"Coisa estranha":

 

 Amigo conta como Meyer Nigri ajudou a enviar médico para atender Bolsonaro em Juiz de Fora - Joaquim de Carvalho

O advogado Victor Metta levou o oncologista Antônio de Macedo em seu avião e foi enigmático ao falar do episódio em uma live: "Coisa estranha que aconteceu"

Bolsonaro em Juiz de Fora, Meyer Nigri e Victor Metta
Bolsonaro em Juiz de Fora, Meyer Nigri e Victor Metta (Foto: Reprodução | RAYSA CAMPOS LEITE/Reuters)

O empresário Meyer Nigri, que está sendo investigado pela PF por participar da milícia digital de Jair Bolsonaro, teve um papel importante no evento de Juiz de Fora que mudou a história do Brasil, em 6 de setembro de 2018. 

Foi ele quem enviou o oncologista e gastrocirurgião Antônio Macedo para a cidade, logo depois de Jair Bolsonaro dar entrada na Santa Casa de Misericórdia local, onde foi submetido a uma cirurgia. 

Bastidores da história foram revelados por seu amigo Victor Sarfatis Metta, ambos muito ativos na comunidade judaica de São Paulo. 

O relato foi feito em uma live no canal de Abraham Weintraub, em fevereiro do ano passado, quando este, que tinha sido ministro da Educação e diretor do Banco Mundial, rompia com Bolsonaro.

Metta, advogado tributarista, lembrou que conheceu Bolsonaro na casa de Meyer Nigri, em 2016, num encontro em que o então pré-candidato a presidente foi apresentado a empresários.

"Em 2016, eu conheço o presidente Bolsonaro, na casa de um empresário, na casa do Meyer Nigri, agradeço bastante a ele inclusive. Foi uma apresentação, estava um bando de empresários, um dos quais trabalha no governo hoje, todos torceram o nariz, todos, menos o Meyer. Todos torceram o nariz para o Bolsonaro. Eu olhei lá e falei: pô, esse cara vai ser eleito, eu não tinha dúvida nenhuma de que seria o próximo presidente do Brasil", recordou, em abril de 2022.

Victor acabaria entrando na campanha e, mais tarde, se tornaria tesoureiro do PSL em São Paulo, o partido de Bolsonaro na época. Em outra live, em 21 de fevereiro do ano passado, ele contou como soube do evento de Juiz de Fora três anos e meio antes.

"Não sei se você lembra, mas na hora que aconteceu a facada a gente estava num chat, num áudio, com o Arthur (irmão de Abraham), falando de plano de governo", diz, dirigindo-se a Abraham Weintraub. 

"Aí eu me lembro que puxei o celular na hora, vi a facada, deu aquela sensação horrorosa, porque era uma coisa que a gente estava imaginando, a gente até ficou meio baqueado na hora. Eu lembro daquela imagem dele sendo levado para o carro. Aí acabou a reunião, não tinha mais condição, cada um foi para um canto. Aí, de repente, vem aquela ideia: pô, vamos para Juiz de Fora. Mas por quê? Porque a campanha era tudo uma bagunça, um caos, era aquele voluntarismo: ah, vamos lá, e a gente resolve. Não importa, vim aqui resolver", declarou.

A caminho do aeroporto em Jundiaí, onde ficava o avião do seu escritório de advocacia, ele diz ter recebido uma ligação de Meyer.

"Me liga o Meyer Nigri e me fala: 'e aí, para onde você está indo?' E eu falo: estou indo para Juiz de Fora. E ele falou: 'quer levar um médico?' E eu falei: mas claro, pra já. Como é que vou levar ele para Jundiaí, para o aeroporto? Meu avião ficava em Jundiaí na época. Ele falou: 'escolhe o médico, que eu mando ele de helicóptero'. Eu falei: putz, deixa eu ver, deixa eu ver, quantos médicos gastro eu conheço? Ele tomou uma facada na barriga, acho que é gastro. Aí eu pensei o nome de um, pensei o nome de outro e pensei o nome de um terceiro, e pensei: ah, vou chamar o que já me operou. Aí eu falei: liga para o Macedo.  Aí ele falou: 'pra já'. Aí ele foi lá, pousou o Macedo de helicóptero e foi lá, foi de noite mesmo. Foi até interessante pousar lá porque eu… a instrumentação do aeroporto (de Juiz de Fora) não estava funcionando lá naquele dia."

Macedo era um dos médicos mais concorridos do Einstein e deixou tudo para atender ao empresário Meyer Nigri. Alguém pode duvidar do relato, mas o fato é que Macedo chegou a Juiz de Fora naquela noite, efetivamente, no avião de Victor Metta. 

E a presença deles lá teria surpreendido e desagradado algumas pessoas do entorno de Bolsonaro, como contou Victor Metta, que fez questão de dizer na live que não revelaria tudo o que viveu e testemunhou em Juiz de Fora.

"Eu lembro que isso desagradou muita gente naquele dia, teve muita gente que ficou muito nervosa por a gente trazer alguém diferente. Deu uma confusão, teve a parte suja do processo, depois eu fui proibido de entrar no Einstein, me colocaram lá como militante de esquerda, teve um bando de…, a campanha foi assim, do começo ao fim", comentou.

E prosseguiu:

"Estava tudo muito estranho naquele momento, parece que já tinha acontecido, imediatamente já tinha uma equipe, estava todo mundo querendo que alguma coisa acontecesse. Quando eu fui levar o médico, muita gente se opôs. Muita gente ficou brava: como assim, o que você está fazendo? Você está se intrometendo. A impressão que deu é que eu atrapalhei alguma coisa lá. Teve mais coisa estranha que aconteceu, mas fiquemos com essa, por enquanto", disse, e complementou com um sorriso enigmático.

Weintraub não perguntou mais nada, e Victor Metta não voltou a tocar no assunto.

Nigri se tornaria influente no governo Bolsonaro, a ponto de participar da indicação de Augusto Aras para a Procuradoria da República e de Nelson Teich para o Ministério da Saúde, como informou a revista Veja.

Na reportagem, de maio de 2020, Meyer é apresentado como eminência parda do governo, a começar pelo título:  "Meyer Nigri, dono da construtora Tecnisa: o empresário que dá as cartas."

Segundo a revista, Meyer Nigri tinha "passe livre em vários ministérios" e atuava "junto ao governo pela legalização de cassinos e jogos de azar". 

Ligava para o então ministro da Economia, Paulo Guedes, na frente de outros empresários, e conseguiu o apoio dele pela legalização de cassinos no Brasil, que poderia impulsionar a construção de resorts, assunto de interesse de Meyer.

Ambos foram derrotados pela bancada evangélica, mas nem por isso Meyer abandonou o governo. A Polícia Federal localizou troca de mensagens dele com Jair Bolsonaro, de junho do ano passado, em que ambos se articulam para divulgar fake news sobre as urnas e difamar o ministro do STF Luís Roberto Barroso, .

Juiz de Fora foi uma oportunidade para Nigri: o evento de lá alçou Bolsonaro à presidência, como este próprio já reconheceu em vídeo, e o empresário acumulou poder.

É uma pena que seu amigo Victor Metta não fale de todas as coisas estranhas que aconteceram naquele dia na cidade mineira. 


Joaquim de Carvalho

Colunista do 247, foi subeditor de Veja e repórter do Jornal Nacional, entre outros veículos. Ganhou os prêmios Esso (equipe, 1992), Vladimir Herzog e Jornalismo Social (revista Imprensa). E-mail: joaquim@brasil247.com.br 

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