Lula faz pacote de R$ 2,341 bi para o RS. Ou: As comportas da necropolítica

 

Reinaldo Azevedo
Colunista do UOL
Cidade de Muçum, destruída pelo ciclone extratropical; no destaque, o prefeito de Diogo Segabinazzi Siqueira (PSDB), que levantou questões, inclusive nas redes, que estão na origem de "fake news" absurdas
Cidade de Muçum, destruída pelo ciclone extratropical; no destaque, o prefeito de Diogo Segabinazzi Siqueira (PSDB), que levantou questões, inclusive nas redes, que estão na origem de "fake news" absurdas Imagem: Silvio Ávila/AFP; Reprodução

A extrema-direita ainda não desistiu da necropolítica. Continua a articular o seu discurso explorando a boa-fé dos vivos e a terra dos mortos. E tem de responder por suas escolhas. Já chego lá.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva determinou a liberação de um pacote de recursos federais para o Rio Grande do Sul que soma R$ 2,341 bilhões. Por extenso: dois bilhões, trezentos e quarenta e um milhões de reais, que estão assim divididos:
- repasse de R$ 741 milhões, com verbas oriundas de vários ministérios;
- liberação antecipada de R$ 600 milhões do Fundo de Garantia para atender a 354 mil trabalhadores;
- uma linha de crédito de R$ 1 bilhão do BNDES, sem juros, para empresas atingidas pela catástrofe.

O dinheiro vai atender às vítimas das chuvas torrenciais em decorrência de um ciclone extratropical que colheu o Estado, muito especialmente o Vale do Taquari. Ainda nesta quarta, em várias regiões, pode haver chuvas superiores a 100 mm.


O anúncio da liberação do dinheiro foi feito por Lula num vídeo breve, ao lado do vice, Geraldo Alckmin. O presidente ainda afirmou:
"Nós vamos continuar acompanhando [a situação] porque está chovendo ainda. Certamente, nós vamos ter muito mais informações, e, na medida em que forem acontecendo as coisas, nós vamos tomar as decisões. O que eu posso garantir ao povo do Rio Grande do Sul e ao povo da região que foi prejudicado pela chuva é que o governo federal não faltará no atendimento às necessidades do povo da região, seja pequeno e médio empresários, sejam moradores, sejam pessoas que perderam a casa. Nós vamos cuidar do povo com muito carinho porque o povo não pode sofrer do jeito que está sofrendo".

POLITIZAÇÃO DE VIGARISTAS
A politização a que vigaristas submeteram a tragédia é assombrosa. Mais uma vez, os canalhas fazem pouco caso da morte e do sofrimento. "Lula deveria ter ido às áreas castigadas pelo ciclone, não à reunião do G20", gritou-se nas redes. Errado. Tinha, como fez, de mobilizar a máquina federal e colocá-la à disposição dos gaúchos. O presidente não estava gozando de férias em cenário paradisíaco. Trabalhava no interesse de todos os brasileiros, também dos gaúchos. Qualquer comparação com o descaso de Jair Bolsonaro quando a Bahia estava debaixo d'água é essencialmente mentirosa. A falsa simetria, digo no podcast "Reconversa", é o sistema filosófico dos idiotas.

Se o dinheiro não chegar; se a ajuda não sair; se houver entraves, então é certo que o governador Eduardo Leite (PSDB) vai cobrar. O que não lhe cabe é alimentar a desconfiança, ainda que de modo oblíquo, de que a grana não é para valer ou de que pode não sair. Ele estudou administração pública e sabe que nem do seu palácio as verbas saem num estalar de dedos, o que não o impede de cobrar celeridade.


"Mas Lula vai à região?" Sacripantas prepararam uma cama de gato, gerando tensão política onde deveria haver apenas solidariedade. É uma falsa questão. Alckmin, como presidente em exercício, esteve nas áreas atingidas no domingo. Era a Presidência da República que se apresentava. E, insista-se, em pouco mais de uma semana, o Executivo decidiu mobilizar uma massa de recursos de mais de R$ 2,3 bilhões. A extrema-direita produziu o quê, além de "fake news"? Para não variar.

O PREFEITO PERGUNTADOR E AS COMPORTAS QUE NÃO EXISTEM
O jornal "O Globo" resolveu seguir o fio que resultou na mentira grotesca de que o aguaceiro que já matou 48 pessoas e prejudicou a vida de milhares decorreria da abertura das comportas de três represas "construídas em governos petistas".

Se parte da imprensa e pensadores de meia-tigela têm o próprio trabalho em tão baixa estima, a ponto de se solidarizar com farsantes supostamente perseguidos, anuncio: não entro nessa! O ódio não se confunde com informação. Quem veicula tal barbaridade não quer gerar ajuda, solidariedade ou fazer uma crítica política, que é sempre legítima, mas investir na revolta imotivada. Tripudia sobre cadáveres por motivos ideológicos.


Na raiz desse troço, não faltaram comportamentos absurdos, como o do prefeito de Bento Gonçalves, Diogo Segabinazzi Siqueira, do PSDB, um correligionário de Leite. No dia 7, ele mandou um ofício à Companhia Energética Rio das Antas (Ceran), concessionária do Complexo Energético Rio das Antas, em que cobrava informações sobre o funcionamento das barragens e sobre a "abertura de comportas". OCORRE QUE INEXISTEM COMPORTAS NAS TRÊS BARRAGENS QUE FORMAM O COMPLEXO.

É o administrador de uma cidade influente. Pegasse o telefone, e seria atendido por alguém da concessionária. Receberia a informação correta. E ele ainda achou pouco. No dia seguinte, gravou um vídeo, para mostrar que estava ativo, anunciando ao público que havia feito a cobrança à Ceran e ao governo federal (olhem aí...), responsável pela concessão. Ocorre que, quatro dias antes de enviar o documento, a empresa já havia feito os devidos esclarecimentos.

Informa o Globo:
"A Ceran respondeu [ao prefeito] que as barragens não têm capacidade de armazenamento e não têm controle sobre a vazão natural do rio Taquari. O excedente de água passa por cima dessas estruturas. A informação foi reforçada ainda pela Secretaria de Meio Ambiente do estado, que aponta em nota o evento climático como causa da enchente e não vê qualquer relação com as barragens."

Vale dizer: se o excedente passa por cima das represas, sem elas, a tragédia poderia ter sido ainda maior. No vídeo, diz o valente:
"A gente quer saber se essa água foi liberada de uma hora para outra, se as pessoas que moram na beira do rio foram informadas sobre o que estava acontecendo"

O que estava acontecendo, senhor prefeito, além de uma exploração politiqueira? Indagado a respeito pelo Globo, saiu-se com esta:
"Houve uma enchente, um nível recorde de água, mas, mesmo assim, preciso fazer todos os questionamentos. Se acontecer uma enchente de novo, fui buscar uma informação a mais. É proibido questionar no Brasil? Preciso ter toda informação possível. Não estou afirmando nada, estou fazendo perguntas, estou procurando ferramentas para evitar que aconteça de novo. Se alguém utilizar essa informação de uma maneira diferente, não sou eu que estou fazendo."

Errado! O senhor tem condições — e a obrigação funcional, ética e moral —de obter as informações técnicas antes de ir para as redes fazer alarde. "É proibido questionar no Brasil?", ele quer saber. Certamente não. Quando a pergunta vale por uma acusação e tende a gerar instabilidade social, então se está diante de uma escolha política. Será que, diante de tanto sofrimento, um representante do poder público pode fazer quaisquer perguntas, muito especialmente aquelas destinadas a gerar apreensão, tensão, desconfiança?


O prefeito de Veranópolis (RS), Waldemar de Carli (MDB), preferiu a sensatez:
"A princípio, nós aqui, da prefeitura de Veranópolis, acreditamos que elas [as barragens] não exerceram nenhuma atividade maléfica em cima desse desastre hídrico, nesse episódio isolado. O problema foi o grande volume de água: 20 vezes superior ao máximo já medido."

O deputado Osmar Terra (PMDB) — aquele que previu que o ciclo da Covid duraria 10 semanas no Brasil e mataria menos do que a H1N1 — resolveu dar mais uma de suas estupefacientes opiniões e também associou nas redes as enchentes do Vale do Taquari às três barragens. Não citou o PT. Nem precisava. Sua "fake opinion" já vinha à esteira das "fake news".

ENCERRO
Há quem entenda que a democracia comporta qualquer delinquência dentro do que chamam "liberdade de expressão". Não é, como sabem, o meu entendimento. Abrir comportas de represas sem que as populações que sofreriam o impacto dessa decisão fossem previamente advertidas seria, obviamente, crime. E acusar o crime que não aconteceu, explorando a desgraça que atingiu milhares e que matou quase 50 pessoas? Também é um ato criminoso.

Sei lá se o mundo dessa gente vai triunfar um dia. Ainda não aconteceu. Enquanto não, que se apliquem as leis. Encerro com uma indagação a Diogo Segabinazzi Siqueira, o prefeito perguntador de Bento Gonçalves: "É verdade que o senhor usou a terra arrasada para fazer politicagem rasteira, participando também da necropolítica?" Não se zangue. Não é proibido questionar, certo? E note que não gero, com a minha indagação, instabilidade social. A propósito: o senhor quer o telefone da Companhia Energética Rio das Antas?

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.


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