Sem palavra: traições de Motta vão de Lula a Alcolumbre

Presidente da Câmara acumula episódios de promessas descumpridas, de acordos com o governo Lula até entendimentos com Davi Alcolumbre, e expõe falta de confiança em suas articulações

19/09/2025 | 05h00 

Por Cleber Lourenço

Hugo Motta (Republicanos-PB) tornou-se um personagem central no tabuleiro político de Brasília, mas sua ascensão veio acompanhada de uma marca incômoda: a de político que fala uma coisa e faz outra. Nos últimos dois anos, o hoje presidente da Câmara protagonizou uma série de episódios que revelam como seus compromissos assumidos raramente resistem à pressão das circunstâncias. De promessas firmadas com o governo Lula a entendimentos costurados com o senador Davi Alcolumbre, a lista de palavras empenhadas e logo abandonadas não para de crescer, consolidando sua imagem de político que joga de acordo com o vento.

O exemplo mais escandaloso ocorreu em torno da anistia aos golpistas do 8 de janeiro. Durante a campanha para comandar a Câmara, em janeiro de 2025, Motta garantiu ao PT que não pautaria a anistia. Essa promessa foi repetida em discursos públicos, nos quais dizia que não cederia a “chantagens” e que era inaceitável perdoar quem planejou ataques contra as instituições democráticas. Sua posição firme lhe rendeu a confiança de setores da base governista. Mas a firmeza durou pouco: pressionado pela direita, em setembro ele pautou a urgência da anistia e defendeu em plenário uma suposta “reconciliação do presente”. O gesto contrariou a palavra dada e mostrou que sua coerência é limitada pela conveniência.

Não foi a primeira nem a última vez. Em fevereiro, nas negociações pela Mesa Diretora, Motta prometeu ao PP entregar a 2ª Vice-Presidência da Casa ao deputado Lula da Fonte. Quando venceu, ignorou o acordo e deu o cargo ao União Brasil, deixando o aliado de lado. Poucos meses depois, em junho, voltou a se contradizer: comemorou nas redes sociais a derrubada de um decreto que aumentaria o IOF, posando como defensor do contribuinte e declarando que o “país não aguenta mais impostos”. Ocorre que dias antes, a própria Mesa que ele presidia havia patrocinado projeto que ampliava privilégios e aumentava gastos do Legislativo. O discurso anticrise fiscal conviveu, mais uma vez, com a prática de aumentar a conta.

Motta

Presidente da Câmara acumula episódios de promessas descumpridas, de acordos com o governo Lula até entendimentos com Davi Alcolumbre, e expõe falta de confiança em suas articulações

A relação com os bolsonaristas também ilustra bem o padrão. Eles apoiaram sua candidatura à presidência da Câmara confiantes de que a anistia seria colocada em votação imediatamente. Meses depois, revoltados com a demora, cobraram em plenário o descumprimento do combinado. A reação inicial de Motta foi teatral: acionou a Polícia Legislativa contra parlamentares que ocuparam a Mesa e posou como guardião da ordem. Horas depois, no entanto, recuou e, em reunião reservada, prometeu pautar exatamente os projetos exigidos pelos insurgentes — incluindo a própria anistia. O episódio revelou a distância entre a retórica pública de autoridade e a prática privada de acomodação.

No Senado, a pecha de “sem palavra” ganhou corpo. Senadores relatam que Motta havia se comprometido com Davi Alcolumbre a permitir que a discussão sobre a anistia começasse na Casa Alta, em formato mais restritivo, reduzindo penas em vez de conceder perdão amplo. O acordo parecia fechado, mas no dia seguinte ele atropelou a costura e pautou a urgência na Câmara. A quebra de palavra foi recebida como afronta direta a Alcolumbre e aprofundou a desconfiança sobre sua condução política.

Esses casos não foram exceção, mas parte de um padrão. Em seus discursos, Motta repete que “não podemos negociar a democracia”. Na prática, foi o presidente da Câmara que conduziu a aprovação da PEC da Blindagem, emenda que ampliou o foro privilegiado e criou novos mecanismos de autoproteção para parlamentares, fortalecendo exatamente o que dizia rejeitar. Quando questionado sobre sua linha de atuação, insiste em se vender como independente — “não sou deputado bolsonarista nem governista”. Mas os levantamentos de votações mostram outra realidade: apoiou o governo Lula em mais de 90% das vezes, índice superior ao de muitos petistas.

A contradição entre palavra e prática percorre todos os campos em que atua. Com o governo, prometeu previsibilidade e cooperação, mas surpreendeu o Planalto ao pautar de forma inesperada a derrubada de decretos do IOF, causando uma derrota considerada histórica. No discurso, defendeu equilíbrio fiscal; na ação, autorizou projetos que ampliam privilégios de parlamentares. Com aliados do centrão, acena acordos de cargos e poder, mas não entrega. Com bolsonaristas, ensaia enfrentamento público, mas recua e os atende em reuniões privadas. Com o Senado, pactua negociações, mas as ignora no dia seguinte.

Para ilustrar a sequência de episódios, um resumo das principais contradições de Hugo Motta:

  • Janeiro de 2025: prometeu ao PT que não pautaria a anistia; em setembro, colocou a urgência em votação.
  • Fevereiro de 2025: garantiu ao PP a 2ª Vice-Presidência da Câmara; entregou o cargo ao União Brasil.
  • Junho de 2025: prometeu apoiar o governo na manutenção do IOF, mas no dia seguinte liderou a derrubada da medida do Executivo e escalou a disputa contra o Palácio do Planalto, rompendo um combinado acordado. Ao mesmo tempo, apoiou projeto que aumentava privilégios e gastos do Legislativo.
  • Agosto de 2025: reprimiu bolsonaristas que ocuparam a Mesa, mas horas depois negociou e prometeu pautar suas demandas.
  • Setembro de 2025: ignorou acordo com Alcolumbre e iniciou a tramitação da anistia pela Câmara, em vez de pelo Senado.
  • 2025: discursou contra autoproteção parlamentar, mas conduziu a aprovação da PEC da Blindagem.

O saldo é claro: Hugo Motta construiu poder à custa de trair compromissos, quebrar entendimentos e desmoralizar aliados. De Lula a Alcolumbre, passando por partidos que acreditaram em sua palavra, todos já foram desmentidos por suas ações. Hoje, em Brasília, poucos ainda levam a sério suas garantias. Sua palavra vale cada vez menos — e essa percepção já é parte indissociável de sua trajetória política.

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