Acordo de Bolsonaro ameaça SUS e autonomia em remédios, denuncia governo

 

Jamil Chade - 


Um acordo assinado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro com a Europa ameaça o abastecimento local de remédios e produtos médicos ao SUS (Sistema Único de Saúde). 

Agora, o novo governo quer rever o texto e garantir que a indústria nacional possa ser fortalecida.

O tratado colocado em questão faz parte do entendimento entre o Mercosul e a União Europeia, assinados entre os dois blocos em 2019. O processo vive um impasse e o acordo jamais entrou em vigor. Mas fontes dentro do governo revelam que, na pressa para fechar o entendimento, Brasília cedeu em pontos considerados como estratégicos para a indústria nacional de remédios.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva já indicou que quer fechado o acordo comercial com a Europa até meados de 2023. Mas a lista de impasses é ainda importante.

Um deles é a abertura ao mercado de compras governamentais, permitindo que empresas europeias possam competir de igual para igual em licitações públicas no Brasil. Pequenas e médias empresas nacionais teriam uma margem de vantagem. Mas ainda assim, em uma escala insuficiente.

Durante as negociações, exceções foram criadas em alguns setores para proteger as empresas brasileiras. Mas, quando o novo governo Lula assumiu, a constatação é de que tais mecanismos não são suficientes.

Na avaliação interna do governo, se efetivado, o acordo colocaria em risco políticas públicas necessárias ao SUS.

Após a guerra por respiradores, vacinas, testes e outros remédios durante a pandemia da covid-19, governos em todo o mundo abriram um intenso debate sobre as políticas de abastecimentos para seus respectivos setores de saúde e hospitais.

A constatação de dezenas de países foi de que, sem uma indústria nacional, sociedades inteiras ficaram dependentes e vulneráveis ao abastecimento externo.

70% dos remédios do SUS produzidos no Brasil em dez anos

Nesta semana, o governo Lula anunciou a retomada de mecanismos que tinham sido criados em 2008 para construir uma política nacional de abastecimento de remédios e inovação, conhecido como Grupo Executivo do Complexo Econômico-Industrial da Saúde.

O mecanismo foi fechado por Bolsonaro. Agora, Lula colocou como objetivo que 70% dos medicamentos, equipamentos e vacinas que abasteçam o SUS até 2033 seriam produzidos no país.

Reduzir o déficit comercial de remédios foi sempre um objetivo, nos dois primeiros mandatos de Lula como presidente.

  • Hoje, porém, o Brasil importa 90% de todo o insumo para remédios e vacinas.
  • No total, o déficit comercial do setor da Saúde é de US$ 20 bilhões. A única área da economia que soma um déficit ainda maior é de eletrônicos.

Acordo com UE ameaça política de inovação

Agora, membros do governo Lula estimam que o risco com o novo acordo com a UE é de que o tratado acabe com a política nacional de inovação e tecnologia em saúde e com o novo marco para inovação.

O UOL apurou que o mandato para que o Itamaraty negociasse esse acordo foi aprovado em meados de 2018. Mas passou por cima das posições do Ministério da Saúde e pelo Ministério de Ciência e Tecnologia.

Quando Bolsonaro assumiu, um ano depois, pode seguir adiante com a negociação, sem voltar a consultar os demais órgãos. Dentro do novo governo, o temor é de que os europeus encontrem vasta facilidade para ficar com contratos em enormes licitações abertas nos próximos anos.

Existem elementos específicos no acordo que garantem períodos de transição e permitem que algumas das aberturas ocorram apenas em oito ou quinze anos.

Mas na avaliação do atual governo, isso não pode ser chamado de "flexibilidade". O entendimento seria apenas para dar tempo para reverter a política brasileira e acabar com os instrumentos de fortalecimento do SUS, seja pela produção local ou pela inovação.

Entre diplomatas e membros do Ministério da Saúde, as exceções estabelecidas no texto do acordo não são suficientes e não cobre todos os pontos da política e inovação.

Alguns chegam a alertar que, para preservar a política industrial no setor de remédios, a única solução seria retirar o Ministério da Saúde por completo do acordo e desobrigá-lo a abrir contratos sempre para todas as empresas europeias.

Mas, segundo fontes, vários dos negociadores que atuaram no acordo em 2019 formavam parte da equipe do então ministro da Economia, Paulo Guedes. E continuam hoje no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio. 

https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/

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