Votação da anistia é adiada após declarações de Paulinho da Força
Votação da anistia é adiada após declarações de Paulinho da Força
Por Cleber Lourenço
A previsão de que o projeto de anistia aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro seria votado já na terça-feira (30) tornou-se improvável. O clima político, que parecia caminhar para uma definição, se deteriorou nos últimos dias. A escalada de tensões entre Câmara e Senado, somada ao desgaste provocado pela fala de Paulinho da Força — que vinculou diretamente a tramitação da anistia ao avanço da proposta de isenção do Imposto de Renda (IR) —, afastou o tema do horizonte imediato. O resultado é que a anistia perdeu tração, entrou em compasso de espera e, por ora, não tem data para ser votada.
O ponto de inflexão foi produzido por uma sequência de movimentos políticos. Primeiro, o Senado enviou um recado direto à Câmara ao rejeitar, por unanimidade na CCJ, a chamada PEC da blindagem, que pretendia exigir autorização do Congresso para abertura de processos contra parlamentares. O gesto foi interpretado por deputados como um corte seco em qualquer tentativa de autoproteção institucional. Em seguida, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, cancelou a reunião que teria com Paulinho da Força e Hugo Motta para discutir os rumos da anistia. O encontro, conforme antecipou o ICL, foi suspenso sem reagendamento e se transformou em símbolo do distanciamento entre as Casas.
Enquanto isso, a condução de Hugo Motta, do Republicanos, passou a ser alvo de críticas cada vez mais intensas. Nas redes sociais e em bastidores parlamentares, circula a narrativa de que o Centrão estaria usando a pauta da anistia como instrumento de chantagem política: ou para travar a taxação dos super-ricos embutida no pacote da isenção do IR até R$ 5 mil, ou, no mínimo, para dificultar a tramitação da proposta. A frase de Paulinho da Força após reunião com a bancada do PT, nesta quarta-feira, consolidou essa percepção. Disse ele: “Acho até que se não votar isso, não vai votar IR”. A declaração pública foi recebida como ameaça direta e ampliou o isolamento de Motta, reforçando a ideia de que a Câmara estaria submetida a uma estratégia de condicionamento.

Presidente da Câmara, Hugo Motta (Foto: EBC)
Hoje, no entanto, o próprio Hugo Motta tratou de desautorizar Paulinho da Força. Em entrevista, o deputado afirmou: “Não existe isso de só votar IR se for com a anistia”. A fala foi interpretada como uma tentativa de conter o desgaste e afastar a narrativa de que a Câmara estaria condicionando a pauta econômica a um projeto de autoproteção. Ainda assim, o episódio expôs divisões internas e aumentou a pressão sobre a liderança de Motta.
Também há uma preocupação em torno de Hugo Motta, uma vez que já começou a emplacar nas redes a narrativa de que ele e partidos do Centrão estariam usando a pauta da anistia como chantagem para derrubar a taxação dos super-ricos na isenção do IR, ou até mesmo para prejudicar a tramitação da proposta de isenção até R$ 5 mil. Como o líder já está com a imagem desgastada pelas últimas manifestações e pelas declarações de Paulinho da Força, a situação se agravou e o projeto permanece sem data. Se a anistia for votada apenas após o IR, isso retira um importante trunfo de chantagem do Centrão e acaba fortalecendo o governo Lula. Esse cenário irrita ainda mais os líderes do bloco, que nos bastidores admitem que Motta é considerado um péssimo articulador político e que vem colocando a Câmara em situações delicadas com frequência.
O deputado Lindbergh Farias (PT-RJ), que esteve com Paulinho da Força ontem, avaliou o recuo como resultado direto das manifestações de domingo. “Olha, acho que esse recuo é um recuo fruto das manifestações de domingo. Eles tinham engatado uma agenda, a agenda foi derrotada nas ruas, o Senado empacotou por unanimidade, enterrando a PEC da bandidagem, e eles percebem que o clima político aqui é muito difícil para eles. O relator tinha anunciado que ia votar na terça-feira. [E depois da repercussão da fala do Paulinho], eles ligaram naquela mesma noite para a gente dizendo que estavam recuando [da proposta], que não é assim, não estão querendo condicionar nada, revisão de pena de Bolsonaro, a votação do imposto de renda. Melhor assim, eu espero que a Câmara perceba o que está acontecendo nas ruas, a pauta que o povo quer é a pauta ligada à vida das pessoas. Nós queremos discutir a escala 6×1. Imposto de renda, PEC de segurança, e não essa pauta de blindagem de anistia para Bolsonaro ou de revisão de pena. Essa revisão de pena é uma anistia envergonhada.”
Bastidores da Câmara indicam que até mesmo aliados no Centrão se mostram incomodados com o rumo da articulação. Deputados avaliam que a insistência em atrelar uma agenda econômica de forte impacto popular a um projeto de anistia associado ao 8 de janeiro é um erro político de alto custo. A leitura é de que, se a anistia ficar para depois do IR, o Centrão perde seu principal trunfo de barganha. Se insistir em manter a associação, reforça a narrativa de que está disposto a sacrificar políticas de renda em troca de autoproteção parlamentar. Em qualquer um dos cenários, o espaço de negociação diminui e a imagem pública da Câmara se desgasta.
No Senado, o recado foi igualmente claro: não há disposição para ressuscitar a blindagem ou aprovar uma anistia ampla. A derrota da PEC na CCJ funcionou como freio institucional e mostrou um grau de unidade incomum entre os senadores. O entendimento é que qualquer texto que chegue da Câmara precisará de um desenho restrito, sob pena de naufragar rapidamente. Líderes no Senado têm sinalizado que manterão a pauta em compasso de espera, evitando acelerar um tema que aumenta a pressão sobre o Congresso como um todo.
Nesse contexto, a imagem de Hugo Motta se fragiliza ainda mais. Entre deputados de diferentes bancadas, já se ouvem avaliações de que o líder tem colocado a Câmara em situações delicadas com frequência. Para alguns, ele se tornou um articulador que não consegue construir consensos duradouros e que, ao contrário, cria impasses desnecessários. A leitura de parte do Centrão é que sua condução na anistia desgastou não apenas sua imagem, mas também a posição de negociação da Câmara diante do Senado e do governo.
O efeito prático de todo esse movimento é um calendário legislativo incerto. A terça-feira (30), que chegou a ser tratada como janela para a votação da anistia, já não é vista como data realista. O foco imediato da Câmara passou a ser o avanço do projeto da isenção do IR, considerado prioridade econômica e com impacto direto sobre a base social do governo. Caso a anistia seja empurrada para depois da votação do IR, o governo Lula ganha fôlego: retira do Centrão o principal mecanismo de pressão e volta a ditar a agenda, em especial no campo econômico. Isso, por sua vez, aprofunda a irritação de líderes do Centrão, que já enxergam na condução de Motta um obstáculo adicional.
A perspectiva é de que os próximos dias sejam marcados por disputas de narrativa. Enquanto senadores devem insistir que a anistia não é prioridade, parte da Câmara tentará recolocar o tema em pauta. O governo, por outro lado, deve apostar em capitalizar a votação do IR como vitória política e deixar que o tempo desgaste a articulação em torno da anistia. Nesse tabuleiro, os movimentos de Hugo Motta serão observados de perto: qualquer sinal de recuo ou de mudança de discurso poderá indicar o grau de isolamento do líder e o enfraquecimento da própria pauta.
Tentamos contato com Paulinho da Força, que desde o início da semana não respondeu às nossas tentativas. A situação atual é mais uma das dezenas de idas e vindas que esse tema já sofreu, mas mesmo assim continua travando pautas importantes e de interesse direto da população na Câmara dos Deputados.
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