Doenças erradicadas voltam a assustar; veja os desafios da vacinação - No Amazonas e em Roraima, há cerca de 500 casos confirmados de sarampo
Doenças já erradicadas no Brasil voltaram a ser motivo de preocupação
entre autoridades sanitárias e profissionais de saúde. Baixas
coberturas vacinais, de acordo com o próprio Ministério da Saúde,
acendem "uma luz vermelha" no país.
No Amazonas e em Roraima, com o
surto de sarampo, há cerca de 500 casos confirmados e mais de 1,5 mil em
investigação. No outro extremo do país, o Rio Grande do Sul também
confirmou seis casos da doença este ano.
Em 2016, o Brasil recebeu da
Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) o certificado de eliminação da
circulação do vírus.
Em junho, países do Mercosul fizeram um acordo para evitar a
reintrodução de doenças já eliminadas na região das Américas, incluindo o
sarampo, a poliomielite e a rubéola.
Brasil, Argentina, Uruguai,
Paraguai e Chile se comprometeram a reforçar ações de saúde nas
fronteiras e a fornecer assistência aos migrantes numa tentativa de
manter baixa a transmissão de casos.
No último dia 8, a Opas enviou
alerta aos países após a detecção de um caso da doença na Venezuela.
Dados do governo federal mostram que 312 municípios brasileiros estão
com cobertura vacinal contra pólio abaixo de 50%.
O grupo de doenças pode voltar a circular no Brasil caso a cobertura
vacinal, sobretudo entre crianças, não aumente. O alerta é da Sociedade
Brasileira de Imunizações (Sbim), que defende uma taxa de imunização de
95% do público-alvo.
Em entrevista à Agência Brasil, a
presidente da entidade, Isabella Ballalai, explicou que uma série de
fatores compromete o sucesso da imunização no país, incluindo a falta de
conhecimento sobre de doenças consideradas erradicadas, a divulgação
de fake news via redes sociais e os horários limitados de funcionamento de postos de saúde.
Agência Brasil: Quais os desafios da vacinação no Brasil atualmente?
Isabella Ballalai: Estamos falando de doenças como sarampo, pólio, difteria e tétano. São vacinas básicas, mas que, muitas vezes, as pessoas acabam negligenciando. Não vacinam, atrasam, dizem “depois eu vou”.
Isabella Ballalai: Estamos falando de doenças como sarampo, pólio, difteria e tétano. São vacinas básicas, mas que, muitas vezes, as pessoas acabam negligenciando. Não vacinam, atrasam, dizem “depois eu vou”.
Juntamos
isso com a não valorização dessas doenças, consideradas extintas e que,
portanto, não se vê por aí. Juntamos também o dia a dia mesmo.
Os postos
de saúde no Brasil, em sua maioria, abrem de segunda a sexta e fecham
para almoço.
As famílias estão trabalhando. Isso tudo impacta na adesão.
Agência Brasil: Houve muita procura por vacina após os casos de febre amarela detectados no Brasil. Como isso se encaixa nesse contexto?
Isabella Ballalai: Com febre a amarela, a gente viveu uma situação diferente. Minas Gerais sempre foi área de vacinação rotineira – antes mesmo dessa epidemia. É preciso reforçar que não foi surto, foi uma epidemia. E, se as pessoas não se vacinarem, em dezembro agora, começa tudo de novo. Tínhamos baixa cobertura. As crianças até estavam vacinadas, mas os adultos não estavam. Aí, surge o desafio de fazer o adulto entender que ele também precisa tomar vacina. Por que não conseguimos vacinar todo mundo? Em época de epidemia, temos corre-corre, fila, discussão. De repente, com o fim dos casos, sumiu todo mundo. Sendo que pelo menos metade da população ficou sem se vacinar.
Agência Brasil: Como resumir os desafios da vacinação no Brasil?
Isabella Ballalai: A dificuldade de imunização no país é multifatorial – depende do tipo de vacina, da faixa etária em questão. Entre 20% a 30% dos adolescentes, por exemplo, se vacinaram contra a meningite.
Só. As pessoas não
imaginam a dificuldade que é levar um adolescente a uma sala de
vacinação. No geral, o que a gente percebe é que, quando o povo tem medo
da doença, procura a vacina. Brasileiro não tem medo da vacina, tem
medo da doença. E só procura a vacina quando tem surto na televisão. Um
exemplo foi a epidemia de gripe em 2016.
Tínhamos filas de seis horas em
clínicas privadas.
A meta de vacinação ficou acima do necessário,
passou de 100%. O que aconteceu com aquele mito de que as pessoas não se
vacinam porque têm medo de pegar gripe? As pessoas tiveram medo da
doença, viram a doença, acreditaram na doença.
Agência Brasil: Por que é tão difícil tratar da prevenção de doenças?
Isabella Ballalai: Já perdi as contas de quantas vezes vi pais de família que vacinam seus filhos e não se vacinam. Prevenção é uma coisa complicada. No tempo em que usar cinto de segurança não era obrigatório, a pessoa só usava quando perdia alguém em um acidente de trânsito.
É mais ou menos isso
que acontece com as vacinas. E olha que é prevista a obrigatoriedade da
imunização no Estatuto da Criança e do Adolescente. É direito da criança
e do adolescente a vacina. Os pais são provedores, não podem negar esse
direito. Mas é complexo.
Temos um cenário de grande evasão escolar no
Brasil. A escola, por exemplo, não vai impedir uma criança de estudar
porque não está com as vacinas em dia. Pode denunciar no conselho
tutelar, mas impedir não vai.
É um cenário bem diferente da realidade
norte-americana. Os Estados Unidos não têm problema de evasão escolar e
proíbem a criança de frequentar a escola se não estiver com as vacinas
em dia.
Agência Brasil: Outros países também enfrentam dificuldades na imunização. Há similaridades com o cenário no Brasil?
Isabella Ballalai: Europa e América do Norte têm problemas graves de cobertura vacinal. São taxas que ficam em torno de 30% a 40% do público-alvo. Um problemão. Quando a gente fala de baixa cobertura vacinal no Brasil, é algo em torno de 70% a 80%. Parece bom quando comparado à realidade de outros países.
Mas, para manter as doenças erradicadas, a gente precisa atingir
nossas metas. E, especificamente entre menores de 1 ou 2 anos, a meta é
95% de cobertura vacinal. Funciona assim: tivemos, recentemente, casos
de sarampo em Porto Alegre. Uma jovem não vacinada pegou a doença em
Manaus.
Se ela, mesmo não vacinada, tivesse ido a Manaus e encontrado
crianças vacinadas, não teríamos o surto que tivemos no Sul. É o que
chamamos de proteção coletiva. Cobertura vacinal é sinônimo de ação
coletiva. E as pessoas estão cada vez mais individualizadas para se
engajar numa ação coletiva.
Por
Paula Laboissière - Repórter da Agência Brasil
Edição: Juliana Andrade