Lula cobrará de países ricos em NY proteção ao clima e pedirá nova ONU
Lula cobrará de países ricos em NY mais dinheiro ao clima e pedirá nova ONU
Quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) subir ao púlpito da ONU para abrir nesta terça-feira, às 10h, a Assembleia Geral das Nações Unidas, uma de suas missões será a de tentar restabelecer o Brasil como protagonista na política internacional e virar a página de quatro anos de discursos que foram recebidos com espanto e desprezo.
Mas ele também usará o palco mais importante da diplomacia mundial para fazer duras cobranças aos países ricos, denunciando a desigualdade estrutural como fator central das crises que hoje assolam o planeta e da desconfiança entre governos.
O Brasil pedirá que as economias ricas assumam suas responsabilidades na ajuda aos emergentes para realizar sua transição energética e para que cumpram suas promessas no Acordo do Clima de Paris, que aceitem uma nova realidade política no mundo e que abram espaço para uma reforma da ONU.
Para completar, quer recursos dos mais ricos para colocar fim à fome e pobreza extrema até 2030. Numa versão preliminar, o discurso ainda denunciava a situação da dívida dos países africanos, considerada como impagável e sugeria, de forma implícita, um redesenho da governança global.
Falas polêmicas e o desejo de uma nova diplomacia
Sem as presenças dos líderes de China e Índia, Lula ainda quer usar o espaço para se posicionar como o legítimo representante dos países em desenvolvimento.
Mas as polêmicas em relação às falas do brasileiro questionando o Tribunal Penal Internacional ou sugerindo que a Ucrânia ceda parte de seu território, além da exploração de petróleo na foz do Amazonas, levantam resistências por parte de grupos pouco dispostos a ceder espaço nos bastidores da diplomacia.
Fontes no Palácio do Planalto e no Itamaraty apontam que o discurso de Lula será o posicionamento mais completo da nova política externa brasileira e determinará as prioridades e rumos da diplomacia para os próximos anos.
A fala está sendo acompanhada por ação. A ordem do Palácio do Planalto é que cada ministério se engaje em seus respectivos setores para voltar a colocar o Brasil no centro do debate, seja nos temas financeiros, de saúde, de paz ou na questão comerciais. No total, 13 ministros estão em Nova York nesta semana.
Ao longo do mandato de Jair Bolsonaro (PL), entre 2019 e 2022, o governo usou o momento mais aguardado da diplomacia brasileira para falar essencialmente para seu público doméstico, com ataques contra o "socialismo", o "globalismo" e referências a Deus e família.
Quando a mensagem era à comunidade internacional, Bolsonaro abriu crises e gerou protestos. Icônica foi a imagem de uma Angela Merkel, então chanceler alemã, desconfortável ao ouvir o ex-presidente discursar, ainda em 2019.
Em falas repletas de desinformação e ataques contra as instituições, Bolsonaro ainda colecionou polêmicas e chegou a repetir frases inteiras de discursos proferidos por Donald Trump, o ex-presidente dos EUA.
Lula, em seu terceiro mandato como presidente, quer marcar sua volta à ONU com um discurso e uma operação nos bastidores que represente o retorno do Brasil às mesas de negociação e à definição dos grandes temas mundiais.
Para isso, o presidente desembarca com temas globais e tentando reposicionar o Brasil como protagonista.
Lula vai defender cinco pontos fundamentais, com fortes cobranças aos países ricos:
O combate contra a desigualdade e contra a fome
O presidente vai insistir que, sem lidar com essas questões, não haverá como superar algumas das principais crises internacionais. Lula ainda destacará a volta da fome e apontará para a concentração de renda.
As metas de desenvolvimento social estabelecidas pela ONU para 2030 não devem ser atingidas se o atual ritmo de progresso for mantido — hoje apenas 15% das metas podem ser cumpridas. A ONU estima que o mundo precisará de U$ 500 bilhões por ano para lidar com esses desafios, e o dinheiro terá que vir dos países ricos.
No caso da fome, a meta de erradicar o problema até 2030 sofreu um forte abalo com a pandemia da covid-19 e o corte de recursos de doadores internacionais. Mais de 720 milhões de pessoas vivem em condições de fome extrema.
Ucrânia e Paz
Lula deve indicar que o Brasil tem um compromisso com o direito internacional, com a Carta das Nações Unidas e que condena a agressão a um Estado soberano. Mas, numa mensagem ao ocidente, pedirá que as atitudes sejam repensadas e que as preocupações legitimas de russos e outros países sejam consideradas.
Também criticará o fato de que a comunidade internacional concentrar seus esforços na crise em Kiev, abandonando dezenas de outras situações emergenciais, como no Haiti.
Nesta quarta-feira, após desencontros e um mal-estar diplomático, Lula e Volodymyr Zelensky vão finalmente se reunir para sua a primeira conversa bilateral de forma presencial.
Clima, compromisso do Brasil e promessa dos ricos
O governo brasileiro vai anunciar que abandona os compromissos climáticos de Bolsonaro e que metas mais ambiciosas serão traçadas. Mas também fará duras cobranças aos países ricos para que assumam seus compromissos de US$ 100 bilhões por ano para ajudar os emergentes a promover a transição energética.
Reforma da ONU e um novo espaço para emergentes
Num esforço de recuperar a credibilidade da ONU, Lula insistirá que a entidade apenas terá função se passar por uma reforma que permita que os emergentes tenham mais voz. Seu apelo principal é para que as potências do Conselho de Segurança aceitem uma reforma, com novos membros. O Brasil é um dos candidatos.
Democracia
O discurso ainda deve apontar para as ameaças que sofrem as democracias e destacará como o Brasil consolidou o estado de direito ao conseguir evitar um golpe de estado e processar os responsáveis pelo 8 de janeiro.
E um pedido por um redesenho mundial
Pessoas que estiveram envolvidas no processo de coleta de informações para subsidiar a elaboração do discurso destacam ainda que a fala foi tratada no governo como o "ápice" da formulação da política externa de Lula.
Sua construção, porém, atravessou algumas etapas. Num primeiro momento, Lula questionou em seus discursos aos líderes estrangeiros o fato de que o sistema internacional está falido. Ele, porém, passou a alertar que um mundo dividido em blocos e com polos hegemônicos não interessaria aos países emergentes. Por fim, passou a denunciar o desequilíbrio global e a ausência dos emergentes nas decisões do planeta.
Agora, sua fala vai sugerir a necessidade de um redesenho da ordem internacional.
Reportagem
Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.
JAMIL CHADE
Todo sábado, Jamil escreve sobre temas sociais para uma personalidade com base em sua carreira de correspondente.
https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2023/09/18/lula-cobrara-de-paises-ricos-em-ny-mais-dinheiro-ao-clima-e-pedira-nova-onu.htm