A Covid me pegou - Não houve recomendação de Cloroquina, mas sim de suplementação alimentar à base de zinco; passada a pior fase, recebo o telefonema que eu mais temia: meu filho, médico, avisa que está positivo
*José Maria Trindade é repórter e comentarista de política na Jovem Pan.
O diagnóstico da Covid-19 me atingiu como um petardo.
Eu sabia desta possibilidade, mas quando o exame é apresentado à sua frente com o “detectado” um filme passa na sua cabeça.
Dançou, virou estatística e agora é torcer para não progredir no calvário dos que acabam com sintomas graves.
Dores pelo corpo, no fundo do olho e a garganta ardendo.
O exame já é um evento próprio.
Hastes longas e um estupro nas narinas.
Uma de cada vez, a impressão é de que procuram vestígios no cérebro.
Lágrimas inevitáveis e comuns, a enfermeira já antecipa o lenço.
Quatro dias de espera e antes mesmo do resultado a certeza já está cristalizada, tudo comprova e não dá mais para negar.
O que mais angustiava era um mal-estar sistêmico diferente de outras doenças.
Não é uma gripezinha e muito menos fantasia.
Esta é uma virose séria, e o que mais assusta é o potencial para piorar. Já acostumado a gripes e uma dengue, pensei: tiro de letra. Tirei, mas fiquei com a impressão de que a qualquer momento fugiria do controle.
Nos primeiros dois dias, o mal-estar não te deixa fazer absolutamente nada.
Eu tinha planos para os dias seguintes, mas o médico alertou que a hora seria de atenção máxima. Não houve recomendação da tal Cloroquina nem outros tratamentos radicais.
A sugestão aceita foi de suplementação alimentar à base de zinco.
O objetivo nem foi de curar, mas fortalecer as defesas e sabia que muitos esportistas já tomam esta suplementação como prevenção e complemento de micronutrientes.
Segui a vida com controle total da saturação de oxigênio, avaliação da pressão arterial e a temperatura.
A insistência do médico em medir os parâmetros me fez entender que os sintomas neste caso da infecção pelo novo coronavírus podem mudar de uma hora para outra, e saber exatamente o momento de procurar o hospital pode definir muito na sua recuperação e, sem exagero, mudar o parâmetro entre viver ou morrer.
Atenção: dificuldade para respirar e manchas pelo corpo são alarmes importantes para correr em busca de ajuda.
Os primeiros dias são angustiantes.
O resumo é de que se faz hora à hora e dia após dia.
O caminhar da Covid é assim, um dia de cada vez.
Quando se acorda um check-up mental é realizado em silêncio para definir a progressão dos sintomas.
Respirações profundas, pulmão muito bem, sem dores ou cansaço.
Cabeça, com dores ou sem dores.
A febre cedeu ou ainda insistente e finalmente o levantar para avaliar os músculos e suas dores.
Essa rotina diária inclui imediatamente a pergunta de todos os dias: “E aí?! Melhorou?”.
No quinto dia dos sintomas e depois de ter em mãos os resultados dos exames, a família e amigos passam a acompanhar com uma insistência que, hora ajuda e não raros são os momentos, incomodam.
Não é agradável falar das dores de cabeça, da dificuldade em lidar com o isolamento e da insistente diarreia que, entre outros males, acaba com a sua dignidade.
O acometido pela Covid é um “sem paciência”.
Acaba a compreensão e a irritação é muito grande.
O isolamento até que ajuda nesta nova fase.
Não seria mesmo bom dividir todas as angústias.
Lá fora a vida anda normalmente e você demora a tomar pé desta história.
É preciso alimentar com informações a rede externa e o trabalho. Não é fácil lidar com esta realidade paralela.
Quando está nas suas mãos o resultado positivo, o alerta médico é duro.
A responsabilidade de lidar com a condição de infectante não é fácil.
Em primeiro lugar, até descobrir que está com o vírus, uma rede de prováveis infectados por você tem que ser avisada.
No trabalho, nas andanças diárias e na família.
Pesa sobre sua cabeça a possibilidade de infectar alguém que não resistirá aos sintomas e, neste caso, você se transformaria num portador da sentença de morte.
A realidade se impõe e os noticiários noturnos da TV te assustam.
Mais de 1.000 mortes por dia, mais de 2 milhões de infectados e os nomes e as caras dos que não resistiram.
Esta realidade te assusta e um estado de desamparo grande, mas te leva para a realidade da doença. Um dia depois do outro.
Passados 10 dias, os sintomas já não são fortes, ainda o desânimo e mal-estar.
A sensação de não sentir cheiro é esquisita e chega a ser engraçada.
O álcool, arde nas narinas, mas, se não ardesse, você nem sentiria que aquele líquido é álcool.
Sem o paladar, a comida se transforma numa sensação de tato.
A preferência é pela textura.
O macio é sempre melhor, sem muito caldo e com cara bonita.
Este é um bom momento para evitar o desânimo na alimentação.
É preciso ir em frente e para tal é preciso comer.
Depois de 12 dias, além do distanciamento dos sintomas, aparece a preocupação com a vida e a falta que faz o trabalho e a convivência diária.
Hora de pensar em um novo exame.
O resultado negativo é o passaporte para a vida.
Ficam para trás as ameaças reais de hospital, intubação, apagão e talvez morte. Diferente do que imaginava, no pós-Covid não fica a impressão de invencibilidade.
A incerteza sobre a imunização me leva a ter muito mais cuidado para não passar novamente por todo o processo.
Tenho um filho médico que está na linha de frente atendendo emergência lotada de infectados.
É a nova realidade do atendimento médico.
Um garoto no primeiro semestre de profissão e já na batalha que vai marcar a sua vida para sempre.
Os relatos são assustadores e me fazem ver que fui um privilegiado e os sintomas pesados para mim, na verdade, são leves e não mereceram internação.
O vírus está circulando, fazendo vítima e não indica ainda que está de partida.
No meio deste sentimento, de que passei mais um degrau, mais um dia e agora distante da possibilidade de recrudescimento, recebo o telefonema que mais temia, o meu filho, médico, conhecedor das possibilidades do perigo destrutivo do vírus avisa que está positivo, com sintomas, e que não dormiu bem.
Estava indo para o hospital com falta de ar, cansaço e sinais de que o pulmão foi comprometido.
Ele sabia do que estava falando.
Foi o pior momento de todo o processo.
Senti um baque, e não poderia, como antes, correr com o meu filho para o hospital.
Ele foi sozinho, o pulmão 25% comprometido, sintomas clássico, mas sem internação.
Um alívio, mais uma vez sobrevivemos a esta ameaça que estacionou sobre os destinos recentes da humanidade.
A lição é de que não devemos nos desanimar, mas desdenhar os perigos da pandemia é uma ingenuidade.