Relatório da Abin revela pressão de Israel e EUA sobre América do Sul - Jamil Chade

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EXCLUSIVO: Relatório da Abin revela pressão de Israel e EUA sobre América do Sul 

Abin destacava a pressão de Washington contra Assunção por conta da “suposta transigência com o financiamento do terrorismo”
18/12/2025 | 05h30 

Jamil Chade
Jamil Chade

Cruzando fronteiras com refugiados, testemunhando crimes contra a humanidade, viajando com papas ou cobrindo cúpulas diplomáticas, Jamil Chade percorreu mais de 70 países. Com seu escritório na sede da ONU em Genebra, ele foi eleito o segundo jornalista mais admirado do Brasil em 2025. Chade foi indicado 4 vezes como finalista do prêmio Jabuti. Ele é embaixador do Instituto Adus, membro do conselho do Instituto Vladimir Herzog e foi um dos pesquisadores da Comissão Nacional da Verdade. 


Os governos dos EUA e de Israel colocaram pressão sobre o Paraguai por conta da suposta existência de bases de financiamento do Hezbollah na Tríplice Fronteira, envolvendo ainda o Brasil e a Argentina.

A informação faz parte de documentos da agência e que foram obtidos após uma longa batalha judicial pela Fiquem Sabendo, organização sem fins lucrativos especializada em transparência pública.

Nesta semana, o secretário de Estado norte-americano Marco Rubio assinou um acordo de cooperação militar entre os EUA e o Paraguai, levantando preocupações no Itamaraty sobre o envolvimento de forças armadas americanas cada vez mais próximas das fronteiras do país.

Em maio de 2025, o governo de Donald Trump lançou sua primeira ação de combate ao terrorismo na Tríplice Fronteira, oferecendo uma recompensa permanente de até US$ 10 milhões por informações que “levem ao rompimento dos mecanismos financeiros da organização terrorista Hezbollah”, em especial no Brasil e região.

O foco é o financiamento de grupos ligados ao Irã que, nos últimos meses, passou a ser alvo de medidas da Casa Branca num esforço para asfixiar o regime de Teerã.

Mas o assunto estava no radar de Trump desde seu primeiro mandato. No relatório de inteligência N° 0063/92300 de 15 de fevereiro de 2019, a Abin destacava a pressão de Washington contra Assunção por conta da “suposta transigência com o financiamento do terrorismo”.

“Membros do governo paraguaio têm se mostrado cada vez mais incisivos em seus
posicionamentos contra a pressão política conduzida pelos governos dos Estados Unidos da América (EUA) e de Israel no tocante aos temas relativos à segurança na região da Tríplice Fronteira (TF) Brasil-Paraguai-Argentina”, afirmou o documento.

Segundo a Abin, a manifestação do desconforto das autoridades de segurança paraguaias aconteceu em janeiro daquele ano, numa reunião na sede do Banco Central do Paraguai, em Assunção.

“O evento, realizado anualmente sob os auspícios dos EUA, aconteceu pela terceira vez na América do Sul e, pela primeira vez, no Paraguai. A edição de 2019, iniciativa argentina e estadunidense para a discussão de questões transacionais, especialmente financiamento ao terrorismo e lavagem de dinheiro, serviu também como preparatória da visita técnica do Grupo de Acción Financiera de Latinoamérica (Gafilat), que ocorrerá este ano no Paraguai”, explicou a agência.

Trechos do documento da Abin

Durante o encontro, as autoridades paraguaias deixaram claro “o desconforto com respeito às reiteradas alegações da presença do Hezbollah no país”. “As ilações normalmente estão associadas a atividades de contrabando e lavagem de dinheiro operadas por pessoas supostamente vinculadas ao grupo político-militar. Vários ministros têm se manifestado quanto à inexistência de provas. até o momento, sobre a atuação direta do Hezbollah no país, sendo a mais enfática a ministra Mara Epifanía González, da Secretaria de Prevenção de Lavagem de Dinheiro Bens (Seprelad)”, disse.

O ministro Esteban Aquino Bernal, da Secretaria Nacional de Inteligência (SNI), também foi duro e destacou a “inexistência de provas concretas até o momento, não descartando porém, a possibilidade de que libaneses pertencentes à tradicional comunidade muçulmana da região venham a ter algum tipo conexão com o grupo”.

A Abin apontou que, “não obstante seu posicionamento, Esteban Aquino apresentou de forma superficial casos envolvendo pessoas possivelmente relacionadas com o Hezbollah na lavagem de dinheiro na Tríplice Fronteira, não tendo, contudo, revelado dados que evidenciassem tal relação”.

“Ele destacou os riscos de criminalizar pessoas, em particular, e a região de maneira generalizada, além de assegurar que o dinheiro envolvido nos casos citados leve como intermediários organizações não governamentais atuantes no Paraguai e instituições do sistema bancário dos EUA”, insistiu o informe.

A Abin ainda informou que “logo após fazer tais referências, sua fala teria sido cortada a pedido da organização sob alegação de esgotamento do tempo estipulado para sua palestra”.

“É provável que o aumento da pressão sobre o Paraguai tenha ainda cunho retaliatório sobre o atual presidente da República, Mario Abdo Benitez, o qual, no início de seu mandato. determinou o retorno da embaixada paraguaia em Israel de Jerusalém para Tel Aviv”, avaliou a Abin.

“A despeito de admitir a existência de pressões sobre o Paraguai, inclusive de organizações não governamentais estadunidenses, o embaixador dos EUA no país afirma que tais pressões não provêm do seu governo. Segundo o embaixador, oficialmente, o governo dos EUA não acusa o Paraguai de leniência em relação a financiamento do terrorismo, mas somente em relação a lavagem de dinheiro”, completou a nota.

Como foram obtidos os documentos

O acesso aos documentos da Abin ocorreu depois de seis anos de batalha por parte da Fiquem Sabendo e é considerado como um divisor de águas para a transparência no Brasil.

Documentos classificados são informações públicas que, por motivos de segurança da sociedade ou do Estado, são temporariamente mantidas em sigilo. Os documentos obtidos já foram desclassificados e, portanto, estão fora do prazo de sigilo. De fato, entre 2014 e 2020, mais de 400 mil documentos federais perderam o sigilo.

Mas o acesso nem sempre está garantido. Assim, o projeto Sem Sigilo começou em 2019, quando a entidade convocou voluntários para pedir documentos cujo prazo de sigilo expirou. A iniciativa coletou milhares de páginas de dezenas de órgãos, mas enfrentaram resistência de entidades como Abin, GSI, Ministério da Defesa, Forças Armadas, Polícia Federal e Itamaraty.

Em 2020, eles ajuizaram uma ação contra a Abin. A ideia era enfrentar o órgão mais resistente à transparência pública porque apostavam que, se ganhassem, outros cairiam por gravidade.

Em 2021, o MPF acolheu parcialmente os argumentos e sugeriu que a Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI), do Congresso, analisasse os documentos. Corretamente, o Congresso se recusou, afirmando não ser sua competência.

Em 2023, a ação sofreu uma derrota em primeira instância. A Justiça aceitou o argumento da União de que a Abin poderia decidir sozinha o que divulgar ou não — mesmo contrariando o texto da LAI.

Mas, em maio de 2025, a 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) acatou o pedido e condenou, por unanimidade, a União e a Abin a entregar um conjunto de documentos mantidos ilegalmente sob sigilo.

A decisão tem um impacto profundo, já que:

Estabelece jurisprudência: é a primeira decisão em nível federal que reafirma que nenhum órgão está acima da LAI — e que seus prazos não são opcionais.

Cria precedente: o entendimento agora pode ser replicado para cobrar outros órgãos que seguem descumprindo a Lei, como o Itamaraty e as Forças Armadas.

Desmonta o sigilo eterno: reafirma que a transparência é a regra, e o sigilo, a exceção — com prazo.


https://iclnoticias.com.br/exclusivo-relatorio-da-abin-revela-pressao-de-israel-e-eua-sobre-america-do-sul/


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