Uma crise chamada Alcolumbre Nada tão parecido com o velho Renan quanto o novo Alcolumbre. Se ele insistir mesmo na candidatura à presidência do Senado, a legitimidade do Legislativo estará em xeque - A democracia, sempre é bom repetir, não é a aplicação da vontade da maioria ao sabor das conveniências.

O senador Davi Alcolumbre mergulhou ontem o Senado e o país na maior crise institucional da história recente. 

Por Helio Gurovitz 

Ao presidir uma sessão preparatória por mais de cinco horas, na tentativa de garantir a votação aberta e evitar a eleição de Renan Calheiros à presidência da Casa, Alcolumbre pôs em xeque a legitimidade do próprio Legislativo.

Se concorrer mesmo à presidência, sua insistência terá impacto maior que as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) de depôr presidentes da Câmara e do Senado. Maior que a sessão em que o Supremo abriu mão da prerrogativa de decidir sobre o julgamento criminal de parlamentares. Maior que a manobra de Renan Calheiros para garantir os direitos políticos de Dilma Rousseff na sessão do impeachment.

Se for candidato e vier a ser eleito presidente do Senado, Alcolumbre terá aberto espaço para contestação judicial não apenas das votações de ontem e hoje, mas de toda lei que for aprovada no Senado, de toda medida que for tomada pela Mesa Diretora. A democracia está em risco.

A democracia, sempre é bom repetir, não é a aplicação da vontade da maioria ao sabor das conveniências. Ela consiste na expressão dessa vontade por meio de regras aceitas e respeitadas por todos os atores políticos. Desrespeitar as regras para impor os anseios da maioria é tão antidemocrático quanto ignorá-los.

Os crimes atribuídos a Renan Calheiros, suas manobras sórdidas e seu caráter sibilino não servem de justificativa para o desrespeito às regras expressas no regimento do Senado. O clamor popular por uma nova forma de política, livre de conchavos e do “toma lá, dá cá”, não é pretexto para lançá-las ao léu. O preço para evitar a eleição de Renan não pode ser o descrédito irremediável de um dos maiores poderes da República.

Foi isso o que se viu na sessão de ontem. Não apenas na falta de decoro expresso na sucessão de bate-bocas e xingamentos, na captura da pasta da presidência pela senadora Kátia Abreu ou no clima de briga de estádio que tomou conta do plenário. O gatilho que desencadeou toda a crise foi o desrespeito flagrante de Alcolumbre ao regimento do Senado e, portanto, às regras escritas da democracia brasileira.

Em toda a balbúrdia, dois elementos de ofensa flagrante se destacam. Primeiro, uma sessão preparatória não tem a prerrogativa de alterar as regras de votação, como foi feito ontem, quando o plenário aprovou o voto aberto por 50 votos a dois. Mudanças regimentais só podem ser realizadas durante a sessão legislativa, que começa apenas na segunda-feira. Casos excepcionais devem contar com aprovação unânime. A votação de ontem já foi, por tais motivos, contestada e anulada pelo presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli.

O segundo elemento, ofensa ainda maior, por se tratar não apenas de uma regra explícita, mas de uma questão ética fundamental, foi a presença de Alcolumbre na cadeira da presidência da Casa. Como candidato ao posto, ele tinha obrigação legal e moral de deixá-la ao senador mais idoso, José Maranhão.

Sua insistência em permanecer tanto tempo sentado, ao arrepio das leis humanas e da própria natureza, sua recusa conveniente em responder se era candidato revelam não só imaturidade, insegurança e despreparo para o cargo. São também prova de ambição desmedida pelo poder. Seus atos traduzem as mesmíssimas práticas da velha política que a nova legislatura promete combater.

Nada tão parecido com o velho Renan quanto o novo Alcolumbre. Nada tão sintomático quanto o desprezo às regras regimentais em nome da conveniência. Nada tão cristalino quanto a condução desastrosa da articulação política do governo pelo ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, artífice da candidatura Alcolumbre e pai intelectual da esbórnia que tomou conta ontem do Senado.

O governo precisará de maioria qualificada de três quintos para aprovar reformas, a da Previdência com urgência maior. Se persistir o espírito que tomou conta do Senado, se Alcolumbre insistir mesmo em sua candidatura em desafio à lei, o país estará diante de uma crise institucional sem precedentes. Enquanto ela persistir, não haverá reforma nem nas instalações sanitárias do Senado.

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