OPINIÃO: Acabar com o foro é ameaçar a democracia
A mobilização repentina em torno do fim do foro privilegiado não é inocente nem espontânea. Longe de ser uma cruzada contra a impunidade, a pauta é, na prática, uma manobra para afastar parlamentares e outras autoridades da alçada do Supremo Tribunal Federal, onde tramitam investigações sensíveis, incluindo casos que envolvem desvios de emendas parlamentares e outros escândalos que atingem o centrão e aliados estratégicos. É um projeto de sobrevivência política travestido de reforma moralizadora.
O cálculo é simples: levar processos para a primeira instância, onde juízes locais, muitas vezes vulneráveis a pressões políticas e econômicas, podem agir com mais “flexibilidade” — seja para favorecer aliados ou travar investigações incômodas. É a estratégia perfeita para quem deseja enterrar casos antes que cheguem a sentenças, usando a fragmentação do Judiciário como aliada.
Sem foro, abre-se espaço para o lawfare seletivo. Ao mesmo tempo em que adversários podem ser alvos de ações simultâneas e contraditórias em diferentes comarcas, investigados influentes ganham mais margem para prescrever processos ou influenciar decisões. Em cidades dominadas por oligarquias políticas, o risco de manipulação é ainda maior, afastando inimigos e blindando aliados sem que a opinião pública nacional acompanhe de perto.
Retroagir a medida agravaria o cenário: processos que hoje estão no STF ou no STJ seriam enviados para tribunais onde a influência política local tem peso real, atrasando julgamentos e ampliando as chances de prescrição. A consequência prática seria clara: proteger envolvidos em desvios milionários de recursos públicos e sufocar investigações em andamento.
O foro especial, com todos os seus problemas, ainda funciona como uma barreira institucional para evitar que disputas políticas sejam decididas a golpes judiciais locais. Derrubá-lo sem criar mecanismos de proteção equivalentes abre caminho para que a Justiça seja instrumentalizada, seja para perseguições seletivas, seja para blindagens descaradas.
Se hoje já temos promotores que governam sem receberem um único voto nos interiores do Brasil através dos Termos de Justamento de Conduta (TAC), imagina o que será do país com juízes sem controle algum.
Num país polarizado e com histórico de uso político do sistema de Justiça, essa cruzada pelo fim do foro não fortalece a democracia — mina suas bases, fragiliza a relação entre os poderes e transforma o combate à corrupção em um pretexto conveniente para garantir impunidade a quem controla o jogo.
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