PGR denuncia Moro ao STF sem pedido de prisão. Senador choraminga. É a lei!

 

Reinaldo Azevedo 

Colunista do UOL
17/04/2023 23h14

O senador Sergio Moro (União Brasil-PR) publicou um vídeo no Twitter em defesa, parece, do "devido processo legal". Uau! Como diz um amigo, a Terra Plana não gira; ela capota. Moro falando em devido processo legal? Aliás, parece que o, digamos, ambiente jurídico em que este senhor circula pode ser chamado de tudo, menos de convencional. E não. A PGR não pede a sua prisão. Vamos com calma.

Qual é o busílis? Numa micareta junina ou algo assim, alguém do entorno de Moro faz uma "brincadeira" sobre um conviva que teria sido preso naquela gaiolinha em que é preciso pagar uma prenda para reconquistar a liberdade. Ao menos era assim no meu tempo de moleque. Adulto, não brinquei mais com coisas de moleque. De toda sorte, alguém com a visível concordância de Moro o filma dizendo a seus amigos, e ele está olhando para a câmera: "Não, isso é fiança. Instituto para comprar um habeas corpus do Gilmar Mendes".

É mesmo?

Parece que uma pessoa, desse grupo de amigos, houve por bem publicar o vídeo nas redes. Ora, se um senador da República, com a importância de tal investidura, diz que um ministro da corte suprema do país vende "habeas corpus", das duas uma: ou denuncia algo muito grave ou comete uma calúnia.

Nos anos do terror lavajatista, tanto Moro como alguns procuradores se acostumaram com a facilidade com que pautavam a imprensa contra os tribunais, muito especialmente contra ministros do STF que não lhes faziam as vontades. "Tudo brincadeira retirada do contexto"? Pois é. Há casos em que seria preciso combinar com o alvo, não é mesmo?

A pessoa do seu entorno que tornou publica a sua "brincadeira" estava disposta a demonstrar que é tal a sua intimidade com Mendes que esta pode abrigar esse tipo de coisa ou pretendia submeter o ministro ao achincalhe? A propósito: quem é que, tendo qualquer nível de proximidade com um magistrado do STF se atreveria a fazer essa brincadeira?

Mendes entrou com uma representação contra Moro na Procuradoria-Geral da República. É evidente que a questão é grave, dadas as personagens envolvidas, e requer resposta rápida. A vice-procuradora-geral Lindôra Aaraújo enviou denúncia ao Supremo em que acusa Moro de calúnia. E afirma:
"O denunciado SERGIO FERNANDO MORO emitiu a declaração em público, na presença de várias pessoas, com o conhecimento de que estava sendo gravado por terceiro, o que facilitou a divulgação da afirmação caluniosa, que tomou-se pública em 14 de abril de 2023, ganhando ampla repercussão na imprensa nacional e nas redes sociais da rede mundial de computadores".

E mais:
"Ao atribuir falsamente a prática do crime de corrupção passiva ao Ministro do Supremo Tribunal Federal GILMAR FERREIRA MENDES, o denunciando SERGIO FERNANDO MORO agiu com a nítida intenção de macular a imagem e a honra objetiva do ofendido, tentando descredibilizar a sua atuação como magistrado da mais alta Corte do País".

ACUSAÇÃO E PENA DE PRISÃO
Em sua denúncia -- a íntegra está aqui --, Lindôra acusa Moro de calúnia, conforme Artigo 138 do Código Penal, crime que pode render pena de seis meses a dois anos de detenção. Se houver agravantes, previstos no Artigo 141, ela pode ser majorada, por item, em um terço. No caso, a PGR lembra as majorações possíveis:
- se cometido contra funcionário público, em razão de suas funções, ou contra os Presidentes do Senado Federal, da Câmara dos Deputados ou do Supremo Tribunal Federal;
- se cometido na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da calúnia, da difamação ou da injúria;
- se cometido contra criança, adolescente, pessoa maior de 60 (sessenta) anos ou pessoa com deficiência.

E aí vem a confusão. Lindôra requer quatro coisas. No Item d, em caso de condenação, pede:
"d) com a condenação, a decretação da perda do mandato eletivo de Senador da República pelo Estado do Paraná, caso aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos, conforme estabelecido no art. 92, inciso I, alínea "b", do Código Penal".

Como fica evidente, não pediu a prisão de ninguém. Observa que ele tem de perder o mandato CASO APLICADA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE SUPERIOR A QUATRO ANOS.

VÍDEO DE MORO
Em vídeo divulgado nas redes, Moro se diz injustiçado e afirma que nem foi ouvido previamente. Ele sabe que isso é desnecessário nesse caso. Até porque terá condições de fazê-lo no juízo competente: o STF. Ou ele pretende abrir mão, também agora, do foro especial? Vai pedir de novo a primeira instância de Curitiba? Não é ele que escolhe.

Vamos ver o que mais pede Lindôra:
a) a notificação do denunciado para apresentar resposta preliminar à acusação, no prazo de quinze dias, ao teor do disposto no artigo 4º da Lei n° 8.038/1990;
b) o recebimento da denúncia e a consequente instauração da ação penal, com a citação do acusado para oferecer defesa prévia aos termos da imputação, no prazo cinco dias, conforme estabelecido no art. 8º da Lei nº 8.038/1990;
c) a deflagração da instrução criminal e, ao final, a total procedência da pretensão punitiva para a condenação do denunciado às sanções cominadas ao delito descrito nesta denúncia;
e) a fixação de valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração penal, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido, nos termos do art. 91, inciso I, do Código Penal e do art. 387, inciso IV, do Código de Processo Penal.

A ministra Cármen Lúcia foi sorteada para a denúncia apresentada pela PGR.

Moro escolheu o caminho mais fácil, que é o da autovitimização. Parece-me que cabe a ele próprio indagar a um dos seus próximos por que diabos resolveu colocar o tal videozinho nas redes. Era um carinho ao ministro Gilmar Mendes?

Ele terá a chance que reclama: 15 dias para se explicar a Cármen Lúcia. Se a ministra aceitar a denúncia, como pede a PGR, a partir do recebimento, terá mais cinco dias para oferecer denúncia prévia.

Tudo de acordo com o devido processo legal. À diferença do que ele diz.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL 

https://noticias.uol.com.br/colunas/reinaldo-azevedo/2023/04/17/pgr-denuncia-moro-ao-stf-sem-pedido-de-prisao-senador-choraminga-e-a-lei.htm

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