O erro, Lula, não está em livros. O que fazem aqui não está em livro nenhum

 

Reinaldo Azevedo - 


"Quem Lula pensa que é para dizer que 'os livros de economia estão superados' e que 'é preciso criar uma nova mentalidade sobre a razão de a gente governar'? O cara se orgulha de só ter um diploma de ferramenteiro do Senai e resolve dizer como funciona a economia?"

Quanta arrogância!

Fico a imaginar quantas vezes essas indagações não foram feitas em silêncio — ou nem tanto... — depois desta segunda. O presidente fez tal afirmação ao relançar, em novos moldes e com novas regras, o programa "Mais Médicos".

Ele fez outras provocações de causar arrepios em fundamentalistas do fiscalismo, todos candidatos a professores de Joseph Stiglitz, Nobel de Economia e professor da Universidade de Columbia. Em seminário do BNDES, o verdadeiro luminar descascou a política de juros no Brasil, o que deixou a turma do nível Massinha I do "Liberalismo à Brasileira" certamente indignada. Pois é... Uma indagação lógica: se o petista se nega a aprender economia com esses fanáticos, no que faz bem, por que esses fanáticos se negam a aprender economia com Stiglitz ou com James Galbraith, no que fazem muito mal? Ah, é que estão muito ocupados colhendo aspas de operadores "duzmércáduz".

O que mais ele disse? Isto, por exemplo:
"O Mais Médicos voltou, porque a saúde não pode ser refém do teto de gastos, dos juros altos ou cortes orçamentários em nome de um equilíbrio fiscal".
Ou ainda:
"Não pode tratar educação como gasto, a saúde como gasto, porque não tem investimento maior do que salvar uma vida".

Lembrei em texto de ontem, publicado aqui, o óbvio: quem vai definir o novo marco fiscal é o Congresso Nacional, por meio de Lei Complementar, que requer maioria absoluta: pelo menos 257 votos na Câmara e 41 no Senado. O risco que corre o Brasil não é o texto sair como quer o mandatário, mas como querem os barulheiros da turma Massinha I...

Já expliquei por que o papel de Lula e de Gleisi Hoffmann, que comanda o PT, é mesmo pressionar para que o governo consiga investir e para que se preservem -- se possível, que se ampliem -- os gastos sociais. Não se trata de divisão entre a "Ala A" ou "Ala B", como afirmou, acertadamente, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Disse ele:
"Não vejo essa divisão no governo, ala política e ala econômica, nem sei do que se trata. Fui candidato à Presidência da República pelo Partido dos Trabalhadores. Sou de que ala? Não faz sentido esse tipo de divisão. Toda decisão é técnica e política, ainda mais uma decisão dessa importância. Por isso que é o presidente da República que dá a última palavra".

Santo Deus! Vamos buscar uma palavra abandonada na era das opiniões com um vocabulário de não mais do que mil palavras... Isso que falou Haddad é o que se chamava em tempos menos obscuros de "truísmo" — ou verdade evidente por si mesma. A rigor, chega a ser absurdo que o ministro tenha de mencioná-la.

Reitere-se: o chefe do Executivo dará a última palavra sobre a proposta do governo para o arcabouço fiscal. Mas a decisão é do Congresso Nacional, onde hoje se homizia de tudo. Há até gente séria por lá.

ÓDIO À POLÍTICA
Acompanhei as reações ao longo do dia às declarações feitas na solenidade. É impressionante que a expressão de um norte político -- por meio do qual ele certamente pretende influenciar parlamentares, debatedores, polemistas etc. -- seja tratada como se ele estivesse decidindo, por decreto, que os desembolsos com saúde e educação não mais serão considerados despesas. Um líder político pode e deve pregar novos consensos sem data para acontecer. Trata-se tão-somente da defesa política dos gastos sociais. Ou alguém acha que o cara está no terceiro mandato porque é bobo?

Voltemos ao presente. Será que Lula está forçando a mão para que o novo marco fiscal retire os recursos dessas duas áreas da coluna das despesas? A julgar por coisas que li, vi e ouvi, sim! E, no entanto, isso é só uma leitura enfezada e falsa. Será mesmo que ele alimenta alguma esperança de que uma proposta com tal teor — que, de resto, não faria — teria alguma chance de ser aprovada pelo Congresso?

Tenham a santa paciência! A política continua a ser criminalizada por amplos setores da imprensa, o que só leva água para o moinho da fascistada. Bom mesmo era o tempo em que o dito "Posto Ipiranga" supostamente mandava na economia, enquanto seu chefe fazia pregação contra o STF, a democracia, as mulheres, os gays... E, no fim das contas, o dito sábio dos números sempre fazia as vontades do ogro dos diamantes.

"RECICLAGEM"
Antes dos 90 dias, este governo já relançou o Bolsa Família -- voltaram as contrapartidas necessárias para receber o benefício, como matrícula em escola e vacina --, o Minha Casa Minha Vida e agora o Mais Médicos. Também é frequente que se afirme que, sem ter o que apresentar, o petista apenas recicla programas antigos...

Ele deveria, então, deixar as coisas como encontrou, no chamado "Padrão Bolsonaro de Cuidado com o Social", para evidenciar que está preocupado com o futuro? Sei lá se é só tolice, se é má-fé, mas essa crítica não faz nenhum sentido. Era e é preciso frear a barbárie que estava em curso. Ademais, como resta óbvio, será o novo marco fiscal a definir o que vem pela frente na área econômica.

JUROS
O discurso no relançamento do Mais Médicos será alvo da ranzinzice costumeira, mas, de longe, não foi o que de mais importante se falou ontem no país. A crítica de Stiglitz à política de juros e as considerações de Josué Gomes da Silva, presidente da Fiesp, no seminário promovido pelo BNDES, deveriam merecer ao menos uma contestação técnica dos insatisfeitos.

O primeiro chamou de "chocantes" os 13,75% da Taxa Selic e os juros reais de 8%, níveis capazes, afirmou, de "matar uma economia como a brasileira." Josué, um líder empresarial que realmente é dono de empresa (está virando raridade no país!), foi ao ponto. Disse ser "inconcebível a atual taxa de juros no Brasil", que classificou de "pornográficas". Para ele, um país com dívida bruta equivalente a 73% do PIB e com reservas internacionais de US$ 370 bilhões (R$ 1,9 trilhão) não pode ser considerado um país com problema fiscal.

O Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) se reúne hoje e amanhã para decidir a Selic. E, é claro, a maioria "Duzmercáduz" acha que tudo tem de ficar como está, a despeito do que acontece no mundo e no país.

Ontem, a GM, a Hyundai e a Stellantis — que reúne Fiat, Jeep, Peugeot e Citroën — decidiram suspender as linhas de produção e dar férias coletivas a seus funcionários. Não que lhes faltem componentes desta feita. Faltam-lhes compradores.

É certo que muitos livros de economia estão superados. Outros não. Sugiro a Lula que considere que algumas burrices que estão em curso não estão em livro nenhum. Ou me digam um só a ensinar que inflação derivada de choques na oferta — no caso, pandemia e guerra da Ucrânia — se combate com juros elevados, especialmente quando a economia está desaquecida e o consumidor não vai às compras.

O problema, definitivamente, não está nos livros. Não há um só que recomende o que está em curso no Brasil.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL 

https://noticias.uol.com.br/colunas/reinaldo-azevedo/2023/03/21/o-erro-lula-nao-esta-em-livros-o-que-fazem-aqui-nao-esta-em-livro-nenhum.htm

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