Anistia é manobra para rescrever a história e preparar vingança


Anistia é manobra para reescrever a história e preparar vingança

Jamil Chade
Colunista do UOL
Explosão no Capitólio durante invasão por apoiadores de Trump, em 6 de janeiro de 2021
Explosão no Capitólio durante invasão por apoiadores de Trump, em 6 de janeiro de 2021 Imagem: REUTERS/Leah Millis

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Em Washington, numa das ruas que conduz para a principal prisão da cidade, um local foi rebatizado. Trata-se do "Freedom Corner", ou Esquina da Liberdade. Ali, a cada noite, os parentes dos manifestantes presos por conta da invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021 fazem uma vigília permanente. Acusam o governo Biden de promover uma perseguição e, por anos, estiveram convencidos de que viviam em uma ditadura.

Na noite que Donald Trump venceu a eleição, em 2024, o Freedom Corner foi tomado por uma festa, com direito à champanhe. As famílias, ali, sabiam que a vitória da extrema direita significava que os prisioneiros seriam perdoados.

De fato, Trump lançou oficialmente sua candidatura para voltar para a Casa Branca num comício que contou com a gravação do hino americano cantado pelos prisioneiros do 6 de Janeiro. O republicano passou a chama-los de "reféns" e rebatizou a data de "o dia do amor".

Nas redes sociais, aquelas pessoas também foram rebatizadas. São, agora, "prisioneiros políticos".

Irrelevante era o fato de que o processo foi o maior já realizado pelo Departamento de Justiça, criado em 1870. Provas, horas de vídeos, apologia à violência e a tentativa de frear a diplomação de uma eleição justa parecem que não importavam. Nem a confissão de centenas de outros envolvidos.


Numa das sentenças, Enrique Tarrio foi condenado a 22 anos de prisão. Ele foi acusado de ter criado o "Ministério da Autodefesa", que conspirou para impedir a certificação da votação e para se opor pela força à autoridade do governo dos Estados Unidos.

Mas quando Trump assumir o governo, em dez dias, ele não vai apenas perdoar os manifestantes. Ele vai promover uma higienização da data e rescrever seu significado.

O que mais me preocupa é que a história não terminará ali. O objetivo do perdão não é o de encerrar o caso e pacificar o país. Ao declarar que não houve crime, os autores dos ataques invertem a história e, de criminosos, passam a ser vítimas de uma suposta injustiça do estado.


Não por acaso, Trump e seus aliados já insinuam que, depois do perdão aos criminosos, processos serão lançados contra personalidades que lideraram as investigações sobre o 6 de Janeiro. Inclusive deputados.

A anistia é apenas o primeiro passo para que, depois, uma revanche seja conduzida. A vingança contra quem fez uma ofensiva para defender a democracia.

Trump explicou isso em sua campanha. Ele ameaçou usar o governo federal, inclusive as forças armadas, para perseguir quem ele chamou de "inimigos internos". E ameaçou repetidamente com "sentenças de prisão de longo prazo" para aqueles "envolvidos em comportamento inescrupuloso", incluindo agentes políticos, doadores e autoridades eleitas.

Nos EUA ou no Brasil, a busca por anistia para golpistas não é um ato humanitário. Mas uma estratégia para reescrever a história com o objetivo de apagar crimes e, assim, consolidar o poder.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL 

https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2025/01/12/anistia-e-manobra-para-rescrever-a-historia-e-preparar-vinganca.htm

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