Como a Argentina de Macri está aplicando um 7×1 no Brasil de Dilma - Matéria publicada em 2 de fevereiro de 2016
O ano de
2014 certamente não traz boas lembranças para argentinos e brasileiros.
Se dentro de campo a seleção canarinha teve de enfrentar seu pior
resultado em Copas do Mundo – um vexaminoso 7×1 contra a Alemanha
-, nossos hermanos viram sua seleção deixar passar para a mesma Alemanha
a oportunidade de encerrar um jejum que já dura 24 anos. Fora de campo,
no entanto, o ano de 2014 mostrou-se apenas um prenúncio do que estaria
por vir – o pior resultado nas contas públicas brasileiras desde 1997,
quando o índice começou a ser medido, e o pior resultado do governo
argentino em 3 décadas, colocaram ambos os países em alerta.
Se para o
Brasil 2015 iniciou-se com a promessa de um novo rumo na economia, na
Argentina começou com a relutância do governo Kirchner em alterar as
bases do governo sob o risco de ser penalizada nas eleições marcadas
para o fim do ano.
O ajuste fiscal, palavra ouvida pelos brasileiros ao
longo de todo o período de 2015, só veio a ser ouvido em solo vizinho no
final do ano, exatamente com o novo presidente eleito em substituição à
presidente Cristina Kirchner – um ex presidente do clube de futebol
mais popular do país.
Passados
meros 3 meses da eleição, os resultados do ajuste proposto por Maurício
Macri seguem incertos. O caminho a ser trilhado, no entanto, parece bem
definido.
contrário de Dilma, cujo orçamento engessado por obrigações
constitucionais levou à realização de um ajuste baseado em corte de
programas sociais, aumento de impostos e corte de investimentos, Macri
prevê levar a Argentina de volta ao crescimento, após a recessão em
2015, trilhando um caminho que mistura uma injeção de otimismo em
relação ao país com equilíbrio nas finanças públicas.
E é aí que
Macri parece disposto a aplicar um novo 7×1 no Brasil.
1. Reduzindo impostos, incentivando a produção no campo.
Primeira
das medidas anunciadas por Macri, a redução de impostos sobre o setor
agrícola exportador garantiu resultados de forma imediata.
Segundo o
jornal argentino Clarín, as receitas do setor aumentaram aproximadamente
100% em poucas semanas.
Produtos como milho e trigo tiveram aumentos de
81% e 88%, respectivamente, em partes pelas medidas virem acompanhadas
da redução da intervenção do governo no controle do câmbio.
Com
exportações agrícolas que representam 39% dos US$ 72 bilhões exportados
pelo país em 2014, as novas regras ajudaram a irrigar o comércio do
interior do país, com a renda obtida no campo.
A medida colabora em
partes para reavivar a economia argentina, além de garantir maior
reforço às reservas em dólar detidas pelo Banco Central do país.
Outras
reduções, como nos impostos sobre motos e automóveis, também foram
anunciadas logo no início do governo do novo presidente argentino.
A nova
postura do governo busca ampliar o comércio do país – e não se restringe
aos grandes exportadores. Ainda em 2015, com menos de dois meses de
governo, Macri anunciou que colocaria fim às “barreiras comerciais”
impostas pelo governo Kirchner aos importados brasileiros.
Calçados,
máquinas e bens de consumo, antes barrados ou obrigados a esperar meses
para obter liberação, agora poderão ser livremente comercializados pelos
dois países.
2. Cortando gastos do time do governo.
Vencendo duas
eleições sob um mantra que a qualifica como uma gestora outsider
da política, Dilma Rousseff enfrentou em 2015 um ano de intermináveis
contradições.
Ao passo em que seu governo anunciava cortes bilionários
nas áreas de saúde e educação, Dilma viajou para a conferência do clima
em Paris com a presença de 800 membros em sua comitiva – de longe a
maior do evento.
Em Paris ou em Nova York, hospedou-se em suítes com
valores que chegam a R$ 60 mil a diária. Para ir do Palácio do Planalto à
base aérea, os veículos Ford Fusion da presidência são sempre os
preteridos em relação ao helicóptero, cujo voo de 5 minutos não sai por
menos de R$ 3 mil, ou a mensalidade média de 2 alunos estudantes de
universidades públicas brasileiras.
Para o
novo presidente argentino, porém, tão importante quanto realizar um
ajuste de corte de gastos, é demonstrar o próprio empenho nesta tarefa.
O
presidente e ex-prefeito de Buenos Aires, que já doava seu salário
integralmente para instituições de caridade na capital do país, tratou
de vender os carros oficiais comprados pela ex-presidente Cristina
(modelos Audi A8l, cujos preços no Brasil podem chegar a R$ 750 mil) e
substituí-los por modelos de fabricação nacional (possivelmente modelos Citroën C4 Lounge, de R$ 84 mil no Brasil).
Anunciou
também que apenas utilizará o serviço público para cuidar de sua saúde,
e por fim, que venderá os já velhos aviões presidenciais, cuja
manutenção consome milhões anualmente, para utilizar aviões de carreira,
como os utilizados para ir ao Fórum Mundial de Davos, na Suíça, em
janeiro deste ano.
3. Organizando o meio de campo.
A exemplo
do Brasil, onde o governo buscou utilizar-se do congelamento de preço e
subsídios de produtos como a gasolina para ampliar sua base de apoio
junto à classe média e aos mais ricos (política que causou prejuízos
superiores a R$ 80 bilhões à Petrobras), a ex-presidente argentina
Cristina Kirchner também buscou aplicar uma política parecida, de forma
especial no setor elétrico.
Com o
modelo, o equivalente a R$ 10 bilhões em contas de luz deixaram de ser
pagos pela população para serem pagos pelo governo central argentino.
A
medida populista possui ainda, a exemplo da gasolina no Brasil, o efeito
de mascarar o índice de preços – como os custos não eram repassados ao
consumidor, o índice que mede a inflação no país não sofria alterações, e
portanto a inflação “deixava de existir”.
Para
equilibrar as contas e reduzir o déficit, o presidente recém eleito
decidiu excluir todos os subsídios, exceto os que estiverem abaixo da
linha da pobreza e de aposentados, do programa de subsídio na tarifa.
Sem aumentar impostos, portanto, o governo pode assim reequilibrar o
orçamento e com isto até mesmo arriscar algumas desonerações de impostos
em outros setores.
A classe média e os ricos da Argentina, antes
acostumados a pagar impostos para o governo pagar sua conta de luz,
agora poderão pagar diretamente por sua energia, levando ainda a uma
maior conscientização e menor desperdício no uso dos recursos.
4. Chamando o protagonismo para si.
Para o
jornal britânico Financial Times, o rumo definido e as perspectivas de
futuro são o suficiente para fazer da Argentina o destaque que antes
cabia ao Brasil no continente.
Essecialmente, destaca o jornal, não há
nenhum indicador que coloque o país vizinho em melhor posição que o
Brasil. O rumo claro demonstrado pelas reformas de Macri, entretanto,
são o suficiente para garantir tal protagonismo.
No
badalado Fórum Mundial de Davos, onde líderes de grandes empresas e
políticos de todo o mundo se reúnem para debater a economia mundial,
enquanto o ministro brasileiro Nelson Barbosa tratava de buscar acalmar o
mercado e garantir que a política brasileira não retornaria ao rumo que
vinha até 2014, o presidente argentino fechava nada menos do que US$ 20
bilhões em promessas de investimento para o país.
No mesmo evento, que
há pouco tempo Lula era premiado como “estadista global”, Dilma hoje
completa dois anos sem sequer se fazer presente – pois, na tentativa de
acalmar investidores, envia apenas seus ministros da Fazenda.
Por lá,
enquanto Nelson Barbosa tentava explicar o derretimento das ações da
Petrobrás, Macri recebia da Shell e da BP acenos de interesse em
investir bilhões de dólares para produzir na Argentina.
5. Organizando uma barca de dispensa.
Ao
justificar a ausência de cortes de gastos nos ajustes fiscais
brasileiros, não é raro ouvir de economistas a explicação de que isto se
deve ao fato de que mais de 80% dos gastos do governo são obrigatórios e
corrigidos pela inflação.
São gastos como benefícios da previdência,
seguro desemprego e funcionalismo público. Impossibilitado de cortar
tais despesas, ministros como Joaquim Levy enfrentaram um dilema ao
realizar cortes.
De um lado, os menos de 20% do orçamento restantes
possuem os gastos de custeio (água, luz, passagens aéreas, material de
escritório, etc) e investimentos, ambos fáceis de serem cortados, como
demonstrou o próprio ministro.
Na parte mais relevante, porém, contam-se
em 100.313 os cargos de confiança do governo – ou seja, aqueles
indicados sem concurso, eminentemente políticos.
Não raro,
os indicados aos cargos de confiança possuem caráter meramente
politiqueiro.
Com esta visão, a de que o governo Kirchner nomeou dezenas
de milhares de militantes para receberem salários às custas da
população, o governo Macri promoveu um corte de nada menos do que 18,6
mil funcionários públicos.
O número, discreto perto dos 3,9 milhões de
funcionários públicos argentinos, representa um ganho político ao novo
presidente, que desmonta desta forma parte de uma máquina orquestrada
para perpetuar o kirchnerismo.
6. Assumindo a liderança.
Desde que
assumiu a presidência, Macri tem se preocupado sobretudo em mudar a
imagem que o mundo possui da Argentina.
Seu foco em política externa,
antes concentrado em agradar países como Cuba e Venezuela, com quem sua
antecessora mantinha próxima relação, foi redirecionado para
uma diplomacia capaz de abrir mercados ao país.
Ao passo
em que a ex-presidente Cristina dificultou a existência do Mercosul ao
criar divergências comerciais com o Brasil, Macri tem não apenas
permitido um maior crescimento do comércio entre ambos os países (um
comércio no qual o Brasil há algum tempo acumula superávits), reduzido o
financiamento à ditadura cubana com o fim do acordo com 380 médicos
agenciados pela ilha para trabalhar no país e colocado fim ao acordo com
o Irã, que previa ao governo argentino menor poder para investigar os
atentados a uma associação judia em Buenos Aires em 1994, em um atentado
cometido por iranianos.
Ainda no campo diplomático, o governo argentino
tem feito severas críticas às prisões de oposicionistas políticos na
Venezuela, fato surpreendentemente inédito no continente.
A política
externa argentina prevê ainda buscar ampliar relações com a Aliança do
Pacífico, firmada por países como Peru, Chile e México, que, segundo
Macri, ajudariam o país a voltar a crescer, na medida em que economias
como estas três tem mostrado crescimento acelerado, enquanto Brasil,
Venezuela e a própria Argentina enfrentam recessões.
7. Ampliando o respeito – que agora voltou.
A exemplo
do Brasil, a Argentina ainda sofre os resultados de anos de congelamento
de preços e intervenções mal sucedidas para congelar índices de preços.
Ao contrário daqui, entretanto, os índices argentinos são cada dia
menos confiáveis e as instituições privadas impedidas de divulgarem seus
próprios resultados (como faz a FGV no Brasil). A inflação oficial do
país é uma incógnita.
No auge da crise de desconfiança, o índice chegou a
variar entre 10,8% (a oficial do governo) e 25,6% (de consultorias
privadas), em 2012.
De lá para cá, o que se sabe é que os
números permanecem acima de dois dígitos, colocando o país ao lado do
Brasil e da Venezuela como as 3 maiores taxas de inflação do continente.
Índices
confiáveis são parte fundamental do plano do governo atual para
reinserir a Argentina no mercado internacional.
Ao fraudar
sistematicamente sua inflação e manipular o câmbio, o governo afastou a
maior parte dos investidores internacionais, como a própria Vale do Rio
Doce, que desistiu de um projeto com investimento avaliado em US$ 6
bilhões.
Índices pouco confiáveis são ainda uma das causas do alto custo
de captação da dívida argentina, que ainda sofre os efeitos do calote
aplicado em 2001, restringindo ainda mais a pouca oferta de dólares do
país.
Por aqui,
entretanto, com juros e inflação em alta e um forte indicativo de que o
governo pretende reanimar a economia aplicando a mesma receita da
chamada “Nova Matriz Econômica”, principal causa da recessão atual na
economia, podemos nos consolar que Dilma tenha marcado ao menos um gol
de honra nesta partida tão desigual:
1. Dilma escreveu um novo capítulo na história, provando que o modelo petista tende a sofrer goleadas.
Ao longo
de 8 anos, o ex-presidente Lula pode desfrutar de uma economia estável,
com taxas de crescimento superiores à média recente e um governo com uma
enorme quantia de recursos para gastar.
Com os preços dos principais
produtos vendidos pelo Brasil em alta, a economia brasileira viveu um boom,
capaz de fazer qualquer um acreditar que o país havia simplesmente
reinventando a forma de lidar com a economia.
Não mais era preciso
economizar e investir, como fazem todas as economias ricas do mundo. O
sacrifício da poupança foi substituído pelo prazer do crédito. O governo
pode distribuir aos montes.
No início
de seu primeiro governo, quando petistas como Maria da Conceição Tavares
ainda chamavam a equipe econômica de Lula de “neoliberal”, além de
outros adjetivos (como o apelido de “débil mental” atribuído ao
economista Marcos Lisboa, um dos responsáveis por criar o Bolsa
Família), Lula pode desfrutar de um ajuste fiscal ao qual Dilma foi
incapaz de proceder.
Com amplo apoio popular e político, Lula bancou uma
equipe econômica com liberais dos mais variados, levando o país ao
maior superávit primário da história, e uma redução drástica dos níveis
de endividamento.
Se por um
lado esta equipe acabou expulsa – ou pediu para sair – quando em 2006
Guido Mantega assumiu o Ministério da Fazenda, Lula ainda teve de lidar
com um Banco Central não alinhado às ideias, gastanças e farra
creditícia defendidas por Mantega.
Foi apenas
com Dilma, portanto, que o governo obteve o tão sonhado alinhamento
entre Banco Central e Ministério da Fazenda – ou seja, controle pleno
sobre a política econômica.
Deste casamento perfeito entre um BC
inconsequente que financia a farra de crédito e um Ministério da Fazenda
que gasta sem assumir responsabilidades, nasce a tão conhecida “Nova
Matriz Econômica”.
Demonstrar o seu fracasso é portanto um golaço de
Dilma Rousseff.
Dela em diante, se ainda restavam dúvidas, a política
econômica petista tende a expor nosso país ao mesmo destino: sofrer
goleadas.