Mariana Schreiber
Da BBC Brasil
em Brasília
Três dias depois de centenas de
milhares de pessoas irem às ruas do país pedindo impeachment e um dia
após a homologação da bombástica delação premiada do senador Delcídio do
Amaral, a presidente Dilma Rousseff informou que o ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva - seu mentor e antecessor - será o novo
ministro-chefe da Casa Civil.
Acuada por uma série de notícias
negativas nas últimas semanas, a petista tenta, com a nomeação do
ex-presidente para o cargo mais importante de seu gabinete, salvar seu
mandato de um processo de impedimento que parece cada vez mais iminente.
A
expectativa é de que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ),
destrave novamente o trâmite do impeachment com o anúncio, até o fim
desta semana, da formação da Comissão Especial que emitirá um parecer a
favor ou contra a abertura de um procedimento contra Dilma.
Diante desse cenário, a entrada oficial de Lula tem potencial para causar impactos positivos e negativos para o governo.
De
um lado, o ex-presidente agrega ao governo sua enorme capacidade de
articulação política e de se comunicar com as classes mais pobres e os
movimentos sociais – habilidades fundamentais para enfrentar a crise
política, que faltariam em Dilma.
De outro, abre espaço para
críticas de que o líder petista esteja buscando proteção contra
eventuais decisões do juiz Sergio Moro – responsável por julgar ações da
operação Lava Jato na primeira instância.
Ao virar ministro, Lula passa
a ter foto privilegiado e a ser as acusações contra si avaliadas pelo
Supremo Tribunal Federal.
O ex-presidente está sendo investigado
por supostamente ter sido beneficiado com recursos desviados da
Petrobras – o que ele nega.
Teria contribuído para Lula aceitar o convite o fato de a juíza Maria
Priscilla Veiga Oliveira, da 4ª Vara Criminal de São Paulo, ter
transferido a Moro a decisão sobre o pedido de prisão preventiva
apresentado pelo Ministério Público paulista contra o petista, sob a
justificativa de que Moro teria mais competência para decidir a questão
(entenda melhor abaixo).
O pedido de prisão foi muito criticado
por diversos juristas – até mesmo pessoas ligadas à oposição viram falta
de fundamento jurídico na peça. Um manifesto de promotores e
procuradores, porém, defendeu a medida.
Vale lembrar que pairam
ainda sobre Lula e Dilma fortes acusações (que ainda precisam ser
investigadas) de suposta interferência na Lava Jato, feitas por Delcídio
em sua delação premiada – a homologação do acordo, aliás, teria sido
responsável pelo adiamento do anúncio da nomeação do ex-presidente, que
teve uma longa reunião com sua sucessora para tratar do assunto nesta
terça.
Segundo o senador, o ministro Aloizio Mercadante
(Educação), um dos auxiliares mais próximos de Dilma, lhe ofereceu ajuda
financeira e interferência junto a ministros do STF em troca de que ele
não colaborasse com as investigações.
Mercadante afirmou que "jamais
falou com qualquer ministro do Supremo sobre o assunto".
Delcídio
alega ainda que Dilma mente ao dizer que não sabia de cláusulas
prejudiciais à Petrobras na compra da refinaria de Pasadena, nos EUA, e
de tentar, ao procurar integrantes do STF e indicar um novo ministro
para o STJ (Superior Tribunal de Justiça), interferir em decisões
judiciais relacionadas à Lava Jato.
Já Lula é acusado ainda de
várias outras coisas – entre elas de comprar o silêncio do publicitário
Marcos Valério durante o escândalo do mensalão e de pedir a convocação
de depoimentos que poderiam ser prejudiciais a seus filhos na CPI do
Carf (que investiga suposta manipulação em decisões para favorecer
empresas investigadas por crimes fiscais). Lula, Dilma e Mercadante refutam todas as denúncias.
'Choque político'
Analistas
políticos ouvidos pela BBC Brasil no domingo, após os enormes protestos,
já apontavam a nomeação de Lula como um possível caminho para o governo
se rearticular.
"O Planalto precisa de um choque político, e a
única ação mais forte que me parece disponível é a presença do Lula no
ministério", disse Rafael Cortez, da Consultoria Tendências.
"A
rejeição a Lula já é extremamente elevada entre os apoiadores do
impeachment, assumindo ou não um cargo de ministro.
Eventualmente, a
presença dele pode servir para mobilizar o governismo, que hoje é
minoritário e desarticulado porque Dilma não tem uma liderança relevante
mesmo dentro de seus apoiadores", acrescentou.
A questão que
fica, no entanto, é sobre qual será o poder decisório de Lula dentro do
governo – ou seja, se Dilma abrirá mão de sua autoridade.
A vinda
da maior liderança petista para dentro da gestão pode sinalizar, por
exemplo, uma guinada na política econômica, já que a administração
federal vem sendo duramente criticada pelo PT e movimentos sociais ao
adotar medidas de ajuste fiscal, com consequente corte de gastos
públicos.
A crise econômica é um dos motivos do forte desgaste da
presidente – a economia brasileira recuou 3,8% em 2015, segundo o IBGE, e
caminha para tombo semelhante neste ano, segundo projeções de
economistas.
O cientista político Milton Lahuerta, professor da Unesp, alerta
porém que a presença oficial de Lula está longe de ser uma solução.
"Acreditar
que vai ser simples, que o Lula indo para lá levará a uma espécie de
emulação das forças, que todo mundo vai se unir... isso pode ter sentido
para o público interno do PT. Mas, na realidade, não é algo razoável,
dadas as dificuldades tanto políticas quanto econômicas", avalia.
“E
mais: ele não vai resolver o problema do governo porque, no fundo, vai
se explicitar aquilo que a boca pequena, que a população fala, desde
sempre: que a Dilma não tem autonomia."
Desgaste e reação
As
suspeitas que recaem sobre Lula, segundo as investigações da Lava Jato,
são de que empreiteiras que participavam do esquema de corrupção da
Petrobras teriam feito pagamentos irregulares a ele por meio de
contratações de palestras e doações a seu instituto.
Além disso,
os investigadores dizem que essas empresas teriam bancado obras em
imóveis do ex-presidente – uma cobertura tríplex no Guarujá e um sítio
no interior paulista. Ele nega as acusações e diz que não é dono desses
imóveis.
As investigações têm causado enorme desgaste à sua
imagem. Por outro lado, o fato de duas ações recentes contra ele terem
sido alvo de críticas de juristas deu fôlego ao discurso de que o líder
petista estaria sendo perseguido, com intuito de inviabilizar sua
possível candidatura presidencial em 2018.
Há dez dias, Lula foi
alvo de uma condução coercitiva para depor à Polícia Federal. A medida
provocou controvérsias entre juristas – alguns consideraram a medida
exagerada, já que o ex-presidente não havia sido previamente convocado a
prestar depoimento, enquanto outros a defenderam dizendo tratar-se de
um instrumento de investigação previsto na lei.
Simultaneamente, foram feitas ações de busca e apreensão na
residência de Lula e em seu instituto. A operação, denominada Aletheia,
atingiu também familiares, amigos e funcionários do ex-presidente.
No
mesmo dia, Lula deu uma entrevista coletiva com fortes críticas à Lava
Jato e à grande imprensa nacional. Três promotores do Ministério Público
de São Paulo que também investigam o petista entenderam que o discurso
de Lula representou "efetiva afronta ao princípio da garantia da ordem
pública" e solicitaram sua prisão preventiva na última quinta-feira.
Ao
mesmo tempo, os promotores apresentaram uma denúncia contra Lula,
pedindo a abertura de um processo contra ele no caso do tríplex do
Guarujá, sob acusação de falsidade ideológica e ocultação de patrimônio,
uma modalidade do crime de lavagem de dinheiro.
Na segunda-feira,
a juíza Maria Priscilla Veiga Oliveira disse em sua decisão sobre o
caso que a denúncia não apontava a origem dos recursos da suposta
lavagem de dinheiro e que isso já está sendo investigado pela Lava Jato.
Por isso, afirmou também que não se considerava competente para julgar a
questão e que o caso devia ser remetido para a vara de Moro, em
Curitiba.
Em entrevista à BBC Brasil, o ex-procurador-geral da
República Claudio Fonteles disse que a decisão de Oliveira é muito usual
no mundo jurídico, já que uma pessoa não pode ser julgada duas vezes
pelo mesmo crime.
Se Moro aceitar a competência, destacou, os
pedidos da Promotoria de São Paulo "deixam de existir juridicamente". Se
ele recusar, caberá ao Supremo Tribunal de Justiça decidir de quem é a
competência.
Outras ameaças
Além do processo de impeachment, outras duas ameaças pairam sobre o mandato de Dilma.
No
Congresso, parlamentares começam a articular uma proposta de mudança do
regime presidencialista, com objetivo de limitar os poderes da
presidente e instaurar uma espécie de semipresidencialismo.
Já o
Tribunal Superior Eleitoral analisa ação proposta pelo PSDB pedindo a
cassação da presidente e de seu vice, Michel Temer (PMDB), sob a
justificativa, entre outras, de que sua campanha teria recebido recursos
desviados da Petrobras.