A crise volta ao Planalto Depois de sitiar o governo de Dilma Rousseff e desmascarar os líderes do PT, a Lava Jato fecha o cerco à cúpula do PMDB e dispara a primeira acusação direta contra o presidente interino Michel Temer
Por: Daniel Pereira
O segundo está agora às voltas com uma acusação dura.
O delator Sérgio Machado, em depoimento aos investigadores da
Lava-Jato, disse que o presidente interino lhe pediu 1,5 milhão de reais
durante um encontro na Base Aérea de Brasília, em setembro de 2012,
para a campanha de Gabriel Chalita, então no PMDB, à prefeitura de São
Paulo.
O dinheiro foi repassado pela Queiroz Galvão na forma de doação
eleitoral, numa tentativa de dar à transação ares de legalidade.
Às
autoridades, Machado confessou que a verba não tinha origem lícita. Era
propina. E Temer, que encomendara a mercadoria, tinha plena consciência
disso.
A acusação é forte, mas, do ponto de vista jurídico, tende a
morrer na praia, já que Temer não pode ser investigado por atos
estranhos ao mandato.
O presidente interino estava certo de que teria uma semana positiva.
Com pompa e circunstância, apresentaria aos parlamentares, como de fato
fez, a proposta do teto.
Embalado pela repercussão da iniciativa, faria
um pronunciamento em rede de rádio e televisão para exaltar seu governo,
sua capacidade de dialogar com o Congresso e sua injeção de ânimo nos
agentes econômicos.
Um otimismo compartilhado por muitos. Sentindo-se
fortalecido, o presidente do Senado, Renan Calheiros, anunciou que
analisaria um pedido de impeachment contra o procurador-geral da
República, Rodrigo Janot, que defendera as prisões preventivas dele, do
ex-presidente José Sarney e do senador Romero Jucá, rechaçadas pelo
ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal.
O céu parecia
clarear para o bom e velho PMDB, finalmente no exercício pleno do poder.
Implacável, a Operação Lava-Jato devolveu os peemedebistas à realidade
dos desvios da Petrobras, a estatal que, na definição já nascida
imortal de Sérgio Machado, é a "madame mais honesta dos cabarés do
Brasil".
Ex-tucano convertido em peemedebista, Sérgio Machado comandou a
Transpetro, subsidiária da Petrobras, entre 2003 e 2014. Em sua delação,
fez acusações a Temer, Renan, que o indicou ao cargo, e mais oito
expoentes do partido de se beneficiarem do dinheiro desviado dos cofres
da Petrobras.
A divulgação do depoimento pegou Temer de surpresa. Primeiro, o
presidente interino soltou uma nota para dizer que sempre respeitou os
limites legais ao buscar recursos para campanhas eleitorais. Soou
protocolar.
Como não conseguiu se afastar das cordas, fez uma declaração
à imprensa, em que tachou de "levianas", "mentirosas" e "criminosas" as
afirmações do colega de partido. Não disse que vai processá-lo.
"Alguém
que teria cometido aquele delito irresponsável que o cidadão Machado
apontou não teria condições de presidir o país", afirmou, acrescentando
que contestará cada menção a seu nome em defesa de sua honra e "da
harmonia do país".
Machado não se intimidou.
Em tréplica, reafirmou tudo
o que declarara às autoridades. Diante da agenda negativa, Temer
cancelou o pronunciamento em rádio e TV que faria na sexta-feira com
receio de um panelaço.
A delação de Machado chama atenção pela riqueza de detalhes, como o uso
de senhas para impedir que a empreiteira, no papel de corruptor,
soubesse a identidade do destinatário final da propina, o corrompido.
Ele contou que repassou pelo menos 115 milhões de reais a
23 políticos de oito partidos.
O PMDB ficou com 100 milhões de reais,
sendo as maiores partes destinadas a Renan (32 milhões), Edison Lobão
(24 milhões), Romero Jucá (21 milhões) e José Sarney (18,5 milhões).
A
maioria dos valores era paga em dinheiro vivo. Na delação, Machado diz
que teve atritos com Renan, que chegou a receber mesada de 300 000
reais, porque não conseguia saciar o apetite do padrinho político, que
pedia mais do que o afilhado podia entregar.
Afirma ainda que Lobão,
então ministro de Minas e Energia, exigia uma bolada maior do que a de
seus colegas de bancada. A disputa pelo dinheiro sujo era renhida.
Foi
ela, segundo o delator, que levou Temer a reassumir a presidência do
PMDB em 2014, para arbitrar o rateio de 40 milhões de reais repassados
ao partido, a pedido do PT, pela JBS.
Temer e os deputados estariam se
sentindo ludibriados pelos senadores, que na época comandavam a
presidência e a tesouraria da legenda. Por muito pouco, a arenga não
ultrapassou as fronteiras partidárias.
Criminosos ou não, os depoimentos de Machado provocaram uma nova baixa
no governo. Apontado como beneficiário de 1,5 milhão de reais em propina
levantada na Transpetro, Henrique Eduardo Alves pediu demissão do
Ministério do Turismo.
Com a decisão, disse que fazia um gesto de
grandeza, para não constranger a Presidência interina de seu amigo.
Balela.
Henrique Alves já era investigado pela Procuradoria-Geral da
República sob a suspeita de embolsar propina paga pela OAS. Também foi
citado na delação premiada de Fábio Cleto, ex-vice-presidente da Caixa
Econômica Federal, que coletava propinas para o PMDB da Câmara, do qual
Henrique Alves era expoente.
Para completar, tramita na Justiça um
processo de improbidade administrativa contra o ex-ministro no qual são
citadas suas contas na Suíça.
Os extratos foram entregues por sua
ex-mulher. Temer cobrou explicações sobre essas contas no exterior
supostamente abastecidas por meio de transações nebulosas.
Recebeu, no
dia seguinte, um pedido de demissão de Alves, que admitiu estar à espera
de chumbo grosso.
Foi o terceiro ministro de Temer a cair em decorrência da Lava-Jato.
Romero Jucá (Planejamento) e Fabiano Silveira (Transparência) foram
exonerados depois de ser gravados pelo operante Sérgio Machado
maquinando para "estancar a sangria" das investigações.
O horizonte
também é sombrio fora da Esplanada dos Ministérios. Hoje, a principal
preocupação de Temer está na Câmara dos Deputados.
O presidente afastado
da Casa, Eduardo Cunha, peça-chave no afastamento de Dilma Rousseff,
sente-se credor do interino e cobra dele ajuda para se safar de um
processo por quebra de decoro parlamentar.
Na semana passada, o Conselho
de Ética, depois de uma infindável sucessão de manobras protelatórias,
finalmente aprovou parecer favorável à cassação de Cunha.
Isso foi o
suficiente para recrudescerem os boatos de que ele, caso perca o
mandato, negociará um acordo de delação premiada por meio do qual
entregará o mandarinato de Temer de bandeja ao Ministério Público.
O
Planalto sabe que Cunha levantou recursos para financiar a campanha
eleitoral de Geddel Vieira Lima, ministro da Secretaria de Governo, em
2014.
Sabe também que ele intermediou o repasse de dinheiro para outras
eminências peemedebistas. Numa delação, citaria de cabo a rabo sua
clientela. Com isso, está posta a ameaça.
Os assessores de Temer dizem ter a informação de que Cunha será preso
nos próximos dias, o que, se confirmado, pode acelerar eventual
colaboração com as autoridades. Há um pedido de prisão preventiva contra
ele sobre a mesa do ministro Teori Zavascki.
As informações prestadas
às autoridades por Fábio Cleto, afilhado político de Cunha na Caixa
Econômica, também alimentam a expectativa de prisão do deputado.
A VEJA,
Cunha disse que não fechará delação premiada porque não tem o que
delatar. Marcelo Odebrecht dizia a mesma coisa. Mudou de ideia depois de
quase um ano preso.
Deflagrada em março de 2014, a Lava-Jato teve peso
decisivo na perda de apoio popular e no afastamento da presidente Dilma.
Agora, ameaça o PMDB e, com a acusação a Temer, instala-se novamente no
Palácio do Planalto.
No governo anterior, Lula, Dilma, um senador e dois ministros foram pilhados tentando sabotar as investigações da Lava-Jato.
A ascensão de Temer ao poder não diminuiu o ímpeto da operação. Todas
as incursões contra as investigações até hoje foram malsucedidas.
Diante
do fracasso, políticos passaram a tentar reduzir o poder dos
investigadores e constrangê-los. Alvo de oito inquéritos no petrolão,
Renan quer aprovar um projeto para proibir presos de aderir à delação
premiada.
Suspeito de receber favores de empreiteiras e assustado com o
garrote da prisão, Lula entrou com uma representação contra o juiz
Sergio Moro na Procuradoria-Geral da República. Os criminosos ainda
sonham com um golpe de última hora no Supremo Tribunal Federal.
E olhe
que nem vieram a público as delações dos empreiteiros Marcelo Odebrecht e
Léo Pinheiro e do ex-tesoureiro petista João Vaccari Neto. A faxina
ganhou tração e, ao que parece, não para mais.