VIGARISTA OU VÍTIMA? LEI RESPONDE

 


Wálter MaierovitchColunista do UOL
16/09/2024 15h58… - 

Cadeirada de Datena em Marçal: legítima defesa ou crime?

Volto ao tempo da antiga Roma, então considerada a capital do mundo e com leis escritas em doze tábuas de madeira. A pena, em hipótese de agressão injusta com lesão corpórea, era a de Talião: olho por olho, ou seja, a sanção era proporcional à gravidade sofrida pela vítima.

De lá para cá, a evolução e humanização foram marcantes, a começar pela Justiça pública, com o Estado como o único detentor do direito de punir. Com efeito, a Justiça privada tornou-se inadmissível mundo afora —não é lícito fazer justiça de mão própria.

Os códigos passaram a elencar, entre os crimes contra a pessoa, o ilícito de lesão corporal.


Entre nós, a lesão corporal é qualificada como leve, grave, gravíssima e seguida de morte. As penas variam de acordo com a gravidade.

Legítima defesa

Agora, atenção. A reação que afeta a integridade corporal pode, em certos casos, ser vista como legítima defesa.


Trocando em miúdos. Marçal levou cadeirada e sofreu lesão corporal. O ponto fulcral: o provocado Datena agiu em legítima defesa?

Como excludente do crime de lesão corporal, a lei penal admite a defesa pela pessoa ofendida sob certas condições —e dada a urgência— como mera reação de ataque. Trata-se de defesa moderada por parte do ofendido, sem tempo de buscar proteção do Estado.

O código penal, sobre a legítima defesa, fala em repelir moderadamente agressão injusta, atual ou iminente.

Trevas

Em episódio nebuloso, consumado no ano de 1963, o então senador Arnon de Mello, pai do ex-presidente Collor de Mello, matou outro senador a tiro de pistola, em sessão do Senado.

O projétil disparado pela arma de fogo desviou-se e acabou matando outro senador, que não tinha nada tinha com o alvo original, objeto de antigas desavenças alagoanas. Foi reconhecida, embora muito contestada, situação de legítima defesa em favor do senador Arnon.


Legítima defesa

Não existe nenhuma dúvida de que Marçal desobedeceu as regras disciplinadoras do debate, que se obrigou a cumprir.

Com o objetivo de dolosamente ofender a honra de Datena, Marçal passou a acusá-lo, falsamente, de autoria de crime de "assédio sexual".

Marçal sabia ser falsa a acusação que propalava, pois a investigação policial foi arquivada após parecer do Ministério Público: houve, inclusive, retratação daquela que se apresentara como assediada sexualmente.

Marçal fez uma devassa na vida de Datena. Pescou um fato grave e omitiu o realmente acontecido como solução final. Em resumo, deu para mostrar o seu mau caráter.

No particular, o candidato Datena explicou, com clareza e inicial paciência, como deu-se o encerramento do inquérito pelo assédio.


Nada adiantou, no entanto. Em réplica, Marçal, com baixaria e intenção induvidosa em atacar a honra do adversário de debate político, redobrou a carga ofensiva.

Verificada a lei penal, está nítido, até para um leigo no campo do direito, que Datena atuou em repulsa a uma agressão injusta, maledicente e canalha (sabidamente falsa).

Aliás, Marçal está sempre a usando informação falsa para se beneficiar politicamente na campanha: acusou falsamente o candidato Guilherme Boulos de usar cocaína. Mais ainda, acusou falsamente a candidata Tabata Amaral de abandonar o pai alcoolista e já falecido.

Pela lei penal, era atual a reação de Datena: estava acontecendo.

Marçal provocava Datena com as gírias "arregão" (covarde) e "jack" (estuprador), num linguajar chulo, comum entre custodiados em estabelecimentos prisionais. Certamente, Marçal, que já esteve preso, deve ter apreendido essa gíria de cadeia.

O problema para Datena está no enquadramento legal da legítima defesa, pois a lei exige, na repulsa defensiva, o uso moderado dos meios necessários.


Moderação e circunstâncias

A jurisprudência, no particular, não deixa Datena no mato sem cachorro.

Na mensuração legal, contam o grau e a gravidade da provocação que tiraram Datena do sério.

Não seria justo deixar de lado o clima e a exposição difusa da ofensa por meio televisivo, e a jurisprudência tem se orientado assim.

Datena também pediu direito de resposta aos fiscalizadores do debate, para responder às ofensas proferidas por Marçal e ao falso "assédio sexual", sem ser atendido.

Jurisprudência

Convém recordar uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, muito aplicada e sempre recordada na obra do saudoso criminalista Damásio de Jesus: "O requisito do emprego moderado do meio necessário não pode ser apreciado com rigor excessivo. Muitas vezes, o ofendido [Datena], em face das circunstâncias, não tem condições psicológicas para medir a proporcionalidade do revide em confronto com o ataque".


O uso de cadeira pesada irá contar contra Datena, ou melhor, poderá ser considerado meio desnecessário, mas se levará em consideração o potencial ofensivo como desestabilizador num comum mortal.

Como a resposta da Justiça é sempre demorada e o primeiro turno se aproxima, cada eleitor terá de fazer o próprio julgamento.

Na minha opinião, e aviso os navegantes que votarei em Tabata Amaral, houve, pelas circunstâncias, legítima defesa.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

https://noticias.uol.com.br/colunas/walter-maierovitch/2024/09/16/cadeirada-de-datena-em-marcal-legitima-defesa-ou-crime.htm

Postagens mais visitadas deste blog