STF vai julgar a inimputabilidade civil de big techs, que perderam o limite

 

Reinaldo Azevedo - 

Colunista do UOL

05/05/2023 03h51

É preciso saber a hora de parar quando o caminho está errado

As chamadas "big techs" não souberam e dobraram a aposta do equívoco. Na noite desta quinta, ficamos sabendo que o ministro Dias Toffolli, do STF, avisou ao tribunal que está pronto seu voto sobre uma Recurso Extraordinário que trata da constitucionalidade — OU INCONSTITUCIONALIDADE — do Artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/14), que "aos provedores de aplicação" a inimputabilidade civil.

Como o PL 2630, o tal das "fake news", prevê a responsabilização civil caso as gigantes não se estruturem para eliminar conteúdos criminosos, com o risco de responsabilização civil e penal, as empresas foram à guerra e perderam qualquer noção de limite. Resolveram se comportar como Estados paralelos e mostrar aos Três Poderes da República quem realmente manda. Depois de uma campanha suja, que recorreu desbragadamente a "fake news", o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), relator, teve de retirar a matéria de pauta, e os reacionários bolsonaristas entraram em delírio gozoso.

Escrevi aqui um texto, no dia 2, com este título: "Fake news: Big techs e reaças vão à guerra. Adin e ADO neles, Supremo!". Demonstrei que inexistem pessoas, empresas, setores da economia, entes sociais de qualquer natureza que estejam livres, por princípio, da responsabilização -- excetuando-se, claro!, casos de descumprimento de ordem judicial. Só faltava gozarem dessa imunidade também!!! Observei ali, e o fiz em todo canto, que o Artigo 19, como está, é escancaradamente inconstitucional. A redação beira a parvoíce. Transcrevo:
"Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário."

A imprensa não é imune à responsabilização civil. Isso quer dizer que, então, ali não se pratica a "liberdade de expressão"? A garantia desta não exclui aquela. "Ah, mas redes e plataformas abrigam produções de terceiros; não podem responder por eles..." Não me obriguem a lembrar como funcionam os algoritmos, impulsionamentos e conteúdos pagos... A imprensa pode, com efeito, editar o material e escolher o que publica. E essas gigantes podem escolher o que você ouve, vê, lê, consome...

Mais: o PL 2630, no Artigo 11, fez um elenco de crimes com as quais os potentados de Internet deveriam especialmente se preocupar, agindo para eliminar conteúdos criminosos. E, ainda assim, depois de alertadas. É o que se está fazendo mundo afora: Canadá, Austrália, União Europeia... Mais: além da inconstitucionalidade do Artigo 19 da Lei 12.965, o Supremo pode estender a responsabilização prevista no Código de Defesa do Consumidor às redes e plataformas enquanto o Congresso não votar lei específica. Isso pode ser feito no âmbito de uma Ação Direita de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO).

As donas do mundo não quiseram saber e partiram para a guerra, o que as levou à condição de investigadas nos inquéritos das "fake News" e das "milícias digitais". Quando Silva teve de retirar o PL para evitar uma derrota, escrevi um outro texto aqui, este no dia 3: "Votação foi adiada, mas a derrota maior é das big techs. Explico por quê". E destaquei ponto a ponto da decisão do ministro Alexandre de Moraes, que determinou que a PF ouvisse os presidentes ou similares das empresas de Internet sobre a campanha movida contra o PL. E dei ênbfase a um trecho do que ele escreveu:
"A real, evidente e perigosa INSTRUMENTALIZAÇÃO dos provedores de redes sociais e de serviços de mensageria privada para a mais ampla prática de atividades criminosas nas redes sociais pode configurar responsabilidade civil e administrativas das empresas, além da responsabilidade penal de seus administradores por instigação e participação criminosa nas condutas investigadas nos referidos Inquéritos 4.781 e 4.874".

Houve quem preferisse comemorar a "vitória" que era, na verdade, derrota.

AGORA TOFFOLI
O ministro Dias Toffoli é relator de um Recurso Extraordinário interposto justamente pelo Facebook, vejam que ironia!, que pede o reconhecimento da constitucionalidade da aberração que é o tal Artigo 19. Atrelar a responsabilização civil à desobediência de uma ordem judicial é uma afronta clara à Constituição -- e não entrarei no mérito sobre por que o troço permanece intocado até agora, apesar de toda sorte de abusos.

Bem, Toffoli avisa que seu voto está pronto depois de várias audiências públicas. Não sei qual é, mas parece que ele está com as preocupações corretas. Leio na Folha:
Toffoli destacou que a autorregulação das plataformas também é bem-vinda, assim como existe na área da publicidade. Ele disse que isso poderia evitar várias discussões que chegam ao Judiciário, que cuidaria apenas das exceções.
Ele disse ainda que houve o aumento da depressão e suicídio entre adolescentes e citou os ataques em 8 de janeiro deste ano.
(...)
"Eles [parlamentares] têm o direito de não querer decidir. Nós aqui no Judiciário não temos esse direito. Temos que decidir porque temos vidas, pessoas e partes que estão requerendo seus direitos ou seus pretensos direitos, e temos que julgar e decidir", disse. "Eventualmente, se o Parlamento regular a matéria, nós vamos enfrentá-la já também à luz do direito novo", acrescentou.

Encerrei deste modo aquele post em que afirmei que as "big techs" perderam com o adiamento da votação:
"Escrevi ontem aqui que as empresas faziam mal em escolher o confronto. E que a regulamentação era o melhor caminho porque nada iria livrá-las da responsabilização civil. A razão é simples: é uma imposição constitucional. Ou há algum outro setor da sociedade que goze de tal inimputabilidade?
Na aparência, foi dia de uma vitória retumbante. De verdade, os potentados perderam. E o futuro vai deixar isso claro."

Sim, elas perderam. E, no caso, a democracia vai ganhar. É preciso saber a hora de parar.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL 

https://noticias.uol.com.br/colunas/reinaldo-azevedo/2023/05/05/stf-vai-julgar-a-inimputabilidade-civil-de-big-techs-que-perderam-o-limite.htm

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