EUA vetam proposta do Brasil na ONU e resolução sobre Gaza fracassa

 

EUA vetam proposta do Brasil na ONU e resolução sobre Gaza fracassa

Jamil Chade
Colunista do UOL

Com um veto dos EUA, o Conselho de Segurança da ONU não conseguiu aprovar nesta quarta-feira a resolução costurada pelo Brasil e que propunha que uma pausa humanitária fosse estabelecida em Gaza. O fracasso aprofunda a crise política e escancara a incapacidade das potências de chegar a um entendimento para frear o ciclo de mortes.

Para ser aprovada, uma resolução no Conselho precisa de nove votos, dos 15 membros do órgão. Mas não pode contar com nenhum veto.

Ao final de um longo processo de negociação, o texto somou doze votos de apoio e duas abstenções (Rússia e Reino Unido). Mas o poder de veto dos EUA, um tradicional aliado de Israel, foi suficiente para derrubar a proposta. O voto era visto como um teste para a credibilidade do Conselho que, nos últimos sete anos, não havia conseguido aprovar nenhum entendimento entre as potências no que se refere à crise entre palestinos e israelenses.

Cerco aos civis de Gaza é humanamente inaceitável

Votaram pela resolução os seguintes países: Brasil, França, Malta, Japão, Gana, Gabão, Suíça, Moçambique, Equador, China, Albânia, e Emirados Árabes.

O Brasil, nas últimas horas, amenizou o texto, na esperança de conseguir o apoio dos EUA. Mas antes mesmo do processo negociador começar, a Casa Branca já havia avisado de forma sigilosa ao Itamaraty que os americanos não queriam qualquer tipo de ação do Conselho de Segurança sobre o tema.

"Tristemente, muito tristemente, o silêncio e inação prevalecem", lamentou o embaixador do Brasil na ONU, Sérgio Danese. Para ele, o projeto era equilibrado e lembrou que os civis não podem continuar sofrendo.


EUA explica seu veto; China chama veto de "incrível"

O governo americano explicou seu veto e lamentou que o texto não fazia uma referência para que fosse estabelecido o direito de autodefesa por parte de Israel. "Todos os países têm esse direito", afirmou a embaixadora dos EUA na ONU, Linda Thomas Greenfield.

Ela ainda deixou claro que o "duro trabalho diplomático" está ocorrendo e que Joe Biden está na região justamente para negociar um acordo. "Precisamos deixar aquela diplomacia ocorrer", insistiu.


O governo russo não poupou críticas ao governo Biden. "Somos testemunhas da hipocrisia dos EUA. Eles não queriam uma solução aqui", lamentou.

Já a China afirmou estar "em choque" diante do comportamento dos EUA e apontou que o texto brasileira era "a visão da comunidade internacional". A delegação de Pequim qualificou o gesto americano de "incrível" e destacou como os EUA não manifestaram oposição ao texto nos últimos dias. "Esperávamos que iriam votar a favor", disse.

A crise ainda ficou clara quando, antes da votação do texto brasileiro, o Conselho de Segurança não chegou a um acordo sobre uma emenda apresentada pela Rússia e que pedia duas coisas: uma condenação aos ataques contra o hospital de Al Ahli e um apelo explícito por um cessar-fogo. O governo americano vetou os termos.

Quando a resolução brasileira foi considerada, portanto, o clima já era de tensão.

Inicialmente, foram os russos quem apresentaram um projeto de resolução, numa ato de interpretado como um oportunismo diplomático por parte de Vladimir Putin para se reposicionar no cenário internacional como um defensor da paz.

O texto, porém, sequer mencionava o Hamas e foi rejeitado pelo Ocidente. Na esperança de impedir um impasse, o Brasil - que preside o Conselho - submeteu aos governos um projeto alternativo. A votação foi adiada em duas ocasiões, na esperança de que um consenso pudesse ser negociado. Mas não foi suficiente.


Depois de cinco dias de intensas negociações, a esperança do Itamaraty era de que o documento fosse considerado como equilibrado o suficiente para impedir que EUA ou Rússia vetassem os termos propostos pelo Brasil.

Mas isso tampouco foi suficiente. O órgão da ONU já havia se reunido em três ocasiões desde o começo da nova fase do conflito. Mas, por exigência dos americanos, o encontro ocorreu a portas fechadas. Não houve um entendimento sequer para pedir o fim da violência.

Agora, foi o veto que impediu um acordo.

Brasil amenizou resolução para atrair apoio dos EUA

Conforme o UOL revelou com exclusividade, o Itamaraty fez várias gestões para atrair o apoio dos EUA nos últimos dias. Pressionado pela Casa Branca, o Brasil havia aceitado retirar do texto original a referência a um cessar-fogo. O termo era considerado como inaceitável por parte dos EUA, já que poderia criar um problema para o apoio que Israel quer para manter sua guerra contra o Hamas.

A alternativa apresentada pelo Itamaraty foi a de trocar o termo "cessar-fogo" por "pausa humanitária", período no qual alimentos e remédios poderiam ser distribuídos para a população de Gaza e quando feridos poderiam ser retirados.


Mas ai foram os russos que não concordaram. Moscou apresentou emendas ao texto brasileiro, sugerindo que o termo "cessar-fogo" fosse recolocado.

Faltando poucas horas para o voto, o Brasil ainda mudou o texto, uma vez mais para atender aos americanos. O texto original pedia a "imediata rescisão da ordem de evacuação de civis e funcionários da ONU de todas as áreas de Gaza ao norte de Wadi Gaza".

Na nova versão, a palavra "imediata" é retirada, num esforço para atender aos americanos.

Outro impasse foi a referência ao governo de Israel.

Na proposta, o texto brasileiro condenava os "ataques terroristas do Hamas" e pedia a libertação dos reféns israelenses, num sinal claro por parte do Brasil para evitar um veto dos EUA.

Mas o texto também fazia um apelo para que o governo de Benjamin Netanyahu abandonasse seu ultimato para que os palestinos deixem o norte da Faixa da Gaza e insistia que todos os atores devem respeitar o direito humanitário internacional.


Mas, para os russos, havia um desequilíbrio entre como o Hamas era citado e Israel.

Moscou sugeriu que o texto trouxesse uma referência explícita de condenação aos "ataques indiscriminados contra Gaza", numa ação deliberada contra Israel e seus aliados Ocidentais. Mas essa referência não foi aceita pela Casa Branca.

O objetivo do Brasil era o de conseguir que nenhuma das potências usasse seu poder de veto. Uma abstenção por parte de um deles já seria suficiente para permitir que o texto seja aprovado.

Mas nada disso foi possível. Há sete anos o Conselho da ONU não chega a um consenso sobre a questão entre Israel e Palestina. O governo de Luiz Inácio Lula da Silva, que preside o órgão no mês de outubro, esperava usar o encontro e a iniciativa para mostrar seu protagonismo em debates sobre a segurança internacional.

Mas o veto de hoje representa um sinal claro da dificuldade que a comunidade internacional terá para chegar a um acordo.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2023/10/18/potencias-divergem-e-resolucao-do-brasil-por-cessar-fogo-em-gaza-e-vetada.htm

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