Fungo que adoece vegetais contamina 104 pessoas e cega 7 após cirurgias

 Carlos Madeiro

Atualizada em
Antônio Ferreira, aposentado que foi um dos 7 pacientes que perdeu o olho após cirugia em Macapá
Antônio Ferreira, aposentado que foi um dos 7 pacientes que perdeu o olho após cirugia em Macapá Imagem: Reprodução/Rede Amazônica

Um fungo que costuma adoecer plantas foi o responsável por uma infecção rara em 104 dos 141 pacientes operados em mutirão para tratar catarata no dia 4 de setembro em Macapá.

O problema foi causado pelo fungo Fusarium, segundo informou a Secretaria de Saúde do Amapá na quarta-feira (25). "[Ele] provoca a endoftalmite, um infecção rara produzida pela ação de micro-organismos que penetram na parte interna do olho, como tecidos, fluidos e estrutura."

Investigação segue

Apesar do fungo ter sido identificado, o caso ainda está sendo investigado pelo Serviço de Vigilância em Saúde do Amapá e pela Anvisa, que tentam agora entender como esse micro-organismo chegou ao local das cirurgias. O MP (Ministério Público) do estado também apura o caso.

Ao todo, sete pessoas tiveram que passar por cirurgia para retirada do globo ocular e outras 15 foram submetidas à transplante de córnea, segundo contabilização da secretaria até sexta-feira (27). Outras 45 estão no Pará se tratando em um hospital oftalmológico, muitos à espera também de transplante. Além dessas, 37 tiveram lesões menos graves e estão sendo acompanhadas no Amapá.

Foi um dia fatídico, que tivemos essa tragédia. Tivemos cirurgias no dia 5, 6 e 8 e nada ocorreu. Foi detectado o fungo, mas a investigação do Serviço de Vigilância em Saúde não foi concluída. Serão mais 60, 90 dias para conclusão. Até lá está sendo feito acompanhamento diário pelo serviço de vigilância.

Silvana Vedovelli, secretária de Saúde do Amapá

Conteúdo UOL

A Anvisa afirmou ao UOL que fez uma visita técnica ao local onde ocorreram as cirurgias e reforçou a recomendação da suspensão de todas as cirurgias oftalmológicas realizadas em regime de mutirão no estado "até que esse surto seja esclarecido." "A investigação ainda está em curso e por isso ainda não é possível apontar o fator causal desse surto", diz.

Fungo ataca vegetal

Esse tipo de fungo não costuma contaminar seres humanos, segundo Reginaldo Gonçalves de Lima Neto, micologista (biólogo especialista em fungos) do Hospital das Clínicas de Pernambuco e professor da UFPE.


Endoftalmite por Fusarium é raro. Esse é um fungo naturalmente fitopatógeno, ou seja, causa doenças em vegetais. Mas os esporos dispersos pelo ar, podem atingir o olho e causar ceratite (inflamação da córnea).

Reginaldo Gonçalves de Lima Neto, micologista e professor da UFPE

A hipótese mais plausível para a infecção em massa, acredita o especialista, foi um ambiente contaminado naquele dia, sem atender aos protocolos de prevenção e controle de infecções.

Se o ambiente foi limpo e desinfectado ao final do dia, os pacientes do dia seguinte não estavam expostos.

Emergência oftalmológica

A endoftalmite é uma infecção grave e é considerada uma emergência oftalmológica, segundo Flávio Mac Cord, professor da pós-graduação em ciências médicas da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) e diretor de cursos da SBO (Sociedade Brasileira de Oftalmologia).


Os riscos [para perda de visão] estão relacionados a fatores individuais do paciente --como idade e comodidade--, associadas às variáveis do intervalo de tempo entre diagnóstico e início do tratamento e o perfil de conduta adotada. O importante é que prontamente haja um diagnóstico e o paciente receba antifúngicos e antibióticos.

Flávio Mac Cord, professor da Uerj

As cirurgias de catarata são simples e seguras, segundo Mac Cord, e o índice de infecção de pacientes considerado aceitável fica abaixo de um para cada 3;000 cirurgias. Além disso, os casos de infecção por fungo são raros, ainda segundo o médico.

Geralmente, as infecções são causadas por bactérias da própria microbiota do corpo do paciente. Isso depende da assepsia e esterilidade de instrumentos e da técnica cirúrgica adequada.

Mutirão já realizou 100 mil procedimentos

A Secretária de Saúde do Amapá afirma que o problema ocorreu após um mutirão de catarata do projeto Mais Visão, que começou em 2020 e já realizou mais de 100 mil procedimentos, sendo 50 mil de catarata.

Apesar de o governo custear a campanha, a prestação do serviço é feita por meio de um convênio entre e o Estado e o Centro de Promoção Humana Frei Daniel de Samarate, uma entidade religiosa e sem fins lucrativos que existe desde 1993.


Nunca tinha havido nenhum problema, até que ocorreu essa tragédia. O Centro vem tomando todas medidas de cuidado aos pacientes e disponibilizou atendimento 24 horas por telefone para atender as pessoas.

Silvana Vedovelli, secretária de Saúde do Amapá

Programa Mais Visão, do governo do Amapá, atende pacientes gratuitamente
Programa Mais Visão, do governo do Amapá, atende pacientes gratuitamente Imagem: Halanna Gama/Governo do Amapá

A secretaria diz que os pacientes que tiveram lesões mais graves foram levados para tratamento no Hospital de Olhos de Ananindeua (Grande Belém), onde estão sendo feitos os transplantes. Custos de viagem, hospedagem e alimentação são pagos pelo centro.

Nenhum paciente teve os dois olhos infectados porque é feita a cirurgia em um olho por vez.

O Centro de Promoção Humana Frei Daniel de Samarate, que coordena o Mais Visão, informou que tem dado suporte aos pacientes, "incluindo medicação, abordagens clínicas, apoio com medicação e também na transferência de pacientes que necessitaram de atendimentos fora do estado."

Ainda segundo a entidade, todas as mais de 100 mil cirurgias seguiram o mesmo protocolo e tiveram êxito antes dessas. "O que ocorreu no último dia 4 de setembro está sendo investigado e mostra-se um caso isolado."

MP apura caso

O promotor Wueber Penafort abriu um procedimento para investigar o que ocorreu de errado para que tantas pessoas fossem infectadas.

Abrimos três linhas de investigação na área da epidemiologia: uma para avaliar o ambiente em que se trabalha, outra para avaliar o produto utilizado e outra para avaliar o procedimento médico. Elas ainda estão em curso.

Wueber Penafort

Ainda no MP há mais duas investigações: uma que avalia a legalidade do contrato do centro que fez as cirurgias com o estado, e outra criminal para saber se houve negligência ou imprudência para gerar o problema.

Penafort explica que o principal foco do MP ainda é o atendimento às pessoas adoecidas.

A empresa que fez o procedimento está com o programa suspenso até que ela apresente um local adequado para a continuidade, e desde que o local atenda as normas da Anvisa e que a vigilância libere para a continuidade.

Wueber Penafort 

https://noticias.uol.com.br/colunas/carlos-madeiro/2023/10/30/fungo-infeccao-olhos-amapa.htm


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