Comerciantes de Salesópolis modernizam fiado para evitar calote Modalidade foi trocada por crediário próprio. Pequenos estabelecimentos ainda marcam as compras.

 Comerciante olha fichário onde anota as compras dos clientes (Foto: Maiara Barbosa/G1)
Comerciante e o funcionário Walter Rodrigues conferem fichário onde estão anotações de clientes que compram fiado em Sabaúna, Mogi das Cruzes (Foto: Maiara Barbosa/G1)

Gladys Peixoto 
Do G1 Mogi das Cruzes e Suzano

Com pouco mais de 16 mil habitantes, Salesópolis cultiva hábitos típicos de cidade pequena. Um deles é o fiado: aquela modalidade de venda que tem como base a confiança entre comerciante e consumidor.

 A Associação Comercial da Estância Turística de Salesópolis estima que de 70% a 80% do comércio da cidade ainda recorra ao fiado. No entanto, algumas mudanças estão sendo feitas nesse tipo de relação comercial. 

Tudo para evitar algo que vem crescendo no comércio: o calote. 
As anotações das antigas cadernetas estão migrando para sistemas de computador com o reforço de consultas ao Serviço Central de Proteção ao Crédito (SCPC).

 “Ao fazer um cadastro do cliente com comprovação de renda e consulta ao SCPC, se esse consumidor não pagar a conta é possível negativá-lo. 

Pelos menos de 25% a 50% dos consumidores negativados retornam às lojas para pagar seus débitos. Já as cobranças por telefone e por cartas são infrutíferas”, avalia o vice-presidente da associação comercial, Eros Camargo Campioni. 

Comerciantes do Alto Tietê ainda fazem venda de confiança (Foto: Maiara Barbosa/G1)Comerciantes do Alto Tietê ainda fazem venda
de confiança (Foto: Maiara Barbosa/G1)
Ele diz que na cidade pequenos comércios, como açougues e padarias, ainda vendem fiado para alguns clientes. 

Os débitos são anotados em cadernetas. “Em Salesópolis se não vender fiado não consegue vender. Existem consumidores que pagam à vista e compram no cartão de crédito, mas são poucos.

 É uma questão cultural que está na cidade há muito tempo. Antigamente era melhor porque a palavra tinha muito valor, mas a questão mudou um pouco porque infelizmente também tem alguns aproveitadores”, destaca Campioni.
Fundada em 2006, a Associação Comercial tem atualmente 150 associados entre lojas, bares, restaurantes e hotéis.

 A entidade está fazendo um trabalho para conscientizar os comerciantes da importância de modernizar o sistema de vendas do comércio. “Eu sempre falo para o associado que grandes redes de varejo também vendem fiado, mas tomam cuidados nessa venda.”

O próprio Campioni modernizou sua loja de roupas na cidade. 

Ele tem o estabelecimento há 11 anos e conta que anotava em um fichário dados do cliente, como nome, RG, CPF, endereço e telefone e os produtos que compravam. Agora o fiado do fichário passou para o crediário próprio. 

O cliente entra na loja faz seu cadastro e a compra. Os dados ficam armazenados em um sistema de computador que também ajuda a gerir estoque, vendas diárias, caixa, etc.

 E ainda existe a consulta ao SCPC para aprovação do cliente. “Esse sistema não só controla a compra, mas permite uma análise do perfil do cliente. Mas também somos flexíveis com a escolha da data do pagamento. 

Por exemplo, se paga de 30 em 30 dias com carnê. Mas se o cliente vier comprar no dia 10 e receber no dia 15 pode pedir a gente deixa o vencimento para essa data.”

Salesópolis e a cidade mais são-paulina do Brasil (Foto: Vitor Geron/GE)Salesópolis vem modernizando a prática do fiado
(Foto: Vitor Geron/GE)
Comerciante em Salesópolis desde 1992, Mauro dos Santos também vendia fiado em sua antiga loja de material de construção.

 “Na época todo mundo marcava em caderneta as compras e nem consultava SCPC. A gente vendia assim para quem conhecia. Tirava o pedido e o cliente anotava quando recebia e pronto. Não tinha nem ficha cadastral”, afirma Santos. 

Hoje ele tem uma loja de móveis e já acumula uma carteira de quase 4,5 mil clientes. De lá para cá muita coisa mudou na maneira de administrar o negócio. Uma delas foi a troca do fiado na caderneta pela informatização da loja e implantação do crediário próprio.

 “A inadimplência está crescendo. Antes era baixa e não passava de 4% ao mês. Mas agora está acima de 8%. Eu sempre fui muito organizado, mesmo quando vendia fiado. 

É preciso ter organização e saber para quem vender” orienta o comerciante. Mas  mudar essa cultura do fiado não foi tarefa das mais facéis.

 “No início, o cliente era resistente em aceitar assinar a ficha cadastral, apresentar CIC e RG. Eu tinha que explicar que era uma norma da loja.

 Na loja de material de construção no começo tinha gente que nem queria fazer o cadastro. Era uma cultura que tinha que mudar”, conta Santos.
Mauro dos Santos aponta a implantação da Associação Comercial  como um diferencial para fazer essa mudança.

 “Hoje tem muitos associados que já consultam o SCPC, mas os pequenos como padarias e comércios de bairros ainda vendem fiado”, destaca o comerciante que é diretor e foi o primeiro presidente da entidade na cidade.
Para Santos, a tendência é que o fiado acabe um dia. 

“A confiança hoje já não é mais a mesma. Às vezes a pessoa é de bem, mas os filhos assumem a vida dos pais, vai mudando. Tem também essa crise financeira que faz com que muita gente deixe de pagar por não ter condições mesmo.”

Fichas de cliente são anotadas em fichário que comerciante tem a 30 anos (Foto: Maiara Barbosa/G1) 
Fichas de cliente são anotadas em fichário que
comerciante tem a 30 anos
(Foto: Maiara Barbosa/G1)
Confiança
 
É nas páginas de um fichário que o comerciante Nelson Gomes de Faria, mais conhecido como Batata, anota as compras do cliente. 


Desde 1962, ele é comerciante no distrito de Sabaúna em Mogi das Cruzes. Nessa época quem comandava o comércio era o pai de Faria que já vendia fiado para a clientela. Ao assumir o negócio, Batata manteve o hábito. “Ainda tenho 20% das vendas no fiado. Tenho clientes que compram assim há 20, 30 anos”, afirma.

Mas o comerciante é criterioso ao conceder esse tipo de crédito aos clientes, especialmente, os novos. Ele diz que vende assim somente para as pessoas muito conhecidas. Para essas não tem nem cadastro, o Batata sabe onde moram e para algumas até entrega as compras.

Era o fio do bigode, como se dizia, que selava a compra. Tinha seriedade e compromisso. A educação também era outra.”"
Nelson Faria, comerciante
Na época do pai, ele lembra que muitas famílias que viviam da agricultura compravam fiado na caderneta. 

“Tinha uma família que plantava uva. Então na época da colheita eles tinham dinheiro, vinham aqui e gastavam. Quando acabava o dinheiro era só na caderneta. E eles pagavam somente na outra colheita. Era o fio do bigode, como se dizia, que selava a compra. Tinha seriedade e compromisso. A educação também era outra.”

Walter Martins Rodrigues trabalha com Batata há 15 anos. Ele conta que antigamente era mais fácil vender fiado porque as pessoas honravam o compromisso. 
“Por exemplo, meu pai tinha um sítio que ele plantava uva. 

 A colheita de uva é uma vez só por ano e só quando ele conseguia vender a colheita é que ele pagava o armazém que tinha aqui em Sabaúna. 

Uma vez, ele comprou um outro sítio. Mas a colheita não foi boa e não deu para pagar a conta. 
Para cumprir com a promessa dele, meu pai avaliou um dos sítios e deu para o dono do armazém”, afirmou Rodrigues.

Batata mantém costume que era do pai de vender fiado no empório (Foto: Maiara Barbosa/G1)Batata mantém costume que era do pai de vender
fiado no empório (Foto: Maiara Barbosa/G1)
Batata avalia que essa prática deve desaparecer do comércio de Sabaúna. Ele já nota má-fé em alguns consumidores. 

“É gente nova que vem no comércio, faz a primeira compra e paga. Depois faz uma segunda compra um pouco maior e paga. Já na terceira aumenta o número de itens e some.

 Por isso, os comerciantes devem ficar atentos com esse tipo de comportamento. Acho que o ideal seria a gente conversar e trocar nomes de quem já deu calote. É a única maneira de se proteger”, acredita Batata.

Na pequena e turística Guararema, o comerciante Gerson Alexandre Camasmie também faz fiado, mas para clientes selecionados.

 Ele comanda uma frutaria que serve sucos e lanches naturais no calçadão. Camasmie diz que tem clientes que pagam a cada 15 dias conforme recebem vales e salários.

 “Eu vendo assim para quem trabalha na galeria onde o meu comércio está instalado ou para gente que trabalha em alguma empresa aqui perto. 

Agora, por exemplo, se alguém estranho chega e pede fiado eu não vendo. 

Eu tenho um caderninho onde anoto o nome do cliente, telefone, documento, endereço e lanço os valores que ele gasta”, explica o comerciante.

Ele diz que o fiado é uma maneira de conquistar o cliente. “Ajuda a vender.

 O cliente procura o comércio que oferece essa modalidade e se eu não oferecer, outro vai fazer isso.

” Ele estima que atualmente vende fiado para 10% de sua clientela.

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