Bolsonaro perde a reeleição pela boca
Com mais de mil e quinhentas frases ditas pelo próprio presidente e alguns de seus adeptos ou familiares, livro mostra o quanto ele é autoritário, ruim, insensível e medíocre, possuindo um grave traço de personalidade: a não empatia.
A fala distingue o homem dos seres irracionais, embora existam homens que, quando falam, anulam essa distinção — pela ignorância que transmitem, pela violência que incitam e pelo desprezo em relação à vida humana.
Um tigre, por exemplo, ataca uma pessoa para sobreviver, se estiver faminto; mas há seres humanos, ou pretensamente humanos, que ofendem, menosprezam e agridem emocionalmente seus semelhantes apenas por divertimento, arrogância, preconceito e autoritarismo.
Bastante grave: por serem donos de uma personalidade que não comporta a empatia.
Vamos, aqui, falar de um político brasileiro, mas comecemos por outras áreas de atividades, bastante nobres.
Qual é a melhor maneira de se mostrar o temperamento de um artista plástico?
Exibindo a sua obra, é claro.
Dá para explicar a genialidade e a alma atormentada de Caravaggio sem que admiremos o seu sensível e enigmático chiaroscuro? Não.
É possível descrever outro gênio, dessa vez no campo da música, como Gustav Mahler, sem que se execute a sua monumental oitava sinfonia?
Também é óbvio que não. Pois bem, a mesma coisa acontece com os indivíduos que estão em pólo diametralmente oposto, indivíduos muito medíocres, indivíduos muito ruins: ouça o que eles falam e descobrirá a pobreza de espírito ou a maldade de suas mentes e corações; sentirá a prepotência e o totalitarismo que os norteiam.
O presidente Jair Bolsonaro, por exemplo.
Esqueceu ele um dos principais ensinamentos do filósofo grego Aristóteles (será que não o leu?), presente decisivamente no trabalho de outros pensadores e cientistas, como Immanuel Kant e Isaac Newton.
Ensinou Aristóteles: “o sábio nunca diz tudo o que pensa, mas pensa sempre tudo o que diz”.
Definitivamente não é o caso do capitão que despacha no Palácio do Planalto e mora no Palácio da Alvorada.
Tanto é assim que Bolsonaro ganhou uma inteligente e original biografia, de autoria do escritor, arquiteto, urbanista e empresário baiano Walter Barretto Jr.
Seguindo uma metodologia que transita entre a sociologia e a psicanálise, o autor radiografa Bolsonaro, única e exclusivamente, pelas falas do próprio Bolsonaro e de alguns de seus adeptos mais próximos ou familiares, porque essa é, indubitavelmente, a melhor maneira de contar quem é o presidente enquanto político e, também, de observar a sua personalidade.
O livro, que se propõe a fazer com que incautos não votem no “mito” em sua tentativa de reeleição (e essa é a intenção confessa de Barretto Jr.), chama-se Bolsonaro e seus seguidores – 1.560 frases (editora Geração).
É Bolsonaro falando e, sem perceber, desconstruindo o próprio Bolsonaro.
É Bolsonaro no espelho, é o presidente nu.
É Bolsonaro por Bolsonaro.
É Bolsonaro e seu desprezo pela vida humana.
Não sem razão, portanto, Barreto Jr. agradece no livro “aos (às) jornalistas pela defesa da democracia e por informar corretamente aos (às) brasileiros (as) os riscos da Covid-19”.
E a obra é dedicada “às vidas ceifadas” pela pandemia.
Deite-se o presidente em um divã, dele aproxime-se o doutor Sigmund Freud e lhe repita o mesmo que disse a diversos pacientes: “o humano se reconhece, aprende espaços e tempos, constrói memórias por meio de suas falas. É um ser de linguagem”. Retire-se Freud, coloquem-se agora, no consultório, a leitora e o leitor. E, então, respondam: que tipo de ser humano é esse que declarou, conforme consta do livro, que “o erro da ditadura foi torturar e não matar”?
Referia-se ele ao golpe militar de 1964, que arrancou do poder o democraticamente eleito João Goulart.
Essa ditadura, que na visão de Bolsonaro – e só na visão de um genocida – errou porque torturou e não matou, na verdade assassinou milhares de brasileiras e brasileiros.
Uma jovem adversária do arbítrio, chamada Aurora, morreu em mãos da repressão com o crânio esmigalhado por uma “coroa” de ferro.
Algo medieval, só que o capitão acha que o regime foi brando.
Mas sigamos no livro e nas frases que o compõem, há mais psicopatia nelas:
“(…) enquanto o Estado não tiver coragem de adotar a pena de morte, o crime de extermínio, no meu entender, será muito bem vindo (…)”.
Vamos em frente:
“odeio o termo povos indígenas. Odeio esse termo. Odeio (…)”.
Continuemos no livro, dessa vez sobre a necessidade de fechar o comércio para evitar aglomerações na pandemia:
“(…) com a política do ‘fecha tudo’, até pensei: ‘é uma maneira de mexer na economia para tentar derrubar a gente’”.
O presidente pensou torto, ele sempre pensa torto e só fala estultices, o que fica claríssimo na exaustiva pesquisa na qual o autor do livro mergulhou.
Mas não há regra sem exceção, e numa única frase, numa única frasezinha, Bolsonaro mandou bem.
Referindo-se às eleições presidenciais desse ano, em 2021 ele declarou:
“está insatisfeito comigo? (…) Tem eleição (…) é só mudar”.
Presidente, não precisa mandar duas vezes.
A julgar pelas pesquisas, é justamente isso que os eleitores irão fazer.
https://istoe.com.br/bolsonaro-por-bolsonaro/