Fim de emergência abre batalha entre Brasil e ricos sobre vacina e pandemia

 

Jamil Chade - 

Colunista do UOL

05/05/2023 20h32
Atualizada em 05/05/2023 20h34


fim da emergência internacional da covid-19 abre uma batalha diplomática entre os governos do Brasil, de países emergentes e dos países ricos, na tentativa de criação de um novo tratado internacional que terá como objetivo criar uma base para que o mundo possa enfrentar uma futura pandemia de uma maneira mais eficiente.

A gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já avisou que vai pressionar por um acordo que garanta acesso a vacinas e tratamentos, numa postura radicalmente diferente da atitude do governo de Jair Bolsonaro (PL) nos primeiros meses da pandemia.

Hoje, depois de mais de três anos, a OMS (Organização Mundial da Saúde) anunciou o fim da emergência da covid. Segundo a agência, porém, a crise foi marcada por um fracasso da comunidade internacional em ter acesso a remédios, vacinas e informação sobre o surto.

Para Tedros Gebreyesus, diretor-geral da OMS, a doença "desnudou as desigualdades gritantes do nosso mundo, sendo as comunidades mais pobres e mais vulneráveis as mais afectadas e as últimas a ter acesso a vacinas e outros instrumentos".

Uma das decisões dos governos tinha sido a de lançar um processo negociador de um novo tratado que permita que, numa eventual nova crise, o mundo possa responder de forma mais adequada, menos egoísta e mais transparente.

Mas as primeiras negociações, realizadas de forma confidencial, tem mostrado um profundo grau de desacordo entre os países. Diplomatas que participam do processo admitiram ao UOL que não há um acordo sequer sobre a definição do termo "pandemia".

O processo negociador será oficialmente estabelecido em junho, em Genebra. Mas Brasília já alerta que o governo Lula vai desembarcar com uma exigência de que fique determinado que, numa pandemia, países terão acesso "desimpedido e equitativo" a produtos médicos, vacinas e tratamentos.

Para os países emergentes, o processo negociador passou a ser uma oportunidade para denunciar e corrigir o desequilíbrio na distribuição de vacinas. Entre 2020 e 2021, enquanto países ricos compraram vacinas suficientes para cinco vezes suas populações, dezenas de economias pobres passaram meses sem receber doses do imunizante.

Na OMS, a constatação é que milhares de vidas poderiam ter sido salvas se tivesse ocorrido uma distribuição mais justa das vacinas.

A proposta brasileira, no entanto, enfrenta a resistência de europeus e americanos. Para os países ricos, o termo "desimpedido" poderia ser usado por governos como um instrumento para questionar e combater as sanções comerciais impostas a eles. Ter um tratado com tais poderes, neste caso, significaria um enfraquecimento do regime de sanções.

Outro obstáculo foi identificado quando a União Europeia, Israel, EUA, Japão e Austrália se opuseram à ideia do Brasil e de outros países emergentes de incluir uma referência de que a comunidade internacional tenha "responsabilidades comuns e diferenciadas" diante de uma nova pandemia.

Ou seja: numa eventual crise sanitária, todos têm responsabilidades. Mas aqueles com mais recursos, produção e condições devem agir para garantir o abastecimento de vacinas e outros produtos ao restante do mundo.

Para os europeus e americanos, esse é um conceito usado nas conversas sobre o clima e não deve ser colocado em um tratado pandêmico.

Compartilhar benefícios

Um dos principais elementos de desacordo, porém, é a insistência do Brasil e governos asiáticoa, africanoa e latino-americanos em assegurar que o tratado também estabelecesse regras sobre "compartilhamento de benefícios".

Os países emergentes estariam dispostos a compartilhar amostras de vírus e outros espécimes, se assegurados de que os produtos médicos desenvolvidos a partir daquela coleta chegariam até eles.

O temor do mundo em desenvolvimento é que, depois de serem obrigados a fornecer amostras de um suposto vírus a um laboratório americano ou europeu, tenham depois de destinar bilhões de dólares para comprar o imunizante que seja produzido a partir daquilo que descobriram.

Para os países desenvolvidos, incluindo os europeus, entretanto, esse é um conceito que deveria ser limitado à discussão sobre a biodiversidade. E não para pandemias.

"Não precisava ser assim"

Para Tedros, o fim da emergência é "um momento de reflexão". "A covid-19 deixou — e continua a deixar — cicatrizes profundas no nosso mundo. Essas cicatrizes devem servir como um lembrete permanente do potencial de surgimento de novos vírus, com consequências devastadoras", disse.

"Enquanto comunidade mundial, o sofrimento que suportamos, as lições dolorosas que aprendemos, os investimentos que fizemos e as capacidades que construímos não podem ser desperdiçados", alertou ontem.

"Temos o dever para com aqueles que perdemos de aprender essas lições e de transformar esse sofrimento numa mudança significativa e duradoura", defendeu.

Para ele, "uma das maiores tragédias da covid-19 é que não tinha de ser assim". "Temos os instrumentos e as tecnologias para nos prepararmos melhor para as pandemias, detectá-las mais cedo, responder-lhes mais rapidamente e atenuar o seu impacto", afirmou.

"Mas, a nível mundial, a falta de coordenação, a falta de equidade e a falta de solidariedade fizeram com que esses instrumentos não fossem utilizados de forma tão eficaz como poderiam ter sido. Perderam-se vidas que não deveriam ter sido perdidas", disse.

"Temos de prometer a nós próprios e aos nossos filhos e netos que não voltaremos a cometer esses erros", insistiu.

Segundo ele, é isso que está em jogo no acordo que se negocia: "um compromisso para com as gerações futuras de que não voltaremos ao velho ciclo de pânico e negligência que deixou o nosso mundo vulnerável, mas avançaremos com um compromisso partilhado de enfrentar ameaças partilhadas com uma resposta partilhada".

Tedros lembrou como, em 1948, o mundo se reuniu depois da Segunda Guerra Mundial e se comprometerem a trabalhar em conjunto em prol de um mundo mais saudável, "reconhecendo que as doenças não têm em conta as linhas que os humanos traçam nos mapas".

"Forjaram um acordo: a Constituição da Organização Mundial de Saúde", disse. "Três quartos de século mais tarde, as nações estão novamente a juntar-se para forjar um acordo que garanta que não voltamos a repetir os mesmos erros", disse, numa referência ao novo tratado.

"Se não fizermos estas mudanças, quem as fará? Esta é a geração certa para fazer essas mudanças. E se não as fizermos agora, quando o faremos?", questionou. "Se voltarmos a ser como éramos antes da covid-19, não teremos aprendido as nossas lições e teremos falhado às gerações futuras", completou.  

https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2023/05/05/fim-de-emergencia-abre-batalha-entre-brasil-e-ricos-sobre-vacina-e-pandemia.htm

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