Entrega de joias masculinas 13 meses depois mais dana do que ajuda o "Mito"

 

Reinaldo Azevedo - 


No dia 29 de novembro do ano passado, 13 meses depois de Bento Albuquerque — então ministro das Minas e Energia — e sua comitiva terem desembarcado no Brasil com caixas contendo joias multimilionárias endereçadas a Jair e a Michelle Bolsonaro, já estava claro que o ainda presidente, já derrotado nas urnas, teria muito cedo um problema gigantesco de natureza policial. Mais um. A menos que ele conseguisse o que já começava a se mostrar impossível: pôr as mãos nos diamantes retidos. Por que essa data é importante? Vamos ver.

Na entrevista que concedeu ao Estadão em que confirmou que sua comitiva trazia joias para o presidente e para a primeira-dama, Albuquerque falou sobre "duas caixas": uma para o varão; outra para a varoa — ambos de Plutarco, é claro!

Pois bem: reportagem da Folha informa que, com efeito, as joias que o rei saudita havia endereçado a Bolsonaro foram entregues ao patrimônio público: a caixa continha relógio, caneta, abotoaduras, anel e o que parece ser um masbaha — conhecido como "terço islâmico". Tudo igualmente da marcha Chopard, entre as mais caras do mundo.

As datas são muito importantes aqui. A comitiva de Albuquerque, que parece ter servido como uma espécie de "mula" do contrabando de joias, desembarcou no Brasil no dia 22 de outubro de 2021 — quando, então, a caixa com as joias femininas foi apreendida pela Receita Federal — e o resto da história vocês já conhecem.

O pacote com os mimos masculinos não deve ter sido detectado pela Receita. Estava em outra mala, não inspecionada. E, até onde se sabe, não se acusou a sua entrada no Brasil. Estamos juntos até aqui? Pois bem...

No dia 29 de novembro de 2022, aquela data que aparece na primeira linha deste texto, Antônio Carlos Ramos de Barros Mello, assessor especial do Ministério das Minas e Energia, entregou à Presidência da República a caixa com as joias destinadas a Bolsonaro -- aquelas que não ficaram retidas. O trecho do recibo diz o seguinte:
"Encaminho ao Gabinete Adjunto de Documentação Histórica --GADH caixa contendo os seguintes itens destinados ao Presidente da República Jair Messias Bolsonaro".

Como, no bolsonarismo, o que interessa é o mundo paralelo, não o mundo dos fatos, essa entrega está sendo apontada como evidência de que Bolsonaro não pretendia ficar com o lote das joias femininas, avaliado em R$ 16,5 milhões. É mesmo?

A qualquer pessoa razoável, esse fato torna a história ainda mais complicada para o ex-presidente e para todos aqueles que se envolveram na operação, a começar do almirante da reserva Bento Albuquerque. E por quê? Faço o elenco de motivos:

1: treze meses depois de as joias terem desembarcado no Brasil, Bolsonaro e todos que conheciam o rolo sabiam que dificilmente as "joias de Michelle" seriam entregues ao ainda presidente, embora ele tenha tentado pôr as mãos nos diamantes até o último momento;

2: entregar ao patrimônio público a parte que não fora retida pela Receita funcionava como uma espécie de álibi preventivo — coisas que os bolsonaristas tentam emplacar agora nas redes: "Olhem aí, ele devolveu até a parte que nem era conhecida";

3: ora, então as joias chegam ao Brasil, não são declaradas por ninguém e são entregues a seu verdadeiro dono apenas 13 meses depois?;

4: segundo essa versão, a tal caixa estaria sob a guarda do Ministério das Minas e Energia;
5: alguém aí é capaz de explicar por que seria essa pasta a permanecer por longos 13 meses como guardiã de um presente que pertencia ao patrimônio público?;

6: a evidência de boa-fé, com 13 meses de atraso, mais complica do que simplifica para o ex-presidente e para os demais envolvidos.

7: o que parece é que as joias que foram entregues a seu verdadeiro dono, mais de um ano depois da chegada ao país, buscavam esconder a operação para não entregar as outras. E também isso não deu certo.

A lista de pessoas a serem investigadas vai crescendo. Pela ordem:
1: Jair Bolsonaro, o destinatário dos mimos multimilionários;

2: Bento Albuquerque, então ministros que chefiou a comitiva e que tentou liberar as joias retidas;

3: Marcos André Soeiro, sargento da Marinha, em cuja bagagem se encontram as joias destinadas a Michelle;

4: Júlio César Vieira Gomes, então secretário da Receita, que pressionou servidores a liberar as joias;

5: sargento do Marinha Jairo Moreira da Silva, que tentou pegar as joias, sob as ordens da Presidência, um dia antes de Bolsonaro fugir;

6: o então chefe da Ajudância de Ordens do Presidente, tenente-coronel Mauro Cid, que comandava a operação executada pelo sargento Jairo Moreira da Silva;

7: Antônio Carlos Ramos de Barros Mello, então assessor especial do Ministério das Minas e Energia, que entregou a caixa com as joias masculinas apenas 13 meses depois de desembarcarem no Brasil;

8: Adolfo Sachsida, que comandou as Minas e Energia depois de Bento Albuquerque; as tais joias declaradas teriam ficado sob o poder da pasta por longos seis meses de sua gestão sem que ninguém soubesse;

9: ver quem, no Ministério das Relações Exteriores, tentou liberar os diamantes e sob as ordem de quem;
10: ver quem, no Ministério da Economia, tentou a mesma coisa e sob as ordens de quem

Na verdade, será preciso ouvir todos que integraram a comitiva para se apure quem, afinal de contas, tinha conhecimento da operação.

Inferir que a entrega de uma parte dos presentes supostamente dados pelo rei saudita ameniza a situação de Bolsonaro é má-fé, burrice ou ambas. Isso é que se chama gato escondido com o rabo de fora. Está mais para tiro no pé.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL  

Reinaldo Azevedo 

Colunista do UOL

05/03/2023 20h04

https://noticias.uol.com.br/colunas/reinaldo-azevedo/2023/03/05/entrega-de-joias-masculinas-13-meses-depois-mais-dana-do-que-ajuda-o-mito.htm

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