus votos acompanhando o ministro. A conclusão do julgamento está programada para sexta-feira (14).


Os demais devem depositar seus votos no julgamento virtual. Com base na Lei da Anistia, a denúncia sobre a Guerrilha do Araguaia apresentada em 2015 foi rejeitada. O MPF apelou ao Tribunal Regional no mesmo ano, mas a decisão desfavorável foi mantida. Apenas em 2024, o STF aceitou um Recurso Extraordinário interposto pelo MPF, sob relatoria de Dino.

Com o julgamento, o STF pode, na prática, revogar a anistia concedida aos envolvidos em crimes durante os 21 anos da ditadura militar no Brasil. A Lei da Anistia, sancionada em 1979, extinguiu a punição para crimes políticos e outras infrações cometidas de 1961 a 1979 e beneficiou militares.


Cultura de impunidade nas Forças Armadas
No livro República de Segurança Nacional - militares e política no Brasil (Editora Expressão Popular, Fundação Rosa Luxemburgo, 2022), o pesquisador sobre o pensamento político dos militares brasileiros e a justiça de transição, Rodrigo Lentz, mostra que havia a crença de que a queda da ditadura militar, em 1985, havia colocado um ponto final no envolvimento dos militares com a política brasileira.

Lentz, que é doutor em ciência política pela Universidade de Brasília (UnB) e foi consultor do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e coordenador da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, falou com exclusividade à Fórum, em agosto de 2023, sobre de que forma a Lei da Anistia podia explicar a estratégia em curso para isentar as Forças Armadas do papel também desempenhado durante os atos golpistas de 8 de janeiro.

O cientista político, que integra a Comissão de Anistia do Ministério de Direitos Humanos e Cidadania, comentou que a Lei de Anistia resultou em uma cultura de impunidade nas Forças Armadas. 

"Não há dúvidas que a permanência da interpretação da Lei de Anistia pelo viés da impunidade e da “auto-anistia” produziu uma cultura da impunidade nas Forças Armadas. Isso inclusive se estende aos militares estaduais, nos chamados IPM’s (Inquérito Policial Militar), no Ministério Público (que deveria, mas não exerce controle das polícias) e no judiciário estadual. Essa cultura da impunidade alimenta o mito do “Exército de Caxias” e uma imagem falsa sobre a relação entre democracia e militares. Até hoje, em qualquer organização militar do país, a ditadura de 64 é institucionalmente chamado de marco democrático. Então uma coisa chama a outra", disse o pesquisador.

https://revistaforum.com.br/brasil/2025/2/12/com-pedido-de-dino-stf-alcana-maioria-para-julgamento-sobre-lei-da-anistia-crimes-permanentes-173923.html

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