Bolsonaro e os 500 mil mortos. É preciso mais o quê? 14/06/21 -. Marco Antonio Villa

 


É necessário impedir a naturalização da barbárie.

500 mil mortos não representam somente um número: é um genocídio..
O bolsonarismo não pode durar para sempre.
PARA SAIR DESTA MARÉ
14.06.2021 IN BLOG

‘É tudo um tecido de mentiras.’

Essa frase de um personagem de Ingmar Bergman às vezes me vem à cabeça quando tento sintetizar a política do governo Bolsonaro contra a pandemia.

Noutros momentos, procurei destacar a base dessa atitude devastadora, que é a negação de fatos. A negação como fenômeno psicológico foi teorizada por Freud em 1923. Sua filha Anna Freud ampliou os estudos do tema, sobretudo em crianças.

Não ver ou ouvir certos fatos às vezes é uma tentativa de evitar a dor ou o desafio que abale nossas convicções do mundo. Nas crianças indefesas, até que isso, em determinadas condições, tem um lado positivo e permite seguir adiante apesar de experiências traumáticas.

Em política, esse conceito de negação foi usado também para definir as teses que negam o Holocausto e as atrocidades do regime nazista.

Mas às vezes essa tendência se infiltra na sociedade. Michael Milburn e Sheree Conrad escreveram um livro sobre as principais políticas de negação na sociedade norte-americana.

Bolsonaro se recusou a aceitar a existência da pandemia. Da célebre comparação do vírus a uma gripezinha a todos os passos posteriores, sua atitude foi negar.

No auge da pandemia, já com 480 mil mortos, ele ainda fez uma tentativa desesperada de negar que todas essas mortes foram causadas pela Covid-19. Para isso, um auditor amigo produziu um relatório fake e o introduziu no sistema do Tribunal de Contas da União.

No entanto, na CPI da Covid, onde se apuram as responsabilidades, a tendência do governo é negar sua política de adesão à hidroxicloroquina e recusar a vacina. É a negação da negação.

O que fazer com tanta mentira? Para a CPI, a tarefa é simples: alinhar declarações, atitudes e documentos e provar que esse tipo de política causou mortes.

No campo político, entretanto, coloca-se uma questão importante: como atuar na vida pública com um país tão intoxicado pela mentira?

Não tenho ilusões de que o clima será muito melhor no futuro. O crescimento da internet mostra como os grupos se atacam: como enxames de abelhas, parecem morder diante de um pensamento que lhes desagrada.

Outro dia, questionado sobre a possibilidade de atenuação do clima, respondi longamente. Percebi como o tema me preocupa.

Um dos caminhos é unificar o campo da oposição e reduzir a hostilidade mútua diante do adversário comum. Coalizões mais heterogêneas, como em Israel, surgiram da necessidade.

Para reduzir a hostilidade no campo de oposição, não basta boa vontade. É preciso reconhecer que existem candidaturas diferentes, representando a esquerda, o centro e até a direita.

Os que afirmam que não querem nem um nem outro, nem Lula nem Bolsonaro, precisam avançar nessa forma simplificada, reconhecendo que não são forças equivalentes; existe uma diferença de qualidade entre elas.

Isso seria um primeiro passo. O centro seria criticado apenas por pensar de forma diferente, mas não por estabelecer uma equidistância artificial entre esquerda e extrema-direita.

Outra ideia que me parece válida é reconhecer que Bolsonaro pode perder apoio. A tática correta não é estigmatizar seus mais de 50 milhões de eleitores. Erros históricos coletivos acontecem. A tarefa principal é tornar leve o caminho de volta para uma posição mais sensata. O estigma, pelo contrário, dificulta a vontade de mudar.

São ideias iniciais. Quando as exprimi numa conversa com Fernando Henrique Cardoso, Sergio Fausto lembrou o plebiscito no Chile e como uma posição mais solar, mais leve, acabou derrotando a herança de Pinochet.

São ideias iniciais, mas uma reflexão sobre o caminho. É insatisfatório apenas denunciar as mentiras do governo Bolsonaro e seus passos rumo a um golpe.

É necessário criar uma base comum de resistência e, sobretudo, algumas razões para acreditar em mudanças. Isso não purifica a atmosfera política, mas pelo menos ajuda a respirar.

Por: Fernando Gabeira
Artigo publicado no jornal O Globo em 14/06/2021
https://gabeira.com.br/para-sair-desta-mare-2/.

A carnificina bolsonarista

Jair Bolsonaro intensificou seu projeto de golpear as instituições democráticas e impor uma ditadura. Sempre deixou claro, desde a longa carreira parlamentar, que era um adversário do Estado democrático de Direito.

No exercício da Presidência — antes ainda da pandemia — deu inúmeras declarações, no Brasil e no exterior, de simpatia para com as ditaduras e de incômodo com os limites constitucionais estabelecidos ao poder Executivo pela Constituição de 1988. Ao mesmo tempo, foi solapando o aparelho de Estado, minando o que foi edificando, com muito esforço, nos últimos trinta anos.

Deve ser recordado que o Brasil tem uma longa presença autoritária na esfera política. A construção de uma cultura política democrática nunca foi um elemento presente no nosso cotidiano. As veleidades autoritárias sempre estiveram presentes, mesmo em momentos de relativo funcionamento de instituições democráticas. O uso da força rondou a nossa história republicana. O golpismo foi durante décadas uma carta guardada para ser utilizada em momentos de impasses. E desde 1889 inúmeras vezes foi utilizada. O entendimento que, na democracia, é necessário conviver com a diferença, com a pluralidade, com a alternância no poder, com o respeito às instituições, nunca foi compreendido pelas elites políticas. E o povo, no seu mutismo, não compreendeu que reside na democracia a única possibilidade de enfrentamento das desigualdades sociais – isto em um dos Países mais desiguais do mundo.

O ano de 2021 está expondo de forma absolutamente transparente as contradições da democracia brasileira, suas limitações e possibilidades. Só que apresentando uma variável inexistente em outras crises da República: a pandemia. Ela está atingindo o âmago do Estado democrático de Direito. O nazifascismo bolsonarista estabeleceu na morte o foco de sua ação política. O desprezo pela existência humana atingiu o ápice. Como não há guerra externa, restou aos extremistas atacar, pelo negacionismo, os brasileiros. A carnificina sem fim é o objetivo central dos genocidas. Resistir é uma tarefa de sobrevivência nacional.

Como de hábito — e a história republicana tem vários exemplos — a reação é normalmente tardia. Mas quando vêm, chega com força e de forma surpreendente.

As primeiras grandes manifestações de rua, somadas às pesquisas de impopularidade, o agravamento da pandemia, a lenta recuperação econômica, podem interromper a matança antes que seja tarde demais.
https://istoe.com.br/a-carnificina-bolsonarista/

Postagens mais visitadas deste blog