Ataques russos expõem Bolsonaro e aprofundam isolamento do país
Jamil Chade
Colunista do UOL
24/02/2022 05h24
A decisão do presidente Jair Bolsonaro (PL) de visitar a Rússia na semana passada entrará para a história da diplomacia presidencial brasileira como um dos maiores equívocos cometidos por um chefe-de-estado. Os ataques conduzidos pelo presidente russo Vladimir Putin contra a Ucrânia expõem o Palácio do Planalto e, na avaliação de negociadores estrangeiros, isolam ainda mais Bolsonaro entre o bloco de democracias.
Há uma semana, Bolsonaro desafiou militares brasileiros, uma ala do Itamaraty e a pressão do governo dos EUA e optou por manter sua viagem ao Kremlin. Encurralado e disposto a mostrar que seu governo não iria ceder às pressões do presidente norte-americano Joe Biden, ele manteve a missão, Mas bastou um deslize de sua parte, anunciando "solidariedade" aos russos, para que a viagem se transformasse em uma dor de cabeça para a chancelaria.
A coluna apurou que, nos bastidores, a crise ucraniana foi mencionada apenas "marginalmente" na conversa de mais de uma hora entre Bolsonaro e Putin. Mas foi a ausência de um apelo forte do brasileiro para que o russo aderisse a um pacto de não agressão que chamou a atenção internacional.
Oficialmente, a UE (União Europeia) não comenta a viagem de Bolsonaro, enquanto fontes diplomáticas brasileiras apontam que Bruxelas deixou a crítica explícita ser feita pelo governo de Joe Biden. A Otan também se recusou a tecer um comentário oficial.
Mas nos altos círculos diplomáticos da Europa, o sentimento é de que Bolsonaro foi "ridicularizado", principalmente depois de usar a viagem para vender a ideia de que ele convenceu Putin a retirar tropas da região.
Para um embaixador na ONU de uma das maiores economias da UE, a viagem de Bolsonaro e seu comportamento em Moscou mostrou que o brasileiro "nutre uma simpatia maior por autocratas como Putin e Xi Jinping que por líderes europeus".
No governo brasileiro, o argumento é de que Bolsonaro tentou ser recebido pela Europa Ocidental. Mas teve as portas fechadas, inclusive pelo premiê Boris Johnson, no Reino Unido.
Para outro negociador europeu, isso não é motivo para, então, sair em busca de líderes autoritários como chancela de seu reconhecimento internacional. "Essa viagem foi um enorme tiro no pé. Mas, no fundo, quem é que fica hoje surpreendido pelas ações de Bolsonaro", afirmou um embaixador do bloco europeu.
Ávido por mostrar ao seu eleitorado que não estava isolado, Bolsonaro conseguiu aprofundar seu status de pária internacional.
De acordo com negociadores em Paris, o Itamaraty imediatamente iniciou um processo de esclarecimento da postura brasileira e, na noite de quarta-feira, chegou a declarar na ONU que um ataque era "inaceitável". Mas, ao longo dos últimos dias, a chancelaria tem evitado usar a palavra "condenação" e muito menos citar Putin em seus discursos, apenas indicando que todos os atores precisam ter suas preocupações ouvidas.
"Não sabemos qual a política externa do Brasil. A do Itamaraty, que parece estar em uma insurreição interna, ou a do presidente", acusou um embaixador estrangeiro.
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