Reinaldo: Marco fiscal - O que nos ameaça é o reacionarismo, não a esquerda

 

Reinaldo Azevedo - O novo arcabouço fiscal, a natureza da política e a ameaça reacionária


Consta que o presidente Lula quer tornar pública a proposta de novo marco fiscal antes do dia 24, quando viaja para a China. Na sexta, a dita-cuja lhe foi apresentada no detalhe por Fernando Haddad (Fazenda), em reunião a que estavam presentes também os ministros Rui Costa (Casa Civil), Simone Tebet (Planejamento), Esther Dweck (Gestão e Inovação em Serviço Público) e Geraldo Alckmin (Indústria e Comércio) — e, como se sabe, vice-presidente da República. Lula teria sugerido a Haddad aprofundar conversas com mais economistas e com os presidentes da Câmara e do Senado, Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), respectivamente. Ainda não se conhece o texto, mas a fofoca corre solta, pautada pelo ódio à política e pelo desprezo aos fatos.

Por que digo isso?

Gleisi Hoffmann, presidente do PT, estaria empenhada na defesa de um arcabouço que não impeça o governo de investir nem resulte em corte de recursos para a área social. A Folha registra a seguinte fala sua:
"Se é verdade que a economia crescerá menos este ano, segundo indicadores divulgados pelo governo, precisamos então aumentar os investimentos públicos e não represar nenhuma aplicação no social. Em momentos assim, a política fiscal tem de ser contracíclica, expansionista".

Para lembrar. A Fazenda previu na semana passada uma expansão de 1,61% do PIB neste ano, inferior aos 2,1% de que se falava na gestão Bolsonaro, mas, ainda assim, acima da antevisão veiculada pelo mercado por intermédio do Boletim Focus: 0,89%.

A presidente do PT é o espantalho predileto "Duzmercáduz", e uma fala como a que vai acima, óbvia a mais não poder, já é lida como uma tentativa de sabotar Haddad. Que coisa! Ninguém conhece o que está lá. Tudo o que se veicula são especulações. Que a líder petista expresse como ideia geral a necessidade de uma ação anticíclica do governo em momento de baixo crescimento, convenham, é só o cumprimento de um dever.

RUI COSTA E LULA
Como se diz nos bastidores que Rui Costa seria hoje o ministro mais afinado com Lula, também se lhe tenta atribuir resistência. Ele comporia o núcleo do PT disposto a criar empecilhos na contramão da expectativa "duzmercáduz". Não deixa de ser curiosa essa tentativa de colar no chefe da Casa Civil a pecha de "radical". Até outro dia, era tido em muitos círculos petistas como "a direita do partido". Isso também era bobagem. Faço a lembrança para destacar como essas avaliações vão variando segundo a metafísica influente.

Lula pediu a Haddad que converse com os respectivos presidentes de Câmara e Senado, e Lira teria sugerido ao próprio ministro que abra diálogo com os parlamentares para ir, desde já, tentando contornar eventuais futuras reservas ao texto. E essas duas coisas nos lembram que será o Congresso Nacional a aprovar ou a rejeitar a Lei Complementar, não o governo ou um eventual núcleo de resistência do PT.

CONGRESSO DECIDE
Lembrem-se: para que Lei Complementar seja aprovada, são necessários pelo menos 257 votos na Câmara e 41 no Senado -- maioria absoluta de cada Casa. A suposição de que se possa ter um convite à gastança desenfreada, que vá botar fogo no circo para satisfazer o apetite pantagruélico de terríveis petistas, movidos pelo mais desbragado populismo, é puro terrorismo ideológico e má vontade.

Gleisi, Costa e o próprio Lula forçarem a mão em nome do social, acreditem, é um contraponto necessário ao risco de que os conservadores e os reacionários tentem impor ao governo o cumprimento de metas impossíveis — desde, é claro!, que o Orçamento não se descuide de garantir a generosa repartição de recursos para as emendas dos parlamentares.

Cada um expressa seus receios segundo o que pretende para o Brasil e segundo seus aportes morais e éticos, não é mesmo? Eu não tenho receio nenhum — fica abaixo de zero — de que o marco fiscal que será apresentado pela Fazenda nasça sob a égide do terrível (para os mistificadores) "populismo de esquerda" ou que, nas negociações que haverá no Congresso, a coisa degenere para uma licença para a gastança.

Se me resta algum temor, ele tem sentido contrário: parte considerável do Congresso está sob a influência da pistolagem bolsonariana, e o ânimo dessa gente, como já se percebe, é o da arruaça, da oposição sistemática, da sabotagem. Se não houver quem fale na necessidade de se manterem investimentos públicos e de se preservar a área social do fiscalismo tosco, o discurso da barbárie social se impõe, ainda que tente envergar as vestes da responsabilidade fiscal.

Eu prezo a política e entendo que é a única maneira de se resolverem conflitos de modo civilizado. As alternativas são tiro, porrada e bomba. Do modo como enxergo as coisas, entendo que o papel de Haddad, guardada a dignidade do cargo — e ele tem se comportado exemplarmente —, é mesmo falar com "Uzmercáduz", ser compreensivo, tolerante e aberto ao diálogo. Com absoluta maestria, poderia dizer: "Olhem, por mim, faria assim como me pedem... Vocês estão certos, mas sabem como é... O Brasil tem um presidente".

Já a Gleisi, cumpre lutar pelas convicções de seu partido. Lula e Costa têm de fazer o esforço máximo para que o tal novo "marco fiscal" dê margem ao governo para fazer políticas públicas de indução do crescimento, de diminuição das desigualdades e de atendimento aos mais vulneráveis. Sim, muita gente no Congresso tem essa mesma preocupação. Mas, se querem saber, deixados todos à sua própria natureza, não se consegue chegar a 257 deputados e a 41 senadores para votar uma boa causa. Infelizmente!

Que cada um cumpra o seu papel. Errado seria se Gleisi estivesse se comportando com a rigidez — em relação a gastos — que se espera de um ministro da Fazenda, e o ministro da Fazenda, falando principalmente em nome de seu partido. Do modo como as coisas estão, entendo, elas me parecem no lugar. Basta operar com um mínimo de lógica para intuir que a única coisa que ameaça o novo marco fiscal — que será, lembre-se de novo, aprovado por Lei Complementar, por maioria absoluta — é o conservadorismo reacionário de gente disposta a sabotar o governo.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.   

https://noticias.uol.com.br/colunas/reinaldo-azevedo/2023/03/20/o-novo-arcabouco-fiscal-a-natureza-da-politica-e-a-ameaca-reacionaria.htm

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