Estadão e o compromisso com a democracia
Lula, Estadão e o compromisso com a democracia - ICL Notícias
O Estadão veio neste domingo (19) com mais um editorial daqueles.
A tarefa principal de seus editorialistas — meter o malho em Lula, no governo e na esquerda — foi cumprida, como de costume. Dessa vez o jornalão faz críticas ao presidente por ter acionado a Advocacia-Geral da União contra as mentiras contadas nas redes sociais sobre o monitoramento que seria feito no Pix das fintechs (e que acabou cancelado).
Segundo o gênio que escreveu o texto, o objetivo de Lula nesse caso não é combater fake news, mas sim criminalizar o discurso da oposição. Diz o Estadão que ao acionar a AGU, o presidente prova “que o seu compromisso com a democracia nunca foi sério”.
A não ser por antipetismo doentio, não há como enxergar qualquer gesto de autoritarismo quando a AGU, cumprindo seu papel constitucional, aciona a Polícia Federal para investigar algo que considera prática criminosa. Como manda a lei, os policiais vão investigar e, caso encontrem indícios concretos, vão encaminhá-los à Justiça, que vai decidir o caso.
Onde está o ataque à democracia?
Talvez o Estadão veja com normalidade o fato de que uma única postagem em que o deputado Nikolas Ferreira fala do Pix tenha alcançado mais de 300 milhões de visualizações. Mas os especialistas da área acham muito estranho (para dizer o mínimo) que esse vídeo tenha conseguido seis vezes mais audiência que a postagem sobre a vitória eleitoral de Trump ou dez vezes mais que a premiação de Fernanda Torres no Globo de Ouro. A turma do jornalão não vê nada de esquisito que o vídeo de Nikolas tenha se tornado um dos 50 mais vistos do mundo.
Houve crime? A postagem foi turbinada de forma ilegal por Zuckerberg, o dono do Instagram, para desgastar o governo?
Não se sabe. Cabe à Polícia Federal investigar.
Foi esse o pedido da AGU, que nada tem de autoritário.
Seria tragicômico, se não fosse apenas trágico, que o personagem a quem a publicação acusa de comportamento antidemocrático não fosse justamente o político que há sete anos enfrentou com serenidade uma prisão arbitrária, ordenada por um juiz parcial que não tinha provas para justificar a decisão. E enfrentou esse furacão como um verdadeiro democrata.
Nos 580 dias em que esteve preso, Lula não convocou seus milhões de seguidores para um levante ou coisa parecida: seguiu pacientemente os ritos da Justiça até que a verdade viesse à tona e fosse libertado.
De volta à luta política, ele adotou discurso incendiário ou subversivo? Não. Participou de mais uma eleição, depois de formar uma frente ampla com partidos de centro e centro-direita.
Venceu o pleito limpamente, enfrentou uma tentativa de golpe e, mais uma vez, agiu como democrata. Não pregou vingança para os golpistas, mas apenas justiça, com ampla oportunidade de defesa.
Também seria tragicômico, se não fosse apenas trágico, que o jornal que faz essa acusação tenha sido justamente um dos principais incentivadores do juiz autoritário que foi pintado como herói da Lava Jato, a operação que atropelou todos os princípios democráticos para criminalizar um partido, e Lula em especial.
O periódico também foi (e ainda é) uma das ferramentas que ajudou (e ainda ajuda) a naturalizar essa nova versão brasileira de fascismo, que recebe o nome de bolsonarismo.
Mais trágico ainda é que esse Estadão, que pretende dar o parâmetro para medir o espírito democrático dos governantes, é aquele mesmo que incentivou e colaborou com o golpe militar de 1964. Um jornal lambe-botas dos milicos que expulsaram Jango do poder e oprimiram o Brasil por 21 anos.
Só mudou quando os militares que exaltavam passaram a censurá-lo.
A julgar pelo anúncio em que O Globo homenageia o Estadão por seus 150 anos, e o trata como uma “trincheira da democracia”, essa gente acredita que não temos memória (tiveram a cara de pau de dar à peça publicitária o título “Ainda estamos aqui”).
Mas cá estamos nós para lembrar: a régua do jornal não serve para medir o espírito republicano de ninguém.
É o Estadão que deve trazer para a vida real o compromisso com a democracia que só seus editorialistas enxergam.
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