Contra Bolsonaro, cidadania italiana poderá considerar conspiração política


Jamil Chade e Janaína Cesar
Colunista do UOL

A Itália poderá examinar se uma pessoa cometeu conspiração política ou qualquer atentado contra a democracia antes de conceder cidadania

No último dia 26, a Câmara dos Deputados aprovou um pedido para analisar uma emenda na lei de cidadania introduzindo conspiração política e contra o Estado entre os crimes tipificados para a eventual rejeição do pedido.

O requerimento que foi aprovado agora deve ser analisado pelo governo e passar por nova votação no Parlamento Italiano. Mas o amplo apoio que recebeu sinaliza que dificilmente será derrubado

A iniciativa foi do deputado do partido Verdi e Esquerda, Angelo Bonelli. Seu pedido foi aprovado por 191 votos a favor e somente seis contrários — a votação foi dentro do projeto de lei de combate a violência contra a mulher. Na discussão, Bonelli pediu para que pessoas que foram condenadas por crime de conspiração política ou atentado ao estado tenham suas cidadanias negadas.

Segundo o texto apresentado por Bonelli, "o governo italiano se compromete a avaliar a conveniência de rejeitar o pedido de cidadania italiana mediante a introdução de alterações legislativas à lei número 91 de 5 de fevereiro de 1992, para aqueles que foram condenados, inclusive no exterior, por crimes de violência doméstica, violência contra a mulher, crimes de terrorismo, crimes de violência sexual e pedofilia, crimes de crime organizado, crimes de tráfico de drogas e conspiração politica e contra o Estado".

Na Itália, o acesso à cidadania é garantido por direito sanguíneo. Justamente por isso o texto pede a mudança da lei da cidadania. Mas a esperança dos deputados que aprovaram a emenda é que essas considerações possam ser examinadas já no processo.

Segundo Bonelli, o texto foi pensando nos efeitos danosos para democracia diante de uma possível concessão da cidadania italiana ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).


Para o deputado, "a aprovação da emenda é importante porque empenha o governo a modificar a lei que introduz o veto para a aquisição da cidadania diante a esses crimes".

Quando estava pensando no texto da emenda, o caso Bolsonaro me veio à mente imediatamente. A Itália não pode permitir que pessoas que tenham conspirado contra o Estado possam ter a cidadania reconhecida. Isso não faz bem para nossa democracia.

Angelo Bonelli, deputado italiano

Bolsonaro é alvo de um pedido de indiciamento no relatório final da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito que investigou os atos golpistas de 8 de janeiro. Ele foi acusado pela comissão de ter praticado os crimes de associação criminosa, violência política, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado. A defesa do ex-presidente classificou o relatório final como "lamentável" e "parcial".


O ex-presidente está inelegível por oito anos — ele foi condenado pelo TSE por realizar uma reunião com embaixadores em julho de 2022 e ter atacado, sem provas, a credibilidade do sistema eleitoral. A defesa recorreu ao STF e argumenta que o julgamento do TSE tem que ser anulado.

Bonelli está há tempos na linha de frente para impedir que Bolsonaro tenha acesso à cidadania italiana para que possa assim evitar a Justiça no Brasil. A batalha começou quando, em outubro de 2021, a Prefeitura de Anguillara Veneta, cidade de origem de seus antepassados, concedeu a cidadania honorária ao ex-presidente.

O italiano fez várias interrogações parlamentares sobre a questão e, na última, no fim de 2022, obrigou o ministro das Relações Exteriores, Antonio Tajani, a declarar que Jair Bolsonaro não havia entrado com o pedido, mas somente seus filhos.

O parlamentar sabe que o acesso à cidadania é garantido por direito sanguíneo, mas continua a acreditar que "se o governo der a cidadania aos filhos de Bolsonaro — ou mesmo ao ex-presidente — será um fato de gravidade sem precedentes para a democracia".

Pragmatismo e temor de crise diplomática

Se o atual governo de Giorgia Meloni conta com membros que são aliados do clã Bolsonaro e se mesmo sua vitória foi celebrada pelos filhos do ex-presidente, há uma forte pressão em Roma contra qualquer gesto que possa favorecer Bolsonaro.


O Brasil é um dos principais destinos de investimentos italianos no mundo e há o temor de uma parcela da elite econômica do país de que abrigar o ex-presidente possa criar uma crise diplomática com o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Meloni de fato se reuniu com Lula durante uma breve passagem do brasileiro pela Itália, numa atitude considerada por ambos os lados como prova do "pragmatismo" entre duas das principais economias do mundo e membros do G20.

Aliança

A eleição no Brasil foi considerada, por muitas democracias, como um momento chave na ofensiva da extrema-direita. Uma aliança informal foi estabelecida com capitais europeias e de outras partes do mundo colocando pressão sobre qualquer sinal de que uma ruptura institucional pudesse ocorrer. A avaliação era de que se a democracia brasileira sucumbisse, uma onda de golpes de Estado ou instabilidade tomaria conta dos países em desenvolvimento.

Nos bastidores, governos e instituições passaram a pensar em mecanismos, leis, projetos de cooperação e ações que possam blindar as democracias.

Um dos pontos sob análise é a troca de informações sobre eventuais operações de desestabilização que usem contas bancárias e serviços de desinformação situados em outros países. A fuga de eventuais responsáveis também entrou na agenda de considerações.

Errata:

o conteúdo foi alterado

  • A proposta de analisar emenda introduzindo conspiração política e contra o Estado entre os crimes tipificados para eventual rejeição do pedido de cidadania deve passar por nova votação no Parlamento italiano e ser analisada pelo governo. Só então a lei de cidadania poderá ser alterada. O texto foi corrigido.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.


JAMIL CHADE

https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2023/10/30/contra-bolsonaro-cidadania-italiana-considerara-conspiracao-contra-estado.htm#errata

Postagens mais visitadas deste blog