Biotecnologia: o calcanhar de Aquiles do Brasil

 Dimas Covas

- Diretor executivo na Fundação Butantan

Dimas Tadeu Covas é graduado em Medicina na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. É professor titular na mesma instituição.

Dimas foi membro atuante da Sociedade Brasileira de Hematologia e Hemoterapia e do Colégio Brasileiro de Hematologia, além de ser ex-diretor do Instituto Butantan.

Atualmente, é diretor executivo na Fundação Butantan

 | Fórum CNN

23/12/2022 às 07:00

A terapia com produtos biológicos ou bioterapêuticos revolucionou a saúde nas últimas três décadas, oferecendo opções para o tratamento do câncer, doenças crônico-degenerativas e imunológicas e, mais recentemente, para doenças genéticas.

Essa classe de produtos representa o maior gasto em saúde, tanto para o sistema público, quanto para o sistema privado. Representam também o maior faturamento das dez maiores companhias farmacêuticas do mundo que juntas somaram 583 bilhões de dólares em 2022 ou, em termos comparativos, 37% do PIB brasileiro de 2021.

Entre estas, cinco são norte americanas (Pfizer, Abbvie, Jansen, Merk e Bristol), duas são suíças (Novartis e Roche), uma chinesa (Sinopharm), uma francesa (Sanofi) e uma inglesa (GSK). Estes quatro países juntamente com o Japão, a Índia e a Coréia do Sul são os principais do mundo no setor biofarmacêutico. O Brasil não figura nesta lista.

Algumas características explicam a predominância destes países. Os Estados Unidos, no período de 2004 a 2018, produziram o dobro de medicamentos inovadores do que toda a Europa e quatro vezes mais do que o Japão. Os EUA ainda lideram a inovação e o desenvolvimento de medicamentos biológicos, mas essa posição vem sendo ameaçada pela China. As principais políticas americanas que levaram o país a essa posição envolvem incorporação de novas tecnologias, incentivos aos investimentos produtivos e políticas diferenciadas de preços que motivam as empresas a investir no setor.

Já a China, o segundo maior mercado de saúde do mundo, nos últimos dez anos, vem investindo pesado em biotecnologia e se tornou o principal mercado para empresas biofarmacêuticas globais. No período de 2016 a 2020, o país instalou 600 parques de biotecnologia e sua produção cresceu 80% no mesmo período. As políticas chinesas para o setor, neste momento, são as mais relevantes e ambiciosas do mundo e alguns números já superam em muito o de todos os países norte americanos e europeus somados.

Para se ter uma ideia, o investimento em pesquisa e desenvolvimento da China em 2021 foi de 621 bilhões de dólares comparado aos 598 bilhões dos EUA e a apenas 39 bilhões do Brasil. A China forma de 8 a 10 milhões de alunos por ano contra menos de 500.000 dos EUA, e cerca de 75% dos formados chineses tem experiência de pesquisa no exterior. A China lidera o desenvolvimento de biossimilares e neste ritmo impressionante se tornará em breve a maior potência bioeconômica do mundo.

O Brasil, embora venha tentando priorizar o setor desde meados de 2007 com a “Política Nacional de Biotecnologia”, não conseguiu grandes progressos e é dependente quase que totalmente de importações, com mais de 90% dos ingredientes farmacêuticos ativos (IFAs) importados.
Reativar as políticas para o setor, o que não envolve apenas o Ministério da Saúde, mas principalmente os Ministérios da área econômica e industrial, é fundamental para aumentar o acesso das pessoas aos tratamentos mais modernos, e para diminuir acentuadamente os custos hoje inacessíveis para o SUS, desenvolver uma indústria que tem importância na nova economia mundial e que poderá transformar o país de importador para autossuficiente e, na sequência exportador.

Quatro tipos de produtos biológicos precisam ser destacados: I. Vacinas, cuja importância é vital; II. Anticorpos Monoclonais para o tratamento do câncer principalmente; III. Proteínas Recombinantes como os fatores recombinantes para o tratamento dos hemofílicos; e IV. Terapias Celulares e Gênicas para o tratamento do câncer e das doenças genéticas.

As políticas atuais de desenvolvimento público dessas áreas estão baseadas nas chamadas PDPs (Parcerias de Desenvolvimento Produtivo) que já persistem por mais de uma década e não se mostraram efetivas para a área de biotecnologia. Independentemente da formulação correta do princípio do uso do poder de compra do Estado para incentivar e desenvolver áreas estratégicas, a execução da política de PDPs para a área de biotecnologia foi errática, incompleta, sem investimentos compatíveis com a complexidade do setor e capturada por interesses diversos não alinhados com o objetivo central de transferência de tecnologias em tempo adequado.

O poder de compra do Estado isoladamente não é capaz de iniciar, desenvolver e manter uma política exitosa para a biotecnologia nacional. A boa notícia, por outro lado, é que o país tem instrumentos melhores e mais adequados para fazer avançar a biotecnologia nacional. Dois instrumentos considero fundamentais:

I. Encomendas tecnológicas previstas na legislação de inovação brasileira e infelizmente pouco usada. Esse instrumento é um dos principais motores de desenvolvimento técnico-científico de países como os EUA.

II. Políticas de emparelhamento tecnológico com os países líderes em biotecnologia. A política de emparelhamento também é largamente usada pelos países mencionados e envolve estratégias políticas globais de parcerias, licenciamentos, produção local, formação agressiva de pessoal técnico, desenvolvimento de cadeia produtiva, financiamento e investimentos a custo zero ou com carência alongada, enfim toda uma política industrial articulada com vários setores governamentais e privados. A fragilidade brasileira na biotecnologia, verdadeiro calcanhar de Aquiles no projeto de desenvolvimento nacional, precisa ser superada com um novo modelo de inovação o que envolve a construção de uma política pública fortalecida e coordenada.

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