Patrulha contra Haddad não faz sentido
Reinaldo Azevedo - Retrato com 4 presidenciáveis.
Luiz Inácio Lula da Silva apresentou nesta sexta, em companhia de Geraldo Alckmin, seu vice, e de Gleisi Hoffmann, presidente do PT, a primeira leva de ministros, com uma ausência.
Destaque-se de saída que a fotografia traz, de cara, pelo menos quatro pré-candidatos a 2026: o próprio Alckmin, Flávio Dino (Justiça), Fernando Haddad (Fazenda) e Rui Costa (Casa Civil).
Os dois primeiros são filiados ao PSB; a outra dupla, ao PT. José Múcio Monteiro, também no retrato, tentará exercer o papel de algodão entre os cristais da Defesa.
Na origem dessa relação, há distorções e aberrações.
Mas acho que é o que sobrou para agora.
O quinto ministro, Mauro Vieira, é embaixador do Brasil na Croácia e por isso não pôde se juntar à turma.
Deve estar ouvindo da janela a festa em Zagreb...
Por que falo sobre presidenciáveis? Lula já anunciou que não pretende concorrer à reeleição em 2026.
É provável que seja mesmo essa a sua intenção.
Convenham: a jornada de agora já beirou o sobre-humano, e o presidente eleito tem o direito a um pouco de sossego.
Mas estamos no território da política. E se tudo der muito certo? E se Lula chegar a 2026 como um nome imbatível? Tolice especular a respeito.
É fato que, com as cinco primeiras nomeações, o petista escolhe alguns pesos-pesados da política: têm experiência e jamais demonstraram a intenção de afrontar as regras do jogo democrático. Isso, por si, não garante bom desempenho. Mas é a certo que a disposição para a afronta às instituições consegue é produzir desastres.
HADDAD
Comecemos pelo nome supostamente mais polêmico, porque com um monte de zagueiros a lhe infernizar os calcanhares, alguns eventualmente dispostos a dar carrinho mirando mais a canela do que a bola: Fernando Haddad. As restrições a se nome como titular da Fazenda, oriundas de setores dos "duzmercáduz" é fruto mais do preconceito -- e, em boa parte, da ignorância -- do que de alguma declaração ou escolha que tenham afrontado algum caro fundamento à responsabilidade fiscal.
Aqui e ali há alguma reserva, mesmo entre as esquerdas, a um certo "falar difícil"... E olhem que assim reagem muitos que ainda não leram ou tentaram ler "O Terceiro Excluído - Contribuição para uma Antropologia Dialética", rsrs. É coisa difícil. Mas tratar o futuro ministro como se fosse um uspiano que mora nas nuvens ou no mundo da Lua é fazer mau juízo da própria USP e desprezar a disposição que ele tem para o diálogo. Não é nem um nefelibata nem um selenita. Parece haver uma certo "anti-intelectualismo" militante e nada virtuoso a fazer reserva a seu nome.
Com efeito, não despertará "nuzmercáduz" o frenesi que provocava um Paulo Guedes, mesmo quando todas as suas previsões iam por água abaixo, e ele pratica o contrário do que que dizia. A verdade é que a má vontade com Haddad parte, por ora, daqueles que achavam que Lula deveria quase pedir desculpas por ter vencido as eleições, e a maneira de se penitenciar seria nomear para a Fazenda um não petista — de preferência, alguém que dissesse que a responsabilidade fiscal se sobrepõe à responsabilidade social. Não foi essa mensagem que venceu nas urnas. E, claro!, todos estarão atentos às contas — e Haddad sabe que terá de zelar por elas. Mas sem deixar as viaturas da Polícia Rodoviária Federal no pátio porque não há dinheiro para a manutenção.
QUAL RESPONSABILIDADE FISCAL?
Não deixa de ser curioso que muitos vejam o próximo governo segundo as lentes de uma suposta responsabilidade fiscal presente que é escandalosamente mentirosa. "Uzmercáduz" não põem preço na paralisia da máquina pública, que está aí aos olhos de todos, ou numa reserva de R$ 34 milhões no Orçamento do ano que vem para o Minha Casa Minha Vida. Ou num corte de R$ 16 bilhões no Orçamento da Saúde. Ou de mais de R$ 4 bilhões no da Educação -- tomando-se, nos dois casos, os valores deste ano como referência. "Ah, assim é, Reinaldo, porque "uzmercáduz" querem saber se a conta fecha, pouco importando a ética que embale a adição ou a subtração.
Sei disso, e não acho que alguém deva se arvorar em professor de moral e cívica desse ente etéreo e, às vezes, truculento. Mas um governo, num período de quatro anos, deve buscar saídas para responder às demandas daqueles que mais precisam... de governo! A responsabilidade fiscal que desorganiza as políticas de combate à pobreza e que inviabilizam os serviços do Estado, submetendo os aparelhos públicos à deterioração por falta até de manutenção, é política de perversos, que gera ilhas de excelência cercadas de miséria dos todos os lados. E já temos a verdade testada sobre gastança irresponsável, que sempre pune os mais pobres no fim da linha.
EQUIPE E PLANEJAMENTO
"Uzmercáduz" agora estão de olho na equipe de Haddad -- o secretário de Política Econômica, por exemplo -- e no futuro titular do Planejamento. Aqui e ali, leio e ouço coisas como: "Lula poderia indicar um liberal para criar uma espécie de contrapeso..." Sei. "Contrapeso" exatamente a quê? Ao excesso de esquerdismo do futuro ministro da Economia? Não pode ser. Esse "Haddad vermelho" é uma fantasia ou de bolsonarista ou de especulador -- ou, ainda, de desinformado.
É evidente que não acharei ruim se assim for, mas me recuso a cair nisso que considero preconceito e mistificação: a ideia de que Haddad precisa de alguém nos seus calcanhares para lhe impor um compromisso com a disciplina fiscal. Data vênia: esculhambação fiscal, inclusive à boca da urna, tem sido a vivida nos últimos quatro anos. Ainda que fantasiada de rigor.
Um dos nomes dados como certo na equipe de Haddad é Bernard Appy, que foi secretário Executivo da Fazenda e depois de Política econômica no primeiro governo Lula. É, na prática, o autor da proposta de reforma tributária que tramita no Congresso. Outro cotado para a equipe é Marco Bonomo. Ele é professor do Insper, formado pela PUC do Rio, com doutorado em Princeton. Ambos são conhecidos por seu compromisso com a... responsabilidade fiscal.
CONCLUO
Volto ao ponto para encerrar -- e tratarei dos outros pré-presidenciáveis em outros textos. É segredo de Polichinelo que Lula escolhe para a Fazenda um nome que lhe demonstrou fidelidade absoluta, o que conta muito em política. Haddad será o centro das atenções da equipe, num terreno, escolham a metáfora, espinhoso, minado, cheio de armadilhas... Quando se pensa que o ainda jovem Haddad aspira à Presidência, infere-se: o chefe lhe deu o galardão. Mas olhem o tamanho do desafio. Se for bem-sucedido, o prêmio pode ser, sem dúvida, muito grande. Ocorre que Lula não o chamou para tomar uma fresca no parque numa tarde de domingo.
E, como se nota, os críticos não dão folga. Outro dia o dólar subiu um tantinho e a Bolsa caiu outro, e o analista não teve dúvida: atribuiu a responsabilidade a Haddad porque ele NÃO TERIA DITO palavras de compromisso com a responsabilidade fiscal. Os mercados têm de ser levados em conta como uma medida e termômetro do andamento das coisas. Já a loucura "Duzmercáduz" é coisa de especuladores que veem contrariadas suas expectativas de "comprados" e "vendidos". Ou que estão dispostos a criar ondas para aumentar a sua remuneração num caso ou noutro.
Governar é coisa mais complexa do que isso.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL
https://noticias.uol.com.br/colunas/reinaldo-azevedo/2022/12/09/retrato-com-4-presidenciaveis-mais-patrulha-contra-haddad-nao-faz-sentido.htm