OCDE questiona 'viés político' de PGR, procuradores e juiz na Lava Jato

 

Jamil Chade
Colunista do UOL
Conversas entre Sergio Moro e Deltan Dallagnol foram reveladas pelo Intercept Brasil
Conversas entre Sergio Moro e Deltan Dallagnol foram reveladas pelo Intercept Brasil Imagem: AG. SENADO/AG. BRASIL

Num informe publicado nesta quinta-feira, o Grupo de Trabalho Antissuborno da OCDE (uma espécie de clube dos países mais ricos) demonstrou "preocupação" diante da impunidade no Brasil ao lidar com casos de corrupção. Mas alertou para o que chamou de "viés político" de procuradores e da Justiça na Operação Lava Jato, da atuação da Procuradoria-Geral da República e destacou a necessidade de que não haja uma politização do combate à corrupção.

A entidade, que sabatinou o Brasil na semana passada e realizou uma visita ao país, lamentou ainda que nenhum indivíduo investigado chegou a receber condenação definitiva por suborno transnacional no Brasil. Dos nove envolvidos em processos sobre esse tema, oito já foram absolvidos por prescrição do crime.

De acordo com o documento, o grupo que avaliou o Brasil está "preocupado com o fato de o Brasil aparentemente ter investigado apenas 28 das 60 alegações de suborno estrangeiro identificadas até o momento deste relatório".

"Além disso, o Brasil só apresentou ações de aplicação em dois casos, sendo que o primeiro processo judicial criminal do Brasil ainda está em andamento, apesar de ter começado em 2014", afirmou.

Segundo o informe, "é ainda mais preocupante o fato de que oito das condenações originais nesse caso foram anuladas em recurso por terem prescrito".

Outro destaque do informe é a decisão do ministro Dias Toffoli, do STF, de anular as provas do acordo de leniência da Odebrecht.


Diante do caso, os examinadores estrangeiros recomendam que o "Grupo de Trabalho acompanhe as possíveis consequências que essa decisão pode ter sobre os acordos de leniência do Brasil em questões de suborno estrangeiro, em especial a extensão em que isso pode afetar sua segurança jurídica".

"Eles também recomendam que o Grupo de Trabalho acompanhe as possíveis consequências que essa decisão pode ter sobre a capacidade do Brasil de fornecer e obter assistência jurídica mútua em casos de suborno estrangeiro", afirma o documento.

Viés político

O debate sobre a Lava Jato também entrou no radar da OCDE. Em seu informe, a entidade indicou que, em 2019, a imprensa obteve acesso a mensagens privadas trocadas entre procuradores federais e um juiz federal (Sergio Moro) envolvido em uma força-tarefa da Lava Jato encarregada de investigar e processar vários crimes, inclusive suborno estrangeiro. Trata-se de uma referência às conversas entre procuradores da Operação Lava Jato.


"Essas mensagens mostraram que os procuradores federais e um juiz federal agiram com viés político em casos envolvendo várias figuras políticas nacionais", disse.

"Concluindo que o juiz havia violado seu dever de imparcialidade, a Suprema Corte anulou várias condenações ou outras decisões proferidas contra indivíduos específicos. A politização e a falta de neutralidade reveladas por essas mensagens também levaram à descontinuação do modelo de forças-tarefa", aponta o documento.

A OCDE ainda destaca que, entre 2019 e 2022, a entidade Transparência Internacional Brasil (TI-BR) "compartilhou vários relatórios com o Grupo de Trabalho, nos quais enfatizou o aumento da politização do Gabinete do PGR nos últimos anos".

"De acordo com a TI-BR, o mandato do atual PGR tem sido marcado, em particular, por "interferência política indevida em investigações de alto nível".

"Embora esses incidentes não tenham sido relacionados a casos de suborno estrangeiro, a TI-BR sustenta que eles "têm o potencial de reduzir a capacidade institucional do Ministério Público e sua autonomia para investigar grandes esquemas de corrupção envolvendo políticos e empresários proeminentes, e reverter o engajamento das autoridades e instituições brasileiras no combate à corrupção", disse

Segundo a OCDE, os jornalistas também reconheceram essa situação durante a visita in loco.


"Com um governo recém-eleito tendo tomado posse em janeiro de 2023 e o mandato do então PGR terminando em setembro de 2023, os participantes da visita in loco indicaram que estavam aguardando sinais de mudança que eram prematuros para discutir neste momento", afirmou o documento.

"Em sua opinião, a seleção do próximo PGR será um importante marcador da direção futura do Brasil. No entanto, o Brasil enfatiza que se trata da única instituição que não está vinculada ao Poder Executivo e, portanto, é independente no exercício de suas funções", completou.

Independência

No informe, os examinadores enviados pela OCDE apontaram que "questões de independência" surgiram nos últimos anos sobre a atuação de procuradores. O documento, porém, não cita os nomes dos envolvimentos.

Para eles, isso pode "prejudicar os esforços da polícia e dos promotores públicos para investigar ou processar casos de suborno estrangeiro".

"Os examinadores estão seriamente preocupados com a percepção de falta de independência e autonomia dos promotores que surgiu e com o efeito inibidor decorrente da combinação entre a ampliação da Lei de Abuso de Autoridade e recentes ações disciplinares — ou mesmo cíveis e criminais — contra procuradores atuando em casos importantes de corrupção", disse.

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Eles também observam com preocupação que, conforme confirmado pelo Supremo Tribunal Federal, "o viés político influenciou as decisões de aplicação da lei em um caso proeminente de corrupção doméstica, bem como as percepções, com base em vários relatórios, de politização do Gabinete do Procurador-Geral da República e de interferência indevida do ex-presidente na Polícia Federal e em outros órgãos de investigação".

"Esses casos representam um risco de que considerações impróprias possam surgir em casos de suborno estrangeiro", disse.

Diante dessa situação, o informe sugere ao Brasil que "tome todas as medidas necessárias, com prioridade, para garantir que os fatores proibidos pelo Artigo 5 da Convenção não possam, em nenhuma circunstância, influenciar a investigação, o processo e a resolução de casos de suborno estrangeiro ou prejudicar de qualquer outra forma a independência dos promotores".

Entre as medidas, eles sugerem:

implementação de salvaguardas para proteger o Gabinete do Procurador Geral contra a politização ou a percepção de politização;

reforço das garantias contra possíveis vieses políticos por parte dos agentes de aplicação da lei

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Pedem que Grupo de Trabalho verifique se existem medidas suficientes para evitar interferência política na Polícia Federal e em outros órgãos de investigação.

Cooperação internacional

Num comunicado de imprensa, a entidade Transparência Internacional apontou que a OCDE "expressa preocupação sobre as consequências da decisão sobre a capacidade de investigadores brasileiros seguirem cooperando internacionalmente".

"Em contraposição à premissa da decisão do ministro, que colocou em xeque as tratativas diretas entre procuradores brasileiros e estrangeiros, o relatório da OCDE avaliou positivamente que "todas as autoridades competentes, incluindo a CGU, o MPF e a PF, promoveram laços e contatos informais, através do envolvimento com suas contrapartes estrangeiras, bem como da participação em iniciativas regionais ou outras redes de agentes da lei".

Segundo a entidade, a OCDE ainda recomenda ao Brasil "desenvolver e manter esses laços e essa cooperação informais é reconhecido como uma boa prática, crucial e internacionalmente aceita".

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2023/10/19/ocde-questiona-vies-politico-da-pgr-procuradores-e-juiz-na-lava-jato.htm

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