Só Lula anteviu PIB. Diversifique fontes, imprensa! Povo e receitas na mira


Reinaldo Azevedo
Colunista do UOL
Método matemático infalível "Duzmercáduz" para prever o crescimento da economia. Parece que o troço não está funcionando muito bem...
Método matemático infalível "Duzmercáduz" para prever o crescimento da economia. Parece que o troço não está funcionando muito bem...

Huuummm... Não é que a economia no segundo trimestre tenha avançado, sei lá, um tantinho a mais do que SE esperava na comparação com o trimestre anterior... Deu o triplo: apostava-SE em 0,3%, e o IBGE aponta 0,9%. Em relação a igual período do ano passado, chega-se a 3,4%. Notaram ali, em negrito, os "SES"? Voltarei a eles. Quase todo mundo errou. Lula acertou (vídeo ao fim do texto).

Leio no "Valor" o seguinte:
"O Goldman Sachs elevou sua projeção para o PIB neste ano de 2,7% para 3,25% de expansão. O J.P. Morgan passou de 2,4% para 3%, enquanto a projeção para 2024 foi de 1% para 1,2%. O Barclays revisou sua previsão de 2,1% para 3% de crescimento, diante do 'consumo resiliente em um contexto de expansão fiscal e de um mercado de trabalho forte', argumenta, em relatório, o economista-chefe para Brasil, Roberto Secemski. A Guide revisou de 2,5% para 3% o avanço do PIB, enquanto a equipe de macroeconomia do PicPay (antes Original) passou a estimar, preliminarmente, um crescimento de 3%, ante 1,9%. O Banco ABC Brasil e a Terra Investimentos elevaram para 3% também, e a MCM Consultores colocou em 2,8%. O Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) revisou de 2% para 2,5%, assim como a consultoria BRCG."

Convenham: não deixa de ser curioso. Aprendemos todos a ver "Uzmercáduz" como o Oráculo de Delfos, e parecia que tinham linha direta com Apolo. Em alguns casos, o erro não é tão escandaloso. Em outros, é brutal. Em relação ao trimestre propriamente, caberia perguntar: o que é que os falsos "especialistas" não enxergavam e, no entanto, estava na realidade?


É claro que fico feliz com o resultado. Mas também estamos diante de um troço preocupante. Como esquecer que, ao decidir a taxa de juros, por exemplo, o Banco Central leve em conta as "expectativas 'duzmercáduz"? E, para todos os efeitos, essas pessoas operam com modelos matemáticos rigorosos, capazes de cercar as margens de erro. É mesmo? Se a economia andar de lado no resto do ano, teremos 3%.

O GOVERNO E O POVO NA CONTA
Quando se vai para o detalhe, constata-se que o consumo das famílias e o do governo contribuiu de forma importante para o nível de atividade. No primeiro caso, mais 0,9%; no segundo, 0,7%. Já a formação bruta de capital cresceu apenas 0,1%, depois de ter caído 3,4% no primeiro trimestre. Os juros reais pornográficos continuam a pesar. Inquestionável: se o governo tivesse seguido a receitinha dos nossos falsos "liberais" -- com sua tara para arrochar os pobres e cortar gastos públicos --, é evidente que não se teria colhido esse resultado.

O governo vive sob marcação cerrada, com os "especialistas" nos próprios interesses a ditar o seu receituário, reproduzido bovinamente pelo jornalismo econômico — que não se cansa de divulgar as projeções que depois são desmoralizadas pela realidade. Querem ver? Os mantras da hora, repetidos nesta sexta por Arthur Lira, presidente da Câmara, em papinho com o mercado financeiro, é tirar da gaveta a reforma administrativa — "contra os gastos" — e impedir o aumento dos impostos. Nesse segundo caso, leia-se: impedir a taxação de offshores e dos fundos exclusivos.


Pode-se dizer de outra maneira: enquanto o Congresso ataca a receita, estendendo a vigência da desoneração da folha de pagamentos e ampliando a mamata para municípios, Lira, o imperador, anuncia aos super-ricos: "Se depender de mim, vocês continuarão a mamar leite de pata". Traduza-se: impede-se o governo de obter a receita necessária para tentar o déficit zero no ano que vem e se tonitrua: "Queremos cortar despesas!" Quais? Ora, aquelas que atendem aos pobres e que são um dos motores do "PIB surpreendente".

MUDAR AS FONTES
Quando Haddad, nesse contexto, fala em déficit zero e lembra as possibilidades de conseguir receita, recebe como resposta de alguns setores, inclusive do jornalismo, um misto de ironia e deboche: é o chamado "tersitismo", de que tratei na minha coluna na Folha desta sexta.

Desde logo, acho que a imprensa profissional precisa dar um cavalo de pau na sua cobertura de economia. Que tal começar por trocar as fontes? Em vez de especuladores, com seus chutes interessados, talvez fosse o caso de começar a ouvir economistas respeitados da academia que não estão alavancados em nada. Ou o que se faz é enganar leitores, telespectadores, ouvintes e internautas. Ou vamos nos conformar com esse papo de "PIB surpreende"? Surpreende, vamos ser francos, os que caíram na conversa de especuladores ou adotam o erro de quem opera com modelos ineficazes. E nem me refiro, necessariamente, às projeções que destaquei acima. Essas já estavam corrigidas pelo PIB também "surpreendente" do primeiro trimestre.


Qual será o resultado final deste ano? E em 2024? Bem, os "especialistas" de sempre, obviamente, não sabem. Mas continuarão a fazer suas previsões porque, afinal de contas, a especulação não pode parar.

LULA ACERTOU
Ah, sim: numa entrevista a uma rádio de Goiás no dia 15 de junho, há dois meses e meio, o presidente Lula afirmou:
"Nós vamos crescer acima do 0,9% [como diz o FMI]. Vamos crescer entre 2% e 2,5% e possivelmente até mais. Vou mostrar que o PIB cresceu, a economia vai estar estável".

Não é que Lula acertou, e os que zombaram de suas previsões estavam errados? É claro que ele fazia política. Seu papel, por óbvio, não é ficar exercitando pessimismo. E os que agora são desmoralizados estavam fazendo o quê? Ora, política também.

OS "SES"
Voltem lá ao primeiro parágrafo. Observem a frequência com que o noticiário econômico emprega o "SE" como índice de indeterminação do sujeito. Quando a gente lê que a economia "avançou mais do que SE esperava", indague-se: quem diabos é esse "SE"? Pelo visto, é o pauteiro mais influente do país.

No dia 1º de junho, escrevi na Folha:
"Concluídos os cinco meses de governo, tem-se praticamente aprovado um arcabouço fiscal aplaudido, a seu modo, até por Roberto Campos Neto; resgataram-se programas sociais essenciais, e a economia não foi à breca, como anteviram implacáveis bolas de cristal. O país cresceu 1,9% no primeiro trimestre, 'bem acima do que se esperava' -- este'"se' é o índice de indeterminação do sujeito. 'Vai piorar', asseguram. Quem sabe se espere errado de novo... As mães Dinahs da economia andam a nos dever acertos."

ENCERRO
Acertei mais do que os porta-vozes dos "especialistas". Ocorre que, além de portarem vozes, atuam como especuladores amadores. Fiquem atentos: nos embates futuros por receita, as forças oraculares que erram todas tentarão nos impor seus interesses e seus erros. E contam com lobistas poderosos. Afinal, como a expansão surpreendeu e como isso aconteceu com o concurso do consumo das famílias e do governo, uma das formas para que suas previsões catastrofistas se cumpram consiste em tirar o povo do jogo. Preservar o leite de pata dos super-ricos é parte dessa equação perversa. Para que possam escarnecer depois: "Ih, não conseguiu o déficit zero"... O jogo é bruto.


Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.


OLHAR APURADO

Uma curadoria diária com as opiniões dos colunistas do UOL sobre os principais assuntos do noticiário. 

https://noticias.uol.com.br/colunas/reinaldo-azevedo/2023/09/02/so-lula-anteviu-pib-diversifique-fontes-imprensa-povo-e-receitas-na-mira.htm

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