Economia brasileira deve encolher 7% ou mais em 2020, diz Henrique Meirelles

Para Henrique Meirelles, se a crise de saúde provocada pelo novo coronavírus evoluir como previsto, a economia brasileira deve encolher ao redor de 7% neste ano. 
Luísa Melo do CNN Brasil Business, em São Paulo
16 de Maio de 2020
“Acredito que essa previsão está bastante próxima da realidade, podendo ser ainda pior”, afirmou em entrevista ao CNN Brasil Business na quarta-feira (13).
O atual secretário da Fazenda de São Paulo, que também já foi ministro da Fazenda e presidente do Banco Central, diz acreditar que o cenário esperado pelo governo, de uma contração próxima dos 5%, só seria factível se o ritmo de contágio começasse a diminuir antes de junho, o que é pouco provável.
Meirelles também afirma que há espaço para que o Banco Central corte ainda mais os juros e que o maior estímulo monetário não geraria inflação significativa porque há muita capacidade ociosa na economia.
“É uma situação dramática. Isso aqui [a pandemia] não é uma coisa normal, então algumas atitudes mais drásticas se justificam”, afirmou.
Na conversa, o secretário falou ainda sobre como a crise política atual interfere no cenário econômico e destacou que, passada a pandemia, o governo terá de retomar a agenda de reformas para que o país cresça de maneira sustentável. Leia os melhores trechos abaixo: 
CNN Brasil Business - O governo revisou a previsão para o PIB brasileiro para uma queda de 4,7% neste ano por conta do novo coronavírus, mais ou menos em linha com a estimativa do FMI. Mas alguns economistas já esperam um recuo de até 7%. Para o senhor, qual é o número mais factível?
Henrique Meirelles - Nós temos um problema de saúde, uma pandemia, e, como consequência, uma queda da atividade econômica. A previsão neste caso é muito mais difícil de se fazer [diferentemente do que vimos em outras crises] porque temos que fazer uma previsão da evolução da curva de casos e a marcha do vírus não é totalmente conhecida. Portanto, o efeito na economia também fica menos previsível. 
Se a crise de saúde se comportar como previsto – atingindo o pico agora em maio, começando a cair em junho no estado de São Paulo, por exemplo, e chegando a um patamar mais baixo ao redor de julho – nós poderemos ter, de fato, algo mais ao redor dessa previsão de 7%.
Acredito que ela está bastante mais próxima da realidade, podendo ser ainda pior. Com uma evolução mais favorável, é possível termos algo na linha dos 6%, 5,5%, mas eu acho menos provável. 
Já é hora de discutir como recuperar a economia após a crise?
Antes de discutir a recuperação, nós temos que preservar a economia agora. Porque se sairmos com a economia alquebrada da crise, com as empresas em recuperação judicial, em falência, e com o desemprego altíssimo, a dificuldade de recuperação será maior.
Então, é muito importante que nós possamos proteger vidas, sim. E a quarentena rigorosa é a experiência mais bem-sucedida do ponto de vista de salvar vidas e também de evitar uma queda econômica depois. E precisamos também proteger as empresas com auxílio financeiro, com empréstimos, durante o período da crise, para depois, sim, impulsionar a economia para crescer à maior taxa possível após a pandemia. 
Como o senhor comentou, temos uma crise de origem sanitária e contorná-la exige um gasto fiscal que não estava previsto. Como garantir que essas despesas extraordinárias fiquem restritas a 2020? O teto de gastos é suficiente para isso?
O teto de gastos é absolutamente fundamental no pós pandemia, não tenho dúvida. Porque a última coisa que nós precisamos é sair de uma crise sanitária e entrar numa crise fiscal de novo. O aumento da despesa pública agora é crucial, não há outra solução.
É absolutamente necessário que agora a pandemia seja controlada e que o governo apoie a economia, o pacto produtivo nacional, para não deixar que haja uma insolvência generalizada mais à frente, o que seria um desastre. Mas depois disso, nós vamos estar com uma crise de consequências fiscais à vista e temos que evitá-la. É fato que a dívida pública vai estar bem mais elevada, então será necessário contrair a despesa pública. O teto de gastos é um modelo muito forte e que funciona, mas por um período limitado.
Ele é importantíssimo por duas razões: primeiro porque controla a situação de curto prazo e, segundo, porque força a priorização das despesas públicas e uma divisão mais racional do orçamento. Mas ele vai enfrentando um problema que é o crescimento das despesas obrigatórias.
Quais as reformas prioritárias para que o governo consiga diminuir as despesas obrigatórias?
O passo seguinte, logo depois de terminada a crise, é que nós tenhamos a reforma administrativa, que já está mais ou menos delineada, e a reforma tributária. São duas reformas fundamentais que têm que ser feitas imediatamente depois da pandemia para viabilizar que o teto seja, de fato, rigorosamente cumprido por um prazo longo.
Aí nós teremos essa dívida pública se estabilizando e depois começando a cair ao longo dos anos, o que é fundamental para o crescimento do país. 
Os estados estiveram no centro da discussão sobre o impacto fiscal desta crise, por conta do projeto de socorro. Antes mesmo de o coronavírus chegar, a gente já tinha alguns estados em situação crítica. Qual é o cenário daqui para frente? 
Temos um cenário difícil para todos os estados, em primeiro lugar. Porque mesmo os que estavam absolutamente equilibrados, como São Paulo, evidentemente têm uma queda de arrecadação muito forte com essa crise. Para você ter uma ideia, a queda de arrecadação de São Paulo no mês de abril, comparado com a Lei Orçamentária, que é o que seria o normal, foi de 22%.
Devemos ter no mês de maio uma queda acima de 30%. Evidentemente, para os outros estados que já estavam em uma situação difícil, muitos decretando calamidade financeira, a situação fica muito mais grave. Além disso, eles estão na frente de combate à Covid-19. Hospitais de campanha, UTIs, respiradores, tudo isso é fornecido pelos estados. E na crise os gastos com segurança pública também sobem, porque aumenta a necessidade de policiamento.
Então, é importante que o presidente sancione tão logo quanto possível a lei [que estabelece a ajuda aos estados], que já foi aprovada pelo Congresso Nacional, depois de longa discussão. Ela vai viabilizar duas coisas: a compensação de parte da perda na arrecadação de 2019 para 2020, e a suspensão dos pagamentos de empréstimos dos estados junto a bancos oficiais e à União até o final do ano, ou pelo menos até o final da crise, em alguns casos.
Essas duas coisas, juntas, vão permitir que os estados possam cumprir a sua responsabilidade, pagar as suas despesas durante o ano de 2020. Então, o estado cumprindo a sua função básica, já teremos uma possibilidade de passar através da crise. E, depois disso, também temos que discutir a questão da recuperação da economia.
O Banco Central já sinalizou que pode fazer um novo corte na taxa básica de juros, que está na mínima de 3% ao ano.  O senhor acredita que ainda há espaço para estímulo monetário?
Eu tenho uma postura, um princípio, de não dar muita opinião sobre o que o Banco Central deveria fazer. Em dito isso, é uma situação dramática, está certo? Isso aqui não é uma coisa normal, então algumas atitudes mais drásticas se justificam. Eu acho que tem espaço, sim, porque a situação da economia é evidente.
Agora, há a preocupação de economistas renomados, que dizem com muita propriedade que temos que manter a âncora monetária, que o BC tem que ser conservador. Numa situação normal, sim, é verdade. É a mesma coisa que dizer o seguinte: as pessoas devem se exercitar, fazer exercício? Sim, é preciso manter a forma física, aumentar a resistência, proteger a saúde, é verdade.
Agora, se você está doente, por exemplo com Covid-19, você deve sair fazendo exercício na rua? Não. Aí tem que repousar, ter ajuda mecânica respiratória. De novo, esse momento não é o normal, então não adianta você prescrever as receitas normais. Agora, é um momento dramático, é um momento, inclusive, de medidas que não são as medidas para tempos normais. 
E quanto ao risco inflacionário?
Nós temos uma crise gigantesca, que pode ser uma crise que pode se aproximar da depressão de 1929 na economia, que vem como resultado da pandemia. O Banco Central tem que, de fato, injetar recursos no mercado. Isso vai gerar inflação? Não. Porque a atividade econômica está caindo muito, estamos falando aqui de quedas que podem chegar a 7% ou mais ao ano. Tem muita capacidade ociosa na economia.
O senhor acha que o patamar da taxa de câmbio está adequado?
Olha, o câmbio é flutuante. Eu acho que compete ao Banco Central assegurar-se de que os mercados estão líquidos. O que quer dizer isso? Que tem dólares suficientes sendo ofertados no mercado e que tem compradores e vendedores. Em resumo, que o mercado está fazendo o preço normalmente sem ninguém estar contra a parede. E, para isso o BC, felizmente tem hoje muita reserva internacional. Em qualquer país do mundo, inclusive no Brasil, as experiências de controlar a taxa de câmbio sempre deram errado. 
O câmbio mais alto tem vantagens e desvantagens. Beneficia a exportação, o que é bom para a atividade econômica do país, mas tem um certo impacto na inflação. Mas como a inflação está mais baixa, abaixo da meta, inclusive, então tem espaço para isso. Agora, evidentemente, compete à autoridade monetária ir monitorando isso, para não haver exageros causados por desequilíbrios.
O senhor esteve no governo durante algumas crises políticas: a do ‘Joesley Day’ [no governo Michel Temer, enquanto ministro da Fazenda], e a do mensalão [no governo Lula, enquanto presidente do BC]. Que peso o senhor acha que a crise política atual tem na piora econômica?
Tem um efeito, sim. Um efeito importante. Porque aumenta a percepção de risco. Quer dizer, é muito importante na economia o nível de confiança. E um dos problemas da confusão política é exatamente a incerteza sobre o que será feito. 
O que será feito na área econômica, na saúde, na infraestrutura, na construção de obras fundamentais para o país, tudo isso. Então, há um custo econômico. 
O risco Brasil, de um lado, sobe como resultado da pandemia, mas sobe também como resultado da incerteza política.
Qual o cenário para depois da pandemia?
Em resumo, agora temos que proteger vidas e, ao mesmo tempo, manter o pacto produtivo nacional, ajudar as pessoas que estão fora do mercado de trabalho, ajudar as empresas a sobreviver, manter empregos. E, depois disso, precisamos ter condições para o país voltar a crescer mais, aproveitando a capacidade ociosa das empresas.
É possível voltar a crescer a taxas mais elevadas do que estávamos crescendo antes. Vai ser uma recuperação possivelmente lenta, mas, depois, nos próximos anos, nós temos condições de crescer a taxas mais elevadas. O ano de 2021 pode ser um pouco difícil, porque ainda será a saída da crise, mas depois nós podemos crescer mais.

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