Brasil manda recado aos EUA e leva tema de volta ao Conselho da ONU

Jamil Chade

Colunista do UOL

21/10/2023 15h44…

Segundo o Itamaraty, serão tratados temas como corredor humanitário e a busca por um cessar-fogo. 

Mas não há previsão de nova votação nem uma nova resolução por enquanto.

As partes interessadas poderão usar o evento para expressar suas opiniões sobre o tema. 

Mas, dizem diplomatas brasileiros, uma nova resolução ainda será alvo de consultas.

"Sugiro que continuemos essa conversa lá, no mais alto nível possível, na tentativa de continuar buscando consenso para uma ação imediata", propôs o chanceler aos demais líderes.


O governo de Joe Biden, além de vetar a resolução, já havia avisado ao Brasil que não aceitaria que o tema fosse tratado pelo Conselho.

Israel e Estados Unidos

A cúpula foi marcada pelo fato de os governos de Israel e dos EUA terem esnobado o evento, organizado pelo Egito. A reunião conta com presidentes, monarcas e ministros de vários países, mas Tel Aviv não enviou ninguém e o governo americano apenas destacou uma diplomata sem qualquer influência (leia mais abaixo).


Apesar dos apelos por um cessar-fogo durante a conferência, Gaza continuava sendo alvo de bombardeios e os informes circulados pela ONU denunciavam contínuas violações.

O Egito havia convidado o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o evento. Mas, recuperando-se de uma operação, ele ordenou que seu chanceler, Mauro Vieira, representasse o país. Vieira afirmou que o Brasil está "preocupado" com a escalada da violência e a deterioração da segurança. Segundo ele, Lula pediu que a mensagem brasileira fosse de se somar a quem pede "calma e paz" na região.

Brasil denuncia ataques terroristas do Hamas, mas cobra Israel por crise em Gaza

O chanceler fez questão de denunciar e rejeitar de "forma inequívoca os ataques terroristas" cometidos pelo Hamas, em 7 de outubro. Ele também citou o sequestro de israelenses, lembrando que três brasileiros foram assassinados.

Mas insistiu em cobrar de Israel respostas diante da crise em Gaza. Segundo ele, o governo de Benjamin Netanyahu, como potência ocupante, tem "responsabilidades específicas" sob o direito internacional de proteger os civis no território palestino. "Isso precisa ser cumprido em qualquer circunstância", alertou.

Como muitos países, temos cidadãos esperando ser evacuados de Gaza, enquanto olhamos de forma alarmada a deterioração da situação humanitária da região, especialmente a falta de remédios, alimentos e água.

Mauro Vieira


Ele ainda defendeu o início da negociação entre israelenses e palestinos, apontando que as últimas décadas mostraram que "não existem vencedores" e que os civis são as principais vítimas da falta de diálogo.

Segundo ele, o impasse no processo de paz, a estagnação econômica, a expansão de áreas ocupadas por Israel em territórios ocupados, a violência contra civis, a destruição de infraestrutura básica, a destruição de locais sagrados em Jerusalém geram um ambiente que mina a solução a dois estados, além de alimentar "ódio e extremismo".

O chanceler afirmou que, no aniversário dos 30 anos do Acordo de Oslo, apenas uma solução política pode ser a saída. "Se houvesse progresso desde então, estaríamos celebrando a paz", lamentou.

Gaza e hospital

Para o Brasil, a situação humanitária "trágica" em Gaza é considerada como prioridade. "Enquanto sempre haverá quem esteja pronto a colocar gasolina no fogo, o Brasil pede diálogo", afirmou o chanceler.

Lamentando os centenas de mortos no hospital Al-Ahly, Vieira ainda falou sobre a destruição de centros de saúde e qualificou os ataques como "inaceitáveis", ainda que não tenha entrado na questão da responsabilidade do ataque.


Todas as partes devem proteger os civis.

Mauro Vieira

Recado aos EUA e apelo para que crise volte para a ONU

O chanceler defendeu que a comunidade internacional exerça "o máximo esforço diplomático para criar um corredor humanitário, pausas, e um cessar-fogo imediato". Citando Lula, ele defendeu que a crise seja respondida por uma ação multilateral urgente para acabar sofrimento de civis.

Vieira destacou como, na condição de presidente do Conselho de Segurança para o mês de outubro, o Brasil convocou reuniões para promover o diálogo.

"Apesar desses esforços, o Conselho de Segurança infelizmente não conseguiu adotar uma resolução em 18 de outubro. No entanto, os muitos votos favoráveis que o projeto de resolução recebeu — 12 de 15 — são prova do amplo apoio político para uma ação rápida do Conselho", disse.


"Acreditamos que essa opinião é compartilhada pela comunidade internacional em geral", afirmou. Ele ainda insistiu em sua mensagem aos governos que resistem a um acordo multilateral.

Deixe-me ser claro: há um amplo apelo político para a abertura de pausas humanitárias urgentemente necessárias, o estabelecimento de corredores humanitários e a proteção do pessoal humanitário.

Mauro Vieira

Segundo ele, os governos "precisam encontrar maneiras de desbloquear a ação multilateral". "O Brasil não poupará esforços nesse sentido", garantiu.

O chanceler destacou como, na próxima semana, o tema voltará ao Conselho de Segurança. "A paralisia do Conselho de Segurança está tendo consequências prejudiciais para a segurança e a vida de milhões de pessoas. Isso não é do interesse da comunidade internacional."

Proliferação do conflito

Vieira também alertou para o risco de o conflito ganhar novos países. "Devemos nos esforçar para evitar qualquer possibilidade de repercussão regional do conflito", disse.


"Mais adiante, devemos encontrar maneiras de revitalizar o processo de paz, para avançar nas negociações políticas rumo a uma paz abrangente, justa e duradoura no Oriente Médio."

"O simples gerenciamento do conflito não é uma alternativa aceitável. Somente a retomada de negociações efetivas pode trazer resultados concretos para a implementação da solução de dois Estados, de acordo com todas as resoluções relevantes da Assembleia Geral e do Conselho de Segurança, com Israel e Palestina vivendo em paz e segurança, dentro de fronteiras mutuamente acordadas e reconhecidas internacionalmente", completou, garantindo que o Brasil dá apoio a esse caminho.

Governos árabes rejeitam deslocar palestinos de Gaza

O foco dos principais países árabes foi o de rejeitar qualquer tentativa de Israel de deslocar a população palestina para um novo território, eventualmente no Egito. O temor da região é que um dos objetivos de Tel Aviv seja a de forçar a saída dos palestinos.

Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Palestina, insistiu que não aceita que seu povo seja expulso de Gaza. "Nunca vamos aceitar uma transferência. Nunca vamos deixar nosso território", disse, apelando pelo estabelecimento de um corredor humanitário e o fim do conflito.

Ele ainda defendeu que o Conselho de Segurança da ONU atue para "proteger os palestinos" e para que seu governo possa ganhar status de membro pleno nas Nações Unidas.


O príncipe herdeiro do Kuwait, Meshal al Ahmad al Sabah, também reforçou o coro de que não haverá aceitação para qualquer plano de deslocar os palestinos para fora de Gaza.

Ao abrir o evento, o presidente do Egito, Abdul Fatah Al-Sissi, apresentou o que acredita que ser um plano para lidar com a crise — envolvendo um cessar-fogo, a entrega de ajuda humanitária e o início de uma efetiva negociação entre palestinos e israelenses.

Cyril Ramaphosa, presidente da África do Sul, também pediu um cessar-fogo e alertou para o risco de que ambas as partes comecem a receber armas de potências. "O conflito pode sair do controle", disse.

O encontro ainda contou com Charles Michel, presidente do Conselho Europeu; os chefes de governo da Itália, Espanha e Grécia, além chanceleres da França, Reino Unido, Turquia, Reino Unido e Alemanha. A Rússia enviou seu vice-ministro de Relações Exteriores.

Mas, no caso americano, a opção foi por destacar apenas a embaixadora alterna que ocupa a representação dos EUA no Cairo, Beth Jones. Hoje, os americanos não contam com um embaixador pleno no Egito e Jones é apenas uma "chargée d'affair". Na hierarquia diplomática, trata-se de um sinal de que o governo americano não vê o encontro como prioritário.

Ao redor da mesa, porém, os discursos alertavam sobre o risco de um colapso da região. O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, alertou que a área está "a um passo do precipício". Em seu discurso, ele destacou que a ajuda humanitária permitida a entrar em Gaza neste sábado está longe de ser ideal e pediu um cessar-fogo imediato.

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Imagem: Arte/UOL

Reportagem

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