Rueda é dono de aviões operados por empresa de voos do PCC
Piloto diz que Rueda é dono de aviões operados por empresa de voos do PCC
Segundo o piloto, presidente do União Brasil era citado pelo dono e por funcionários da TAP como o líder de um grupo que financiou clandestinamente a compra de aeronaves particulares
Por Leandro Demori, Cesar Calejon, Flávio VM Costa e Alice Maciel, do ICL Notícias;
Thiago Herdy, Colunista do UOL
Um piloto que transportava regularmente a dupla que liderava um mega-esquema de lavagem de dinheiro que atendia ao PCC afirmou em depoimento à Polícia Federal que o presidente do União Brasil, Antonio Rueda, está entre os verdadeiros donos de quatro dos dez jatos executivos operados por uma empresa de táxi aéreo.
Em entrevista exclusiva ao ICL Notícias, Mauro Caputti Mattosinho, 38 anos, disse que Rueda era citado por seu chefe como o líder de um grupo que “tinha muito dinheiro que precisava gastar” na compra de aeronaves, avaliadas em dezenas de milhões de dólares.
“Havia um clima de ‘boom’ de crescimento na empresa. E isso foi justificado como sendo um grupo muito forte, encabeçado pelo Rueda, que vinha com muito dinheiro que precisava gastar. Então, a aquisição de várias aeronaves foi financiada”, diz Mattosinho na entrevista gravada em vídeo.
Rueda nega ser dono das aviões e “repudia com veemência qualquer tentativa de vincular seu nome a pessoas investigadas ou envolvidas com a prática de algum ilícito”, afirmou em nota oficial.
O presidente do União Brasil diz que “já voou em aeronaves particulares em voos fretados por ele ou como convidado”, mas que “nunca participou da compra das aeronaves”. E que costuma realizar seus deslocamentos “em voos comerciais”.

Piloto Mauro Caputti Mattosinho
“A história que contei para vocês eu repeti para a Polícia Federal”, afirmou Mattosinho, na entrevista ao ICL Notícias. A reportagem teve acesso ao depoimento, prestado por ele há 17 dias no aeroporto Catarina, em São Roque (SP), antes de pedir demissão.
Mattosinho entrou na TAP (Taxi Aéreo Piracicaba) em 2023 e saiu há duas semanas, depois de transportar os parentes de Beto Louco para o Uruguai na véspera da mega-operação da PF, da Receita e do Ministério Público de SP, realizada no fim de agosto, que revelou um enorme esquema de lavagem de dinheiro que inclui o uso de fundos de investimento.
O piloto afirma ter transportado ao menos 30 vezes Mohamad Hussein Mourad, mais conhecido como Primo, e Roberto Augusto Leme da Silva, o Beto Louco. Ambos são apontados como líderes do esquema que atendia ao PCC e estão foragidos da Justiça.

Mohamad Hussein Mourad, o Primo, e Roberto Augusto Leme da Silva, o Beto Louco
O piloto, que se diz indignado pelo conteúdo das conversas que presenciou, procurou o ICL Notícias pela primeira vez em novembro do ano passado.
O ICL Notícias e o UOL apuraram que duas aeronaves atribuídas por Mattosinho a Rueda pertencem a fundos de investimentos que têm apenas um controlador, cujo nome não é divulgado.
Uma terceira aeronave está em nome de uma empresa registrada na periferia de Imperatriz (MA). Em entrevista, a única sócia da empresa disse desconhecer a firma e a aeronave.
Na entrevista em vídeo, Mauro Mattosinho reafirmou ter transportado em voo uma sacola de papelão que aparentava conter dinheiro vivo, na mesma data em que Beto Louco mencionou a outros passageiros que teria um encontro com o senador Ciro Nogueira (PI), presidente nacional do PP, conforme revelou o ICL Notícias no dia 1º deste mês.
O senador nega ter “tido proximidade de qualquer espécie” com Beto Louco e também nega ter recebido qualquer valor. Ciro ingressou com processo contra o ICL Notícias, pedindo pagamento de indenização por danos morais.
“O senador tem direito de buscar a Justiça em uma sociedade em pleno exercício do Estado Democrático de Direito. Não o teria em caso de ditaduras, nem armadas e nem ‘de toga’. O ICL não se intimida com tentativas de assédio judicial e reafirma a qualidade de suas práticas jornalísticas”, reagiu Leandro Demori, diretor de jornalismo do ICL Notícias..
O piloto trabalhou de novembro de 2023 até o começo deste mês na empresa Táxi Aéreo Piracicaba, conhecida pela sigla TAP. Ele começou atuando como piloto de voos do Primo e depois passou a atender Beto Louco. Os dois estão foragidos da Justiça.
A TAP é administrada pelo empresário Epaminondas Chenu Madeira. O ICL Notícias teve acesso a conversas de Whatsapp entre Mattosinho e Epaminondas, em que o dono da TAP cita “Beto” e “Moha”, referindo-se a Beto Louco e Mohamed (Primo).

Mauro Caputti Matosinho e Epaminondas Chenu Madeira
“Irmão ta foda a situação Beto e Moha Velho. Eu voltando vamos trocar uma ideia. Pra nós alinhar. Mas os caras lá tão foda. Mas to carregando nas costas sozinho”, escreveu Epaminondas no dia 14 de março de 2025, às 16h50. A reportagem transcreveu a mensagem da maneira como ela foi escrita.
Procurada, a defesa de “Primo” informou que não irá se manifestar. Já o advogado de “Beto Louco”, Celso Vilardi, não retornou os contatos.
A TAP operava cinco aeronaves em 2023 e, neste ano, passou a operar dez, de acordo com Mattosinho.
Em nota, a empresa informou “desconhecer qualquer declaração atribuída a funcionário sobre aquisição de aeronaves” e atuar “em observância à lei”. A empresa afirma que “não tinha conhecimento do envolvimento de investigados na Operação Carbono Oculto até sua deflagração”.
“Por fim, não pode fornecer informações sobre clientes ou passageiros sem autorização destes ou por requisição das autoridades competentes”, acrescentou, em nota.
Aeronaves em nome de terceiros
Mattosinho diz que Rueda viaja constantemente em jatos operados pela mesma empresa, embora ele não fosse o piloto destes voos. Era mencionado como “Ruedinha”, diminutivo de seu nome.
A vida de luxo e as polêmicas que envolvem o político foram relatadas no ano passado em reportagem do UOL.
“[Rueda] É uma pessoa que já fazia negócios com a Táxi Aéreo Piracicaba desde quando eu cheguei lá como funcionário, aproximadamente dois anos atrás. Ele já era um nome que circulava como [sendo] sócio em uma aeronave de pequeno porte”, lembra.
A aeronave à qual ele se refere é o jato bimotor Raytheon 390 Premier, matrícula PR-JRR.
De acordo com os registros da Anac, a aeronave pertence à empresa Fênix Participações, controlada pelo advogado Caio Vieira Rocha, filho do ex-ministro César Asfor Rocha; pelo ex-senador Chiquinho Feitosa (Republicanos-CE) e por um dono de concessionárias de Pernambuco.
Falando em nome dos sócios, Vieira Rocha negou que Rueda tenha participação na aeronave ou tenha viajado nela.
”Antonio Rueda não é proprietário da aeronave e nem sócio de nenhuma das 3 empresas sócias da aeronave”, escreveu Vieira Rocha.
Conforme registros oficiais,o jatinho foi comprado pela Fênix por US$ 2,3 milhões (R$ 13 milhões), em 2 de outubro de 2024. A transação foi feita com a RZK Empreendimentos Imobiliários, que havia adquirido a aeronave em 2014.
A RZK pertence a José Ricardo Rezek, que é doador do União Brasil, dentre outros partidos, e próximo a Antônio Rueda. Rezek estava na lista de convidados do aniversário de 50 anos do presidente da legenda este ano. A empresa informou por meio de nota que nunca vendeu nenhuma aeronave a Rueda. “Ele jamais atuou como intermediário em qualquer compra e venda e muito menos participou das negociações. A aeronave citada foi regularmente vendida à Fênix Participações Ltda., em conformidade com todas as normas legais, devidamente registrada na Anac”, acrescentou.
Os outros três jatinhos bimotores que, segundo o piloto, teriam sido adquiridos com participação de Rueda são: um Gulfstream G200, matrícula PS-MRL; um Citation Excel, matrícula PR-LPG; e um CitationJet 2, matrícula PT-FTC.
O Gulfstream G200 e o Citation Excel pertencem a empresas controladas pela Bariloche Participações S/A, empresa com capital social de R$ 110 milhões e controlada por fundos de investimentos geridos pelo banco Genial.
Um único cotista do Viena Fundo de Investimento Multimercado é dono do patrimônio da Bariloche, de acordo com a Comissão de Valores Imobiliários (CVM). Sua identidade não é divulgada em documentos públicos.
“Rueda não tem relação com a Bariloche Participações S.A., tampouco é ou foi cotista do Viena Fundo de Investimento Multimercado”, informou a assessoria do presidente do União Brasil.
A quarta aeronave citada pelo piloto, o CitationJet, está em nome da Serveg Serviços.
Localizada em imóvel da periferia de Imperatriz (MA), a empresa tem como atividade principal criação de bovinos, mas registra atividades secundárias diversas, que vão de serviços de malote não realizados pelos Correios a limpeza, conforme cadastro na Receita Federal. A firma está em nome de Antonia Viana Silva Soares.
Procurada, ela disse que desconhece as atividades da Serveg. “Não sei o que você está falando, não”, disse ela, desligando o telefone. Em seguida, bloqueou o número de contato da reportagem.
O uso de fundos de investimento para ocultar patrimônio ou para realizar operações de lavagem de dinheiro foi uma das principais descobertas das operações recentes da PF que miraram no PCC e em empresas financeiras sediadas na Avenida Faria Lima, em São Paulo.
Interesse em aeronave que foi à Grécia
Mattosinho afirmou que o presidente do União Brasil tinha interesse em adquirir uma quinta aeronave, um Gulfstream de Série 550, matrícula PS-FSR, capaz de realizar viagens intercontinentais. A negociação desse modelo de luxo começa a partir de US$ 10 milhões (R$ 54,5 milhões). O piloto não sabe se a transação foi concretizada.
O jatinho foi colocado à venda em julho deste ano, conforme anúncio publicado nas redes sociais de uma empresa que comercializa aeronaves.
No entanto, o site da empresa informava nesta semana que ela não está mais disponível.
A aeronave está registrada em nome do agente de jogadores Luís Fernando Garcia, dono da Elenko Sports. Ele negou ao ICL Notícias que seu jatinho tenha sido vendido e que Rueda tenha realizado viagens nele.
Garcia bloqueou o contato da reportagem no aplicativo. Ele alegou que não responderia aos questionamentos por entender que se trata de negócios particulares.
Em agosto, Rueda reuniu políticos, empresários e artistas para comemorar seus 50 anos na ilha grega Mykonos, que faz parte de um arquipélago no Mar Egeu.
O site de monitoramento global de voos, Adsb Exchange, mostra que o Gulfstream viajou em 31 de julho de Brasília à região de Mykonos, na Grécia. O aniversário de Rueda foi comemorado do dia primeiro ao dia 4 de agosto na ilha.
Ainda segundo o site de monitoramento, a aeronave saiu dia 10 da região em direção ao Brasil, aparecendo próximo a Sorocaba (SP) no dia 11.
O dono da TAP enviou mensagens de Whatsapp a Mattosinhos no dia 6 de agosto, falando sobre o serviço na Grécia, aos quais também tivemos acesso. “Irmão. Tô numa correria absurda com avião lá na Grécia. Pode tocar com Brunão pfv Ta foda aqui. 2 dias varados.
“Acompanhando programação da Grécia”, escreveu Epaminondas ao funcionário.
À reportagem, Rueda disse ter viajado em voo comercial da British Airways para a Grécia, dias antes do voo identificado pela reportagem. E negou ter adquirido a aeronave citada pelo piloto.
Investigado do governo Bolsonaro
A TAP está oficialmente registrada no nome da mãe de Epaminondas Chenu Madeira. O empresário, e também piloto, no entanto, é quem toca os negócios. Ele é sócio de outras duas empresas de táxi aéreo, a ATL Airlines e a Aviação Alta.
Mattosinho afirma que pilotava o bimotor Israel G150, prefixo PR-SMG, que pertence aos donos da Copape Produtos de Petróleo. Primo e Beto Louco ainda seriam sócios ocultos de Epaminondas na compra de outros dois jatinhos.
Documentos públicos mostram que a ATL Airlines e a Aviação Alta são cotistas da Capri Fundo de Investimento em Participações, que tem como representante legal Rogério Garcia Peres, alvo da operação realizada pelo MP-SP contra o esquema do PCC. Ele está foragido.
Advogado, Peres é apontado pela promotoria como “administrador de fundos de investimento, amplamente envolvido com o grupo Mohamad, sócio em postos de combustíveis”.
Ele foi nomeado em 17 de setembro de 2019 pelo Secretário Executivo do Ministério da Economia, Marcelo Pacheco dos Guaranys, para exercer o mandato de Conselheiro, representante dos Contribuintes, junto à Primeira Turma Ordinária da Terceira Câmara da Primeira Seção de Julgamento do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do ministério.
A pasta à época era chefiada por Paulo Guedes.
Segundo o MP-SP, Peres também seria o controlador da Altinvest Gestão e Administração de Recursos de Terceiros, também alvo da operação.
A gestora de fundos aparece como administradora do fundo Capri em um relatório de demonstração financeira de 2024, registrado na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), com o nome Ruby Capital Gestão e Administração de Recursos de Terceiros.
A reportagem apurou, no entanto, que o CNPJ registrado no documento com este nome é o mesmo da Altinvest.
Mattosinho afirma que o nome da Ruby foi citado por Epaminondas Madeira e por um advogado da TAP, durante um diálogo que mantiveram quando o piloto apresentou sua demissão.
De acordo com o piloto, o advogado de Epaminondas afirmou que o “Ruby estava intacto”, querendo dizer que o fundo não tinha sido identificado pelas operações da PF e do MPSP, o que revelou não ser verdade já que a Altinvest foi alvo da Operação Carbono Oculto.